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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

“Vai para a guerra!”

Há dias uma reportagem sobre a participação dos portugueses na I Grande Guerra começou com uma lindíssima canção entoada por um soldado português natural do meu concelho. É o registo mais antigo de uma voz portuguesa gravada por estudiosos nos campos de prisioneiros alemães. Um poema de amor. Tocou-me, porque além de uma estranha e comovente beleza, reavivou-me memórias filhas de outras memórias de gente que por lá andou. Cheguei a conhecer alguns e ouvir os seus relatos.
A participação portuguesa nesse terrível confronto marcou, de forma ímpar, a alma nacional. Basta ver os vários memoriais dispersos por vilas e cidades do nosso país. Um deles fascina-me desde miúdo. Uma mãe, humilde, de lenço à cabeça a ser abraçada pelo filho, entretanto transformado em soldado, despejando as lágrimas do desespero no seu ombro como que antevendo o seu não regresso. Quando vi pela primeira vez este monumento, em Tondela, fiquei hipnotizado. Não percebi o seu significado, nem mesmo quando perguntei o que era “aquilo”. “Aquilo”, disseram-me, é uma mãe a despedir-se do filho que vai para a guerra. – E o que é a guerra? – Onde fica? As respostas a perguntas simples feitas pelas crianças são as mais difíceis de responder e, por este motivo, terminavam, invariavelmente, com a frase do costume, “quando fores mais crescido ficarás a saber”! Tiraram-me uma fotografia junto do pedestal. A partir de então, sempre que olhava para a fotografia, entretanto desaparecida, sentia um misterioso fascínio, reforçado pelas inúmeras vezes que a vi. Não consigo, mesmo hoje, de deixar de contemplar e de admirar o mais belo monumento erigido aos sofredores das guerras. O magnetismo continua e é despertado sempre que me confronto com estes memoriais onde estão registados os nomes dos que tombaram na Flandres cujas planícies se atapetam, todos os anos, de um extenso mar de papoilas vermelhas como que a recordar o sangue dos que lá morreram.
A arca da memória, cada dia que passa, abre-se com mais facilidade. As chaves podem ser uma papoila vermelha, frágil e bela, uma voz do passado mesclada de ruído a enaltecer o amor de uma mulher ou uma notícia de resgate de dois corpos de soldados portugueses feito por um autarca de uma freguesia de Tondela em Moçambique.
Ir buscar os ossos dos que ficaram em África é uma questão de honra e de respeito para com os combatentes e para com todos os portugueses. Não é só a forma indigna do estado das sepulturas, voltadas ao desprezo, mas a necessidade de os restos mortais repousarem no nosso país. Respeitar os mortos é dignificar os vivos. Que regressem os ossos dos soldados e que sejam entregues aos familiares ou, então, coloquem-nos juntos dos ossos de muitas das suas mães que choraram nos seus ombros quando foram para a guerra...

3 comentários:

lusitânea disse...

Os verdadeiros Portugueses só podem pensar assim.

Wotan disse...

Tocantes as suas palavras. Tenho a percepção de que é esse o sentimento de todos os portugueses...ou melhor, de quase todos, pois quem tem responsabilidades politicas faz tudo o que é possível para ignorar esse dever Nacional que é respeitar e honrar os seus mortos em combate.
Relativamente à questão central da sua intervenção, penso que, mais do que promover o repatriamento dos restos mortais dos militares portugueses, importa garantir a dignidade e tratamento dos locais onde estão sepultados, onde quer que eles se encontrem, pois qualquer das soluções viável e digna.

Lura do Grilo disse...

Sou exactamente da mesma opinião. Fiquei sensibilizado com esforços que têm sido feitos neste sentido. Cada resto mortal do português caído em combate pela sua pátria deve voltar à terra que o viu nascer. E como vimos a sua acção adiou uma mortandade de mais de 1milhão de almas. O que veio a seguir deixou os povos africanos à mingua e sob ditaduras cruéis.
Morreu muito soldado em África - e isto é muito e bem lembrado- mas os mais de 12000 que morreram, em 2horas apenas, na batalha de Lalys são raramente recordados e muito menos quem os mandou para uma guerra que, essa sim, não era nossa.