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quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A personalização do pronto a consumir


Vivemos numa época do pronto-a-comer, pronto-a-vestir, pronto-a-servir, em que tudo parece feito e organizado de modo a caber exactamente nas nossas medidas, a satisfazer sem demoras uma necessidade, está ali à mão, é só escoher e pagar, se não ficar contente é devolver e escolher o que lhe serve melhor. De certa forma, confia-se que alguém pensou no assunto e é só ficar à espera que a solução não precise da intervenção do interessado.
Esta fúria de resposta a la minute contaminou todos os sectores e hoje servem-se também “pacotes” de teorias para tudo e mais alguma coisa, desde “como fazer o seu casamento feliz” até “como conseguir o melhor emprego” ou “como preparar-se para o futuro”. Tudo tem uma resposta standardizada, os modelos estão aí, se não sabe escolher é porque o defeito é seu, nós avisámos.
Resulta daqui que os jovens que já cresceram neste mundo do pronto-a-consumir acabam por ficar à espera de caber num destes formatos de sucesso garantido e tendem a ignorar – porque não lhes é dito com clareza -, que há uma parte significativa destes modelos que é só tentativa, que não há milagres e que a vida não é uma linha contínua ascendente, toda a gente conhece altos e baixos e que os falhanços são tão duros quanto a ambição que se colocou no objectivo.
Arriscar implica ganhar ou perder, e o gosto por esse risco só é uma vantagem se estiver lá a consciência de que pode ser preciso tentar de novo.
Os mais velhos, pais ou patrões, têm hoje um discurso um bocado contraditório: estimulam a iniciativa, propalam aos sete ventos que o sucesso é de quem se atreve, mas depois cobram fortemente pelo fracasso, como se ele não fosse uma parte da equação. E os garotos sentem-se perdidos e são, por isso mesmo, muito mais vulneráveis do que seria de supor quando tudo parece estar-lhes ao alcance da mão.
A questão do emprego vem carregada de expectativas e é muito fácil sentirem-se infelizes ou “desmotivados” ao fim de curtas experiências, numa incapacidade preocupante de tirarem proveito e aprendizagem de cada coisa que lhes acontece. Essa ansiedade faz com que queimem etapas, desvalorizem o que têm e se tornem muitas vezes em pessoas infelizes, revoltadas contra o mundo que lhes negou o el dourado que lhes agitavam à frente do nariz e deitam muitas vezes a perder os talentos e as capacidades que realmente possuem.
É preciso lembrar aos mais novos que, como diz um poema cantado por Maria Bethânea, “cada um traz em si a capacidade de ir tocando para a frente e de ser feliz”. Não há fórmulas garantidas se não se souber isso.

6 comentários:

Bartolomeu disse...

Concordo na íntegra com as considerações colocadas no seu post, cara Drª. Suzana.
Atrevo-me porém a acrescentar um pormenor que considero também importante. O conhecimento.
Não me refiro ao conhecimento empírico de matérias herméticas, mas sim ao conhecimento das generalidades que compõem a vida e a experiência dos mais velhos. Todos citamos frases proferidas pelos nossos familiares mais velhos, que por algum motivo nos ficaram gravadas na memória.
Frequentemente tomamos o sentido ou o conteúdo dessas frases como orientação para a solução de problemas que nos surgem. Neste conhecimento, incluo ainda o conhecimento de nós mesmo, o nosso conhecimento físico, exterior, que conduz de uma forma natural, ao conhecimento interior. Garanto que não me estou a referir a aspectos transcendentais na área do ocultismo, mas sim e não só ao aspecto espiritual. Por exemplo, um dos habitos que cada um de nós observa diáriamente e ao qual, por norma, dedica pouquíssimo tempo, é ao pentear. O acto de pentear, encontra paralelos em diferentes filosofias esotéricas e, poderá comparar-se à limpeza da aura, praticada por exemplo no Reiki. Mas, contornando esta questão do Reiki e focalizando a atenção no pentear exclusivamente, compreendemos com facilidade que se prolongarmos este "exercício" aos poucos começamos a sentir um bem-estar físico e psicológico, que será mais intenso se fôr outra pessoa a praticá-lo a nós. As senhoras sabem melhor do que falo, pois têm a experiência do cabeleireiro. Ora bem, o pentear, é em regra praticado em frente ao espelho, mas habitualmente, como disse é um acto rápido, tão rápido que nem dá tempo para a pessoa se observar, enquanto se penteia. Pois em minha opinião o exercício de nos observarmos, de nos descobrirmos ao espelho, é muito interessante e produz efeitos que surprendem o praticante. Isto porque, em primeiro lugar, ao nos observarmos, estamos a ver-nos reflectidos, estamos a ver a nossa imagem que, quando observada com mais vagar se revela aos poucos em pormenores que desconheciamos, por a termos no nosso consciente tão certa. Estas descobertas, conduzem-nos invariávelmente através do olhar, de expressões, etc. para um outro nível de conhecimento que muitas vezes nos é completamente alheio e, nos ajuda a desinibir em alguns aspectos e a aceitar, com maior naturalidade alguns pormenores em nos, assim como a valorizar alguns outros a que nem prestávamos atenção.
Em suma, no meu entendimento, o conhecimento de nós mesmos, tanto a nível físico, como intelectual, como espiritual, é importantíssimo, para que nos aceitemos como somos e estejamos em condições de aceitar e gerir essa felicidade a que a cara Drª. Suzana se refere neste seu grande post.

invisivel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
invisivel disse...

Cara Drª Suzana Toscano:

Estou de frente a uma reflexão límpida, simples e completa, que decorre de um “olhar” - brilhante, desapaixonado e equidistante - sobre o que parece ser a contradição da realidade da vida dos mais novos, e me conduz inevitavelmente a pensar, dentre diversas coisas, no eterno choque de gerações, e em como seria bom ao longo dos tempos termos "certezas". Por isto, parece-me estar perante uma reflexão intemporal do maior interesse.

PS:
Não sei se consegui expor bem o meu raciocínio mas V. Exa. perdoar-me-à, certamente, os "bites" por excesso, ou por defeito.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Não há dúvida que as nossas vidas vão sendo cada vez mais moldadas, muitas vezes sem nos apercebermos, pelo pronto-a-vestir. Tudo é vendido e está acessível na forma de pacotes, os chamados kits. São os pacotes de viagens, são os pacotes das telecomunicações, embrulhados de forma sedutora, agitando necessidades e vontades de satisfação.
No meio disto tudo, as cabeças dos mais velhos e dos mais novos vão sendo "empacotadas", moldadas para aceitar o pronto-a-vestir. A massificação dos pacotes retira, no entanto, aquela flexibilidade de criar, escolher, seleccionar e comparar que é indispensável para estimular por exemplo a aprendizagem e a capacidade de autonomia. São valias que sofrem com a mentalidade do "empacotado".
Felizmente ainda há muitas coisas que escapam ao pronto-a-vestir! É preciso procurar e dá trabalho, porventura mais caro, mas com a contrapartida de um sabor mais "saboroso". Mas só para alguns!
O balanço a fazer entre as vantagens e as desvantagens do pronto-a-vestir nem sempre é fácil...

invisivel disse...

É interessante verificar como deste post se podem extrair ilações tão diversas...

Suzana Toscano disse...

Caro Bartolomeu, é muito interessante a sua perspectiva de que a observação física pessoal é fundamental para nos conhecermos melhor. De facto, esta observação está muito conotada com a vaidade, quando afinal o que é o relacionamento com os outros senão um processo de sedução, de que o primeiro impacto é simplesmente visual? (isto era antes da NET, mas adiante) O modo como nos arranjamos logo pela manhã, a roupa que escolhemos ou o maior apuro no visual também transitem estados de espírito, mensagens que os outros vão captar. Também significam, por exemplo, a maior ou menor consideração pelos lugares ou encontros que vamos ter, conforme se vai formal ou informal. Toda uma linguagem associada ao conhecimento de si próprio, à valorização pessoal e, por isso, também à capacidade de ser mais ou menos feliz em função da atitude.
Caro Invisível, exprimiu-se muito bem, esta geração foi bastante protegida, em geral, claro, numa confiança de paz e abundância progressiva, daí esta confiança nas fórmulas da felicidade instantânea. Erro absoluto, claro, o mais que podemos dar-lhes, como todas as gerações anteriores, são conselhos, baseados na experiência, mas soluções, não temos. É uma verdade universal, como diz, e não há tecnologia nem pacotes que ultrapassem a imprevisibilidade do futuro, ainda que próximo.
Claro, margarida, que há sempre a possibilidade de “personalizar” os Kits, mas a questão é exactamente essa, é mais fácil estender a mão e tomar como bom o que alguém já se deu à maçada de sintetizar por nós. Quando essa realidade atinge campos mais filosóficos, menos materiais, o perigo é enorme porque gera insegurança, os que falham convencem-se que foram eles que foram inaptos, sem quererem criticar aquilo que é “vendido” como uma fatiota onde cabem todos…