Número total de visualizações de páginas

sábado, 19 de dezembro de 2009

Afinal quem é que tem razão?

O governo anunciou esta semana a abertura de um novo curso de medicina na Universidade de Aveiro no ano lectivo 2011/2012, tendo o Ministro do Ensino Superior afirmado que "o reforço do ensino de medicina em Portugal, em quantidade e em qualidade", está nas prioridades do governo (a edição do Expresso de hoje publica um artigo sobre este assunto; não consegui fazer o link; as minhas desculpas).
Mas mal a medida tinha sido anunciada e logo a classe médica veio a terreno dizer que não há falta de médicos e que estamos a formar médicos que irão engrossar o desemprego.
Há aqui, como sempre houve, qualquer coisa que não bate certo. A realidade mostra-nos, de há muitos anos a esta parte, que há falta de médicos. De acordo com um estudo recente da DECO há 700.000 portugueses sem médico família e a própria Ministra da Saúde já reconheceu que há falta de médicos nas especialidades de urologia, obstetrícia, pediatria e anestesia. E outras, por certo, haverá. Todos conhecemos casos próximos que confirmam estas situações.
Como se tudo isto não bastasse, há filas de espera gravosas para consultas, cirurgias e tratamentos oncológicos, denunciadas em vários relatórios de entidades ligadas à Saúde. São verdadeiras manchas negras do SNS. Um flagelo que ainda não fomos capazes de debelar. A verdade é que há muitas pessoas que continuam a morrer de cancro à espera de uma cirurgia.
Mas ao mesmo tempo que se anunciam novos cursos de medicina há estudantes portugueses que por não terem vaga nas universidades vão fazer o curso de medicina no estrangeiro. Em simultâneo, o Ministério da Saúde procura médicos estrangeiros para virem suprir as necessidades do SNS.
Governos e médicos não se entendem. Não é de agora! Mas afinal quem é que tem razão? E afinal quais são realmente as necessidades presentes e futuras?
A falta de profissionais de saúde é mais um daqueles problemas que se prendem com a falta de planeamento de médio e longo prazo, exercício a que não damos a necessária atenção.
Falhamos, também, porque não planeamos. Não prevemos e não desenvolvemos políticas inter-temporalmente coerentes e sustentáveis.
A falta de planeamento é um défice que há muito está diagnosticado. É um erro histórico em muitos domínios que é importante corrigir.
Informar com rigor e transparência o País sobre as reais necessidades, os objectivos e o programa de medidas políticas para resolver os problemas e dar sustentabilidade ao SNS e ao sistema de saúde em geral deveria ser uma preocupação dos governos.
Continuar por um caminho de agora avança, para depois parar, recuar ou mudar de direcção não nos pode deixar sossegados e não pode, como parece ser óbvio, dar bom resultado. Afinal, em que é que ficamos?

13 comentários:

Eduardo Freitas disse...

Não cesso de me espantar com a repetida incapacidade do Estado em agir, atempadamente, para prevenir efeitos facilmente previsíveis. O caso da formação de médicos é um exemplo evidente, como é o caso, a que Cavaco Silva frequentemente alude, da evolução da natalidade e suas dramáticas implicações.

Por que razão será que o Estado intervém, de forma voluntarista e dirigista, em áreas do domínio económico, relativamente às quais é impossível fazer previsões consistentes a médio/longo prazos e não faz o que lhe cabe fazer e é fácil fazer? Mistério insondável!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Eduardo F.
Lembra muitíssimo bem o problema da natalidade, tema sobre o qual tenho, aliás, escrito por várias vezes aqui no 4R, a última aqui:
http://quartarepublica.blogspot.com/2009/10/teimosia.html#comments

Tonibler disse...

É irrelevante se existem médicos a mais ou menos, ninguém questiona se há pedopsiquitras curativos a mais. O que interessa é que os cidadãos tenham acesso a este tipo de educação, as necessidades do mercado farão o resto.

Macaco Zarolho disse...

O que interessa é criar universidades de qualidade que possam competir no panorama internacional. Se as universidades portuguesas apenas existem para formar cidadãos nacionais nunca deixarão de ser um buraco negro e sugador de dinheiro público.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Macaco Zarolho
Mas acha que o problema da falha de planeamento e de regulação eficientes do sistema de saúde se resolve com a criação de "universidades de qualidade que possam competir no panorama internacional"? Em que medida?

Macaco Zarolho disse...

Acho que não se resolve de todo e não percebo a ligação entre os dois mundos. Podemos ter mil médicos mas se não forem correctamente geridos nada farão. A minha resposta prendia-se mais com a política nacional de educação superior e menos com a idea de um sistema nacional de saúde. Contudo em ambos os casos tem faltado uma clara visão estratégica (talvez com a excepção do periodo Correia de Campos). Em muitos casos parece-se acreditar no milagre do número: mais médicos, mais dinheiro, mais, mais, mais. Sem se proceder a uma reavaliação do problema e sem se traçar um plano nacional.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Macaco Zarolho
Obrigada pelo esclarecimento. Concordo consigo relativamente à falta de visão estratégica. Planear implica saber que caminho é que se quer fazer e depois é preciso que as políticas sejam inter-temporalmente consistentes.
E há também problemas sérios de gestão.

jotaC disse...

Cara Dra. Margarida Aguiar:

Há três anos a esta parte mudei de residência das vezes e posso garantir que em dois postos médicos de freguesias diferentes não encontrei médico de família disponível. E não estou a falar do Portugal profundo…
Parece haver nesta área, desde sempre, interesses obscuros da parte da classe que levam os sucessivos governos a alinharem, de certo modo em cumplicidade, com políticas restritivas de formação de médicos, dando origem à carência actual destes profissionais.

Talvez o caro tonibler tenha razão quando diz: “o que interessa é que os cidadãos tenham acesso a este tipo de educação, as necessidades do mercado farão o resto.”

Bartolomeu disse...

O serviço de saúde pública, português, enferma, como a Drª Margarida refere, de grave falta de planeamento e ainda, ou, mais ainda de grave falta de entendimento entre governo e médicos, ou e, entre governo e administrações hospitalares.
O planeamento e a gestão, a criação de condições de trabalho e de atendimento, a valorização do trabalho e a regulamentação do mesmo, são mediadas que a meu ver, se tornam cada vez mais, imperativas.
Quando a Senhora ministra refere a falta de médicos nas espacialidades, acredito que o faça com base em relatóris e em estudos sérios e inequívocos.
Sendo assim, não temos dúvidas que é necessário colmatar essas falhas com a formação de novos técnicos.
Sabemos contudo, pelas casos notíciados que nos hospitais se encontram médicos somente a preencher um horário, enquanto filas intermináveis de doentes aguardam para ser atendidos, criando a imágem de um serviço de saúde obsuleto e inoperante.
Será que o facto de os serviços privados de saúde ofereceram aos profissionais, condições de trabalho e consequente grau de exigência, estimula os médicos nesses serviços e a ausência dessas condições no serviço público, é causa de desânimo e desmotivação?
Será que as contrariedades e desmandos, e as incoerências ditatoriais do governo, tornam impotentes os administradores dos hospitais públicos, reme tendo-os para a resiganção e o baixar de braços, inimigo da eficiência e do desejo de poder fazer melhor?

Macaco Zarolho disse...

Caro JotaC e Bartolomeu,

Embora tenha notado no meu comentário a falta de visão estratégica no serviço nacional de saúde não quis de todo referir que o mesmo 'enferma' pois não acredito que esse seja o caso. Acho que, como disse anteriormente, falta uma visão estratégica que crie uma identidade coerente no SNS. Há muito ainda por fazer mas também muito se fez.


Quanto à idea de um mercado liberal apontada por Eduardo F. Acredito que solução de deixar a saúde nas mãos do mercado não é solução. Essa opção apenas aumentaria o nível das desigualdades sociais no acesso aos bens de saúde. Tendo contudo dito isto, parece-me que há muito espaço para o sector privado cohabitar com o sector público. Mais, se um grupo de cidadão não está satisfeito com os serviços oferecidos numa determinada área, nada os impede usar um sentido empreendedor e criar o que acham necessário.

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Oferta a menos, renda a mais!

É a lógica de uma certa elite renitente à distribuição do rendimento e das mordomias!

Médicos de família em Lisboa! não há! Pelo menos para os meus familiares mais próximos. Seuis horas para um atendimento num hospital? Não há! Mesmo para quem foge de médicos como o diabo da cruz e lá só vai parar quando na horizontal.Entrada em medicina por vocação? Não há! Tiveram de ir para o Brasil, por vocação!

Afinal quem quer manter o elitismo da medicina em contraponto de outras profissões, profissões sem responsabilidade humana, dirão os médicos (alguns!), mesmo contra a lógica das múltiplas (e bem!) faculdades de enfermagem?

Ou será apenas uma questão do mais bacoco e conservador corporativismo?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro jotaC e Caro Bartolomeu
Todos nós conhecemos no terreno situações que comprovam a falta de médicos, as filas de espera, a desorganização do atendimento e por aí fora.
Mas fico espantada com os números, quando no citado artigo do Expresso é noticiado que temos um rácio de médicos por 1.000 habitantes (3,5) superior à média da OCDE!
Caro (c) maioria silenciosa: P.A.S.
Há claramente um desequilíbrio entre a procura e a oferta.

Suzana Toscano disse...

Tem razão, Margarida, este é um dos mistérios nacionais, se vamos às médias, estamos melhor que a OCDE, se vamos à realidade da vida, ficamos a milhas de distância. A realidade todos conhecemos, os melhores alunos não entram em medicina, alguns vão tirar o curso fora, muitos vão para cursos que não desejavam. Formar um bom médico não é só abrir a possibilidade de ir para a faculdade, é preciso que depois sejam acolhidos por profissionais competentes na formação hospitalar, que as equipas estejam preparadas para estes jovens e que isso aconteça pelo país fora e não só em Lisboa e no Porto. Conheço um especialista muito qualificado que optou por ir para fora de Lisboa dirigir uma unidade novinha em folha. Não tem enfermeiros, só há um anestesista, tem que mandar os doentes para Lisboa quando os casos são mais demorados na recuperação. Estive com uma médica obstetra que se reformou aos 60 anos, farta das condições de trabalho num importante hospital da periferia. Quis continuar a trabalhar com menos carga horária e sem responsabilidades de direcção,´mas é agora proibido aos reformados trabalhar no Estado. Foi contratada por uma empresa que presta serviços aos hospitais e um dos serviços é precisamente o de ...serviços clínicos, ou seja, o hospital paga à empresa, que lhe paga a ela e a outros, gastando muito mais. Falei com uma médica, excelente profissional, da área do cancro, tem 59 anos e mesmo em férias não pode abandonar o serviço porque de uma equipa de 10 profissionais passaram a 5 em menos de 5 anos. Os que sairam estão a trabalhar nos novos hospitais privados. Não sei se há falta de médicos, se há falta de organização, se há falta de estratégia, mas sei, e sentimos todos, que há qualquer coisa de muito errado nisto tudo, e não será só falta de dinheiro para pagar a quem tem o direito de ser remunerado por um trabalho tão exigente, com tão longa formação inicial e com um trabalho permanente de actualização ao longo da vida. Um bom médico, que trata e se dedica aos seus doentes e á sua profissão, sem distinguir meios sociais ou económicos, é um herói.Felizmente ainda vamos tendo muitos, talvez por isso se leve tanto tempo a olhar os problemas a sério.