O jornal Público publica hoje um trabalho muito interessante sobre o sistema de pensões sueco. É uma das 12 IDEIAS PARA PORTUGAL em áreas críticas e diversas que este jornal tem vindo a apresentar, com base em experiências e reformas adoptadas por outros países que constituem modelos ou referências.
Um trabalho oportuno e sério que ajuda quem quer estar informado a colocar em perspectiva os problemas, os desafios e as soluções que se colocam ao nosso sistema de pensões. E que nos mostra, também, como é que na Suécia os responsáveis políticos se organizaram para pensar e gerir a reforma:
Em 1991, com o país a sofrer uma crise económica grave, os sociais-democratas perderam as eleições, e o novo Governo de centro-direita decidiu criar um novo grupo de trabalho para preparar uma reforma do sistema de pensões. Desta vez, apenas foram chamados a participar os partidos com assento parlamentar. E no espaço de dois anos e meio chegaram a um acordo.
Tudo começou na conjuntura económica. A grave crise que se vivia nos países escandinavos criou a ideia na sociedade sueca de que o sistema de pensões em vigor poderia não ser sustentável. Isso deu a todos os membros do grupo um mandato forte para avançar para uma reforma.
“O Partido Social-Democrata estava muito orgulhoso do sistema que tinha criado nos anos 1950. Mas na Suécia, a partir dos anos 1980, muitas pessoas, incluindo sociais-democratas de relevo, começaram a ficar ansiosas e a duvidar que se pudesse manter o sistema. As pessoas começaram a sentir que tinham de fazer alguma coisa para os filhos e os netos. Acho que, para haver um acordo, primeiro é preciso que as pessoas sintam que o sistema antigo não vai funcionar”, diz o ex-ministro.
Também pesou a própria formação inicial do grupo, que apenas incluiu quem estivesse predisposto a chegar a um consenso. Não só não foram incluídos sindicatos, organizações patronais ou associações de pensionistas, como dois partidos completamente contrários a mudanças – o partido mais à esquerda e o mais à direita no parlamento acabaram por ficar fora do grupo. Restaram cinco partidos, que representavam cerca de 85% dos votos.
“Tinha sido membro do anterior comité para as pensões que foi criado em 1984 e que não conseguiu chegar a um acordo. Nessas reuniões estavam 30 pessoas numa sala, com partidos, sindicatos, representantes patronais... Nessa altura aprendi que, se queremos negociar de uma forma eficaz, temos de ter um grupo mais pequeno. No final éramos sete e o resultado confirmou a minha ideia de que tínhamos de ter menos pessoas e que tivessem um forte mandato para negociar”, conta Bo Könberg.
Depois, o grupo decidiu funcionar de acordo com a seguinte lógica: os representantes dos partidos – pessoas com uma excelente relação entre si – discutiam uns com os outros até chegarem a uma posição de convergência sobre um determinado acordo. Só depois é que poderiam apresentar aos órgãos dos seus próprios partidos a solução proposta. Desta forma, o conteúdo das negociações foi sendo, na sua maioria, escondido da opinião pública, até ao momento de se apresentar a proposta final.
No final, aquilo que acabou por prevalecer foi o que ambas as partes consideravam absolutamente indispensável. Os sociais-democratas ficaram com a garantia de que o sistema continuava a ser fundamentalmente de repartição, que era universal e que a sua gestão se mantinha pública. À direita, a ideia de que o sistema se tornava actuarialmente (em função da esperança de vida) justo, sem transferências entre gerações, foi considerada uma vitória importante. E de ambos os lados, a ideia de fazer desaparecer as pensões do combate político foi recebida com entusiasmo.
Gosto do caso da Suécia para ilustrar que é politicamente possível numa sociedade democrática fazer reformas – no caso da Suécia uma reforma politicamente difícil, mas bem-sucedida – quando as elites políticas trabalham de uma forma catalisadora, longe dos olhares mediáticos e no local apropriado. A forma de preparar e trabalhar uma reforma é, não sendo evidente para todos, um ponto chave.
O trabalho publicado inclui duas entrevistas. Uma com Mats Persson , um economista sueco prestigiado na área das pensões. Transcrevo uma passagem da entrevista que dei que se prende justamente com a solução política empreendida pela Suécia e como lá chegaram:
O que podemos concluir com a Suécia, dada a base alargada de representação social que foi possível juntar para fazer uma reforma, é que a necessidade aguça o engenho. Perante problemas concretos, perante a necessidade de estabilizar o sistema e dedicar o tempo a outras coisas, de fazer com que deixasse de haver conflitos políticos permanentes e se arrumasse esse assunto, tornando o sistema fiável, de confiança, foi possível unir esforços. E os partidos tinham também clivagens ideológicas. Em Portugal, não há dúvida de que à partida haverá posições diferentes. E compreendo que os autores da reforma de 2007, que foi apresentada como resolvendo todos os problemas, tenham agora dificuldade em admitir que se pode fazer de outra maneira. Mas o problema é político, porque há soluções técnicas. Se não for o modelo sueco há outras soluções. O problema é a falta de entendimento para se fazer uma estabilização do sistema.
4 comentários:
Cara Drª Margarida;
a única solução que encontro para resolver o problema que limita no nosso país a ação de quem envida todos os esforços para atingir acordos estáveis, capazes de construir plataformas onde seja possível discutir sériamente os problemas e encontrar para eles as melhores resoluções, passa pela adoção da "regra" sugerida pela DRª Manuela Ferreira Leite: suspender a democracia pelo tempo necessário.
Cara Margarida,
Muito apreciei a sua lúcida entrevista na mesma edição do Público que cita, na qual estão indicadas as ideias base que, se bem trabalhadas, poderiam conduzir a um acordo de regime com o objectivo de assegurar a sustentabilidade futura do sistema de pensões...sem necessidade de recurso à solução mais radical advogada pelo nosso amigo Bartolomeu, certamente!
"E de ambos os lados, a ideia de fazer desaparecer as pensões do combate político foi recebida com entusiasmo". Pertencemos a outro planeta. Obrigado, Margarida, por este ilustrativo apontamento, útil para quem, como eu, se libertou do mau hábito de comprar jornais.
Caro Bartolomeu
Uma frase que deu muito que falar!
Dr. Tavares Moreira
Obrigada pelas suas amáveis palavras. O tema é politicamente fracturante, mas a necessidade vai impor que as forças políticas se entendam. Quando, é a questão.
José Mário
Não tem de quê! É bom sabermos que existem outros planetas! Gostamos muito de os citar, mas depois...
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