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domingo, 14 de dezembro de 2008

Crédito bancário em Portugal e as sapatarias da velha URSS!


1. Achei muito curiosa (não digo divertida porque o caso me parece triste) a comparação feita pelo antigo Ministro das Finanças, Campos e Cunha, em artigo publicado na edição do Jornal Público da última 6ª Feria, salvo erro, no qual comparava o crédito bancário hoje em Portugal às lojas de sapatos na antiga URSS.
2. Contava Campos e Cunha que nas lojas de sapatos da antiga URSS (estatais, é evidente) os sapatos eram muito baratos…só que não havia sapatos! Os felizes cidadãos da URSS contentavam-se com a miragem de comprar sapatos baratos, tal como outros produtos, ir além da miragem provavelmente exigiria uma carreira política de muita dedicação ao partido…
3. Acrescentava Campos e Cunha que hoje em Portugal também é assim com o crédito: está mais barato – o prestimoso Diário Económico todos os dias dá grande relevo à descida da Euribor, por exemplo – mas é cada vez mais difícil o acesso das empresas ao crédito, sobretudo das PME’s…em suma, não há crédito!
4. E não é só o facto de o acesso ao crédito estar cada vez mais longínquo…também só na propaganda está mais barato, pois ao mesmo tempo que a taxa Euribor tem baixado o SPREAD sobe…ao ponto de estarmos hoje na situação caricata de a taxa base ser inferior ao SPREAD para a generalidade das PME’s que ainda conseguem acesso ao crédito…
5. Por isso em 14 de Novembro último aqui escrevi um POST (Mais linhas de crédito não, por favor!…) de crítica em relação aos milhares de milhões de Linhas de Crédito que o Governo se tem fartado de anunciar…sempre com condições excepcionalmente favoráveis… excluindo o crédito que (quase) não existe!
6. Mas pelos vistos essa praga propagandística das Linhas de Crédito não para…já depois desse POST chegou mais uma enxurrada desse material falsificado - e parece que agora, com o “programa de salvamento” da economia, serão mais umas centenas de milhões!
7. Esta situação de rarefacção e de encarecimento do crédito para as PME’s só poderá agravar-se no futuro, com a multiplicação dos “investimentos"públicos que se anunciam: basta que nos lembremos de que os recursos a gastar nos “investimentos” públicos provêm da mesma fonte que alimentaria os outros sectores da economia, ou seja do exterior…e essa fonte, além de muito escassa, prefere financiar o risco Estado então agora que o Estado está na moda!
8. Tem toda a razão o Professor Campos e Cunha no seu espirituoso comentário: temos crédito mais barato – até com o valoroso arredondamento da taxa de juro, obra muito apreciada do Engenheiro Serrasqueiro – só não temos, é crédito!…

10 comentários:

Pinho Cardão disse...

Mas que importa, caro Tavares Moreira, se temos linhas do dito?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Dr. Tavares Moreira
Também li o artigo do Professor Campos e Cunha.
Não vou dizer nada de novo, mas ainda assim deixo aqui esta nota de preocupação.
As empresas estão a enfrentar enormes dificuldades no recurso ao mercado bancário e ao mercado de capitais.
Não escapam a esta situação restritiva as grandes empresas com bom rating e com tradição de se financiarem nos mercados internacionais. Apesar da descida das taxas Euribor os spreads financeiros têm se vindo a agravar, sem garantia por parte dos bancos de refinanciamento de linhas de crédito que estão a chegar à data de vencimento.
A sitaução das PME é ainda mais complicada e será agravada pelo aumento do financiamento do Estado para satisfazer as suas necessidades.
Na situação de instabilidade financeira em que o mundo se encontra, não por escassez de liquidez mas por falta de confiança, as pequenas unidades empresarias são as que mais sofrem. O anúncio de linhas de crédito não será suficiente.

Tavares Moreira disse...

Claro, Pinho Cardão, vivam as linhas e morra o crédito!

Caríssima Margarida,

Justa e correcta análise...mas conclusão duvidosa, com a devida vénia...
Ao dizer que o anúncio de linhas de crédito não será suficiente, está a pressupor que esse anúncio tem alguma utilidade...encontra alguma utilidade em iludir os destinatários?
Grande abraço.

Tonibler disse...

Os meus caros, e o LC e Cunha, devem ter andado décadas afastados das PME's.

Nunca houve crédito às PME's. Nunca. Isso é uma enorme falácia que muita gente gosta de repetir porque dá algum jeito mas, de facto, quem teve crédito foram as pessoas que garantiam esses créditos, não as empresas que criavam ou geriam. Não me lembro de uma única linha de crédito, ou leasing, ou AOV, ou ALD, ou cartonito que fosse, que não viesse acompanhada da devida livrança em branco para ser assinada pelos sócios / administradores.
Aos bancos dará jeito dizerem que financiavam PME's mas, na realidade, financiavam projectos de particulares, a quem pediam a vida como garantia.

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Reconheço-lhe uma boa dose de razão no que diz...como habitualmente, o meu Caro tem observações certeiras.
Sei bem que desde sempre existiu na banca portuguesa uma interpretação excessiva da responsabilidade dos sócios das PME's, exigindo sua fiança/aval para tudo e para nada - é verdade sim senhor.
Mas com esse aval ou fiança, o crédito lá era concedido...e agora nem com aval ou fiança, meu Caro...é essa (um)a grande diferença, não a reconhece?

Rui Fonseca disse...

Caro Tavares Moreira, boa tarde!

No Público onde era publicado o artigo de LCCunha havia outro da autoria de um professor de Berkeley, ex-Secretário de Estado Adjunto do Tesouro, que terminava afirmando que
" ... se é preciso evitar a depressão, terá de ser usando as velhas políticas fiscais keynesianas: o governo vai ter de intervir no aumento da despesa e decidir quais os produtos e serviços em procura."

A cada um a sua solução, pelos vistos.

Em todo o caso a nova administração norte-americana parece enfileirar pela perspectiva deste professor de Berkeley.

Nesta encruzilhada de opiniões, a crise de confiança que se instalou está a obrigar a maior intervenção estatal.

Por outro lado, a dificuldade na obtenção do crédito por parte da PME´S estará a ser assim tão condicionada pelo endividamento público quando os investimentos do "programão" ainda não arrancaram ou´não serão, antes, as dificuldades de refinanciamento do sistema a reflectirem-se no nível de crédito concedido?

Tavares Moreira disse...

Caro Rui Fonseca,

É sempre bem-vindo ao 4R, espaço de debate em liberdade e com respeito da opinião alheia!
À sua questão final,se me permite, respondo com o parágrafo do Post onde digo que as dificuldades de acesso ao crédito por parte das PME's se IRÃO agravar por força da enorme massa de recursos que terá de ser afectada ao Programão...está claro?

AAA disse...

Dr. Tavares Moreira:

Em relação a estas linhas de crédito bonificado para a PME's, conto o meu caso:
Tenho uma pequena empresa de prestação de serviços. A empresa não tem empréstimos contraídos mas sim alguns, poucos, milhares de euros em depósitos.
Fui contactado pelo meu banco no sentido de fornecer documentação da contabilidade para eles candidatarem a empresa a um programa de linhas de crédito bonificado, não me lembro o nome, era o 3 qualquer coisa.
Disse-lhes que não precisava de crédito mas eles insistiram, dizendo que podia receber o empréstimo com um spread baixo, próximo de zero, e depois sempre podia aplicar o dinheiro em depósitos a prazo e ganhar o diferencial entre taxas (eles têm taxas de juro de depósitos a prazo cerca de 1.5% acima da Euribor).
Então qual é o negócio do banco: financiam-se, ao abrigo deste programa, a euribor menos 1.5 ou 2%, emprestam sem risco a quem não vai meter o dinheiro em projectos de risco e ganham, logo à cabeça, 1.5 a 2%. Ou seja, o estado (ou seja eu com os meus impostos), a pretexto de estar a financiar as PME's e a economia, está sim a financiar os bancos.
Portanto é extrapolar agora para essa miríade de incentivos que para aí há e ver como está a ser delapidado o dinheiro dos contribuintes.

André Tavares Moreira disse...

Caro Tavares Moreira,

É a Banca no seu melhor! Quando os bancos precisam de dinheiro o contribuinte tem de estar lá, quando chega a altura do banco fazer o seu papel, ou seja, conceder crédito quando o estado apela ( ainda hoje o ministro das finanças o fez) nem pensar. A falta de sentido de comunidade tem vindo a expôr-se dia após dias, nestes gestores. Lembro-me agora da expressão " Não peças a quem pediu!"

Tavares Moreira disse...

Caro Rom 8,

Muito elucidativo seu contributo...que mostra o Estado Social a funcionar às avessas - quando o dinheiro pago pelos contribuintes, amargamente pago, serve para subsidiar a poupança de empresas que não precisam de crédito e a conta de exploração dos bancos.
Bem se podendo acrescentar, neste último caso: como se já não bastassem os apoios directos do Estado que tanta celeuma têm causado...
O exemplo que nos dá traduz uma perversão total da ratio das famosas linhas de crédito.

Caro André,

Exactament, acrescentaria outro proverbio "A pobre não devas e a rico não prometas"...
Pobres neste caso serão os ricos bancos e os ricos serão as pobres PME'S...