1. É cada vez mais perceptível, nos discursos oficiais ou quase-oficiais, o recurso a uma Retórica da Desculpabilização...e consequente desresponsabilização pelos erros de política económica acumulados ao longo dos últimos (bons) anos e que conduziram a nossa economia ao beco sem saída em que se encontra.
2. Essa Retórica tem feito uso de uma carteira de argumentos variada:
- Em 2008/09, foi a crise financeira internacional, que certamente nos atingiu tal como a muitos outros países, permitindo-nos encontrar aí uma escapatória para problemas domésticos que nada tinham que ver com essa crise (enorme excesso de endividamento, por exemplo);
- Mais recentemente, com as sequelas da crise grega, em que as nossas específicas fragilidades estruturais se tornaram bem mais evidentes, a Retórica da Desculpabilização voltou-se contra os especuladores, as agências de rating, os americanos na sua fúria destruidora do Euro (sem Obama saber, pasme-se!), etc.
- Ainda mais recentemente, à medida que o anterior arsenal de desculpabilização ia perdendo vigor, a criatividade desta Retórica encontrou na “crise da Europa” e na “falta de um governo económico no Euro e na EU” uma nova forma de justificar os nossos graves insucessos, tentando continuar a ocultar suas verdadeiras causas.
3. Curiosamente, esta Retórica da Desculpabilização pretende passar a ideia de que “estamos a fazer o que nos compete”, “tomamos as medidas de austeridade que são necessárias e suficientes” (até ver, claro), “as nossas reformas estruturais até concitam admiração quase universal”...mas não temos culpa nenhuma da “crise da Europa” nem da “insuficiência de governo económico da EU” de que somos todos vítimas...
4. A “crise da Europa”, tal como aparece na Retórica da Desculpabilização é um conceito bastante difuso - uns falam de falta de liderança, outros em falta de ousadia, outros na falta de vontade em “aprofundar” (que bela palavra...) o projecto europeu...
5. Esse carácter difuso ajuda bastante aos efeitos pretendidos pela Retórica da Desculpabilização...quanto menos claro for o conceito, maior dificuldade terão os cidadãos para perceber que a “crise da Europa” nada tem a ver com os nossos problemas e mais tempo o argumento gozará de crédito...
6. Quanto à “insuficiência de governo económico” trata-se de uma interessantíssima ideia: para a Retórica da Desculpabilização, mais “governo económico” significará obviamente maior disponibilidade dos nossos parceiros para assumirem responsabilidade pelas nossas dívidas e para aceitar que continuemos a gastar muito para além do que produzimos...
7. De resto, a descoberta, só nesta altura, da “insuficiência de governo económico” não deixa de ser surpreendente, uma vez que nunca na EU ou na zona Euro tal forma de governo existiu...a denominação União Económica e Monetária é apenas um título, pois em matéria de política económica toda a gente sabe (ou devia saber) que cada País vive para si, faz mais ou menos o que quer com algumas excepções (nestas a política agrícola em especial).
8. O grande problema é que enquanto nos dedicarmos a esta retórica de desculpabilização isso significa que continuamos a iludir o essencial dos problemas, que não estamos realmente dispostos a enfrenta-los e a resolve-los...e não saímos disto!
7 comentários:
Inventam-se todas as desculpas para branquear as asneiras e não tomar as decisões óbvias.
As que têm sido tomadas só o foram por imposição externa. Outras virão.
O Governo perdeu toda a credibilidade e o que hoje é mentira amanhã é verdade e vice-versa. Sucede com os investimentos, com os impostos, com as portagens das SCUTS, com o o valor do défice, com a avaliação dos professores, com o fecho das escolas, etc, etc.
Os Ministros desmentem-se uns aos outros e o 1º Ministro já não está, vai vagueando por aí.
A culpa é obviamente da Europa!...
Nem Cavaco , um dos grandes responsáveis, escapa à retórica da desculpabilização...
E, cada vez, estamos pior!
Com as causas ocultadas,
para assim nos iludir,
em razões disparatadas
que tanto fazem por brandir.
Essa retórica enquistada
de argumentos enganadores
é uma forma mal inventada
que não engana os sabedores.
Esta lógica indigente
gastadora de muitos milhões
é abertamente pungente
ao parasitar os mexilhões.
No primeiro dia de Maio de 1500, enviou Pero Vaz de Caminha a El-Rei Dom Manuel uma carta, dando-lhe conta minuciosa do achado de Terras de Vera Cruz, descrevendo-lhe as gentes e as terras encontradas.
As gentes foram descritas do seguinte modo: Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direcção ao batel... não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse... Nicolau Coelho arremessou-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza.
Sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500, foi "fincada" em terra, uma cruz, num local assinalado pelo Capitão e armado um altar, junto dela, onde foi rezada missa. Terminada a missa, sentou-se o padre frei Henrique junto da cruz e foi lançando ao peito de perto de sessenta deles, um a um, uma cruz de estanho com crucifixo, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos.
E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza.
"com papas e bolos, se enganam os tolos"
Exacto, caro Pinho Cardão, a Europa tem culpa enquanto for, como tem sido, uma Europa faz-de-conta (que vê mas não vê...)!
Caro Fartinho da Siilva,
Confesso que não percebi o PR quando, na cerimónia verdadeiramente fúnebre e evocativa dos 25 anos da assinatura do Tratado de Adesão, voltou a referir-se aos ataques ao Euro...
Mas ainda não se entendeu que os mais duros ataques ao Euro partiram de dentro da própria zona, com a grave indisciplina das finanças públicas em diversos países?
Ou seria isso que o PR quereria dizer? Se foi, tenho a noção de que se expressou mal...
Muito interessante essa construção poética..."lógica indigente gastadora de milhões"...um paradoxo bem visto!
Caro Bartolomeu,
Bela evocação histórica e muito a propósito...concordará que, apesar das semelhanças, os métodos usados nos alvores do século XVI para atrair os índios do Brazil eram, apesar de não recomendáveis, mais escrupulosos do que os que agora são utilizados para enganar os indígenas lusos?...
Sem dúvida, Sr. Dr. Tavares Moreira!
Desde Charles Darwin, que se conhece a teoria da evolução das espécies. Na nossa época, desconhece-sse a teoria da evolução das teorias...
Como diz o "outro": sabemos que estamos a deixar um mundo pior aos nossos filhos mas, será que estamos a deixar melhores filhos?!
Se os filhos nossos não forem melhores, caro Bartolomeu, como poderão sobreviver no mundo cheio de armadilhas (e de dívidas) que lhes vamos deixar?
Têm que ser melhores, quer Darwin queira quer não queira!
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