As notícias que nos vão chegando do Afeganistão não dão para perceber bem o que lá se passa.
Sabemos que se encontra instalada nesse País uma força multinacional, cumprindo um mandato das Nações Unidas e também da NATO para manter a paz e a ordem como forma de prevenção contra ataques terroristas, da qual faz parte um contingente militar português de cerca de duas centenas de membros.
Também sabemos que a defesa da paz e da ordem neste caso significam a luta contra um inimigo estranho, os Taliban, com ligações conhecidas à Al Qaeda.
Os Taliban dominaram aquele País desde o fim da ocupação soviética (1996) até 2001/2, tendo praticado uma política que não poucas vezes chocou o Ocidente por decisões que atentavam contra elementares valores civilizacionais - tais como a destruição de monumentos históricos e a execução pública de mulheres como forma de punição pela prática de adultério.
Por isso (embora não apenas) a campanha militar no Afeganistão é vista no Ocidente como necessária, em contraste, por exemplo, com a que decorre no Iraque.
No entanto, sabemos pouco do que se passa no Afeganistão, para além das notícias que de quando em vez – mais nos últimos meses, infelizmente – dão conta da morte de soldados da força internacional e de cidadãos afegãos apanhados em acções militares.
Para melhor perceber o que se passa no Afeganistão, bem como a missão da força multinacional, recomendo aos “clientes” do 4R a leitura de uma magnífica reportagem publicada na revista New Yorker, da semana 9-16 de Julho, intitulada “The Taliban’s opium war”.
Dessa reportagem se retira a noção da extrema dificuldade da missão da força multinacional para conseguir uma solução estável e duradoura para o País.
A economia do Afeganistão depende muito da produção do ópio (base da produção da heroína), que representa mais de 50% do PIB do País.
O regime dos Taliban tinha proibido a produção de ópio, impondo penas severas aos prevaricadores, não raro a pena de morte. Talvez essa tenha sido uma das razões da facilidade com que foram derrotados pela força anglo-americana em 2001/2002.
Desde então a produção de ópio aumentou significativamente, existindo actualmente perto de 200.000 hectares dedicados ao cultivo da planta.
O problema é que a força multinacional pretende também acabar com esta produção, para o que foi criada uma Afghan Eradication Force (AEF) que, juntamente com elementos americanos especializados tem vindo a destruir plantações como forma de dissuasão.
Os Taliban, esquecendo as suas convicções religiosas, oferecem agora protecção aos produtores e negociantes da droga, em troca do pagamento de um imposto do ópio – o negócio é bom para ambas as partes.
Acresce que muitos protegidos do regime de Cabul beneficiam da complacência do Governo/ força multinacional para manterem a produção de ópio, criando dificuldades à acção da AEF.
Um puzzle estranho, que torna muito incerto o futuro do País e também o cumprimento dos objectivos da força multinacional.
10 comentários:
Sém duvida que a plantação de ópio foi um problema colateral que aparecem com a queda do horripilento regime taliban. A solução para o problema é dificil. O fim do mesmo traria consigo ainda mais miséria e terminaria, certamente num reacender da guerra no afeganistão mas desta vez a população estaria virada contra as forças internaconais. É um problema que so pode ser resolvido de forma estável no longo prazo, através da educação das populações. Até então poderão captar o investimento fabril que requer mão -de - obra pouco qualificada e barata. Sem duvida que não é tarefa fácil, contudo também não é nada que seja impossível do lobby americano pôr em prática.
em jeito de nota final, atrevo-me a dizer que Bush tem analogias com Marques Mendes. Não me refiro à sua estatura, mas sempre que abre a boca consegue piorar o panorama. Hehehe. Esperemos então que ambos permanecem calados.
saudações repúblicans
Caro André Algarvio,
Comentário interessante, sem dúvida.
O tema Afeganistão pode nesta altura parecer um pouco esotérico -estão muito longe, lá no meio das montanhas, dão para lá uns tiros, aleijam-se uns quantos ou morrem mesmo algumas dezenas de militares da força multinacional - mas ninguém se preocupa verdadeiramente.
Só que se a situação não puder ser dominada e encontrado um modo de vida para os afegãos que seja alternativo da cultura do ópio - e isso é uma tarefa quase impossível - mais tarde ou mais cedo vamos todos ter de nos incomodar e muito com o Afeganistão.
Quanto à comparação de G. W. Bush a Luís M. Mendes, julgo poder concluir que André Algarvio (se ligado ao PSD como me parece) já terá feito a sua opção no aceso debate interno pela liderança que vai animando essa agremiação recreativa...
Antes do país ter sido arruinado por mais de 20 anos de guerra e seca as principais produções eram Lápis-lazúli, esmeraldas, fio cirúrgico, gás natural, algodão, seda e tapetes. Infelizmente o Afeganistão viu-se envolvido no braço de ferro, durante a guerra fria, entre as duas potências. Aliás, diga-se em abono da verdade, que os diabolizados taliban ganharam muito em treino, técnicas e meios com os estados unidos quando foram úteis na oposição ao exército soviético a partir de 1979.
A produção agrícola quase desapareceu. A vinha, a batata, a cana-de-açúcar, milho arroz, algodão e frutas, que desempenhavam um papel importante na economia local passaram a ser importados, desequilibrando ainda mais a balança comercial e agravando a dívida externa. Com o fim destas actividades, desapareceu a pouca indústria transformadora que elas tinham propiciado.
A exploração mineira não existe num país rico em jazidas de ferro, carvão e cobre, chumbo, zinco, estanho, tungsténio. Outras das riquezas conhecidas é o gás natural, cuja reserva existente foi avaliada pelo banco mundial em 1998, em 120 biliões de m3.
O narcotráfico e a produção de opiáceas tornaram-se a grande fonte de rendimento dos grupos que disputam o território afegão. A Aliança do Norte, que governa com o apoio militar e politico dos EUA, é responsável pelo controlo de 20% da produção de ópio, apesar de controlar apenas 10% do território nacional. O Afeganistão é responsável por mais de 75% da produção mundial. Estes dados são do Observatório Geopolítico das Drogas (OGD). O preço do quilo do ópio disparou depois dos atentados de 11 de Setembro, era de 44 USD em 2000, sendo hoje cerca de 746 USD.
A intervenção militar internacional só veio agudizar a situação existente num país, em estado permanente de guerra, sem governo, o que existe só o é formalmente, porque não dispõe de uma estrutura que gira efectivamente. O território está balcanizado entre vários grupos e milícias que se financiam através do comércio do ópio e que disputam entre si o alargamento das áreas de influência. O clima generalizado, levou ainda, a uma espécie de economia de guerra que tornou lícita a exploração do narcotráfico pelas facções que culturalmente o reprimiam, como os taliban.
Desta situação é directamente responsável a intervenção internacional, impulsionada pelos EUA no seu combate ao terrorismo. Ela mais não fez do que desagregar por completo económica, social e organizativamente o estado afegão, criando as condições propícias à tomada do país pelas redes organizadas de narcotráfico internacional. Não se perspectiva para breve uma solução para este conflito. Militarmente está perdido, sendo que a saída passaria por um forte investimento na edificação de uma nova economia assente nas potencialidades locais, para tal é fundamental a paz. E essa está cada vez mais distante e é cada vez menos desejada por quem lucra com o actual estado da arte.
Bruno Simão
Caro Tavares Moreira, boa tarde!
Antes de mais, agradeço-lhe a indicação do artigo do New Yorker, que já li, e é tão interessante quanto intrigante, como, aliás, o meu Amigo refere.
O problema da droga, que felizmente nunca me bateu à porta, mas ninguém está livre de surpresas, é daqueles que, de vez em quando me ocorrem quando tento perceber algumas contradições da economia.
Os relatórios da ONU vêm dando conta da dimensão e da evolução do negócio a nível mundial. Fiquei verdadeiramente surpreendido quandon li, no relatório do PNUD 2000, que "O comércio ilegal de droga, em 1995, foi estimado em 400 mil milhões de dólares, cerca de 8% do comércio mundial, mais do que a parcela de ferro e aço ou de veículos motorizados e aproximadamente o mesmo que a dos têxteis (7,5%) e do gás e petróleo (8,6%). Desde então o negócio não deve ter perdido a sua importância relativa, ainda segundo os relatórios especializados da ONU.
Um dia ocorreu-me começar a colocar aos meus amigos, se a ocasião se propiciava, a seguinte questão: Se te fosse dada uma varinha mágica que, de um momento para o outro, terminasse com o consumo de droga, o que farias?
A pergunta, à primeira vista, é bizarra e nem sequer sei se é original. A mim nunca me tinha sido colocada.
Os meus amigos, geralmente, acabam por concordar que talvez deixassem a vara mágica de lado até estudarem melhor o assunto.
Este seu "post" só contribui, perdoe-me a imodéstia, para reforçar a pertinência daquilo que nas minhas palavras cruzadas tenho escrito sob a interrogação:
E SE, DE REPENTE, ACABASSE A DROGA?
Quanto à presença de tropas portuguesas no Afeganistão é matéria que suscita (deveria suscitar) algum debate político que, ao que parece, os principais evitam.
É matéria que se inclui num desafio que coloquei ao Pinho Cardão aí no "post" em baixo.
Caro Câmara e Sousa,
Importante seu contributo para a discussão deste tema.
Permita-me no entanto que coloque reservas (sérias) a parte da sua explicação, quando refere "Desta situação é directamente responsável a intervenção internacional,impulsionada pelos EUA no seu combate ao terrorismo.
Ela mais não fez do que desagregar por completo economica, social e organizativamente o estado afegão, criando as condições propícias à tomada do país pelas redes organizadas...".
Parace-me, salvo melhor opinião, que dizer isto é equivalente a sustentar que o estado afegão, sob o regime taliban, constituia uma organização com mérito, justificando a sua manutenção?
Se sim, não posso de forma alguma concordar.
O regime talibã, ainda que estruturando e organizando um estado, capaz entre outras coisas de banir os narco-traficantes, representava um retrocesso civilizacional horrendo.
Caro Rui Fonseca,
A questão do combate mais eficaz à droga está em aberto.
É inquestionável que as proibições impostas ao consumo e ao tráfico tornam este negócio altamente rentável desde o produtor até ao final da cadeia de distribuição.
Será que a liberalização total, acompanhada de formas de controlo em tempo real seria susceptível de acabar com ou reduzir significativamente este negócio extremamente imoral?
No limite contribuindo para acabar com o negócio?
Ainda em relação ao Afeganistão, tenho a percepção de que a única saída neste momento disponível para extinguir a influência dos taliban e dar algum sentido útil à intervenção internacional será contemporizar com a produção do ópio.
Uma vez assegurada, de forma definitiva, a erradicação dos taliban - o que pode exigir entre 3 a 5 anos, por hipótese - haveria então condições para lançar as bases de uma nova economia, que progressiva mas eficazmente fosse substituindo a cultura do ópio.
Fazer tudo ao mesmo tempo parece-me impraticável e é susceptível de conduzir (no mesmo prazo de 3 a 5 anos, se não mesmo antes) a um beco sem saída, com consequências muito nefastas para a comunidade internacional.
“O regime talibã, ainda que estruturando e organizando um estado, capaz entre outras coisas de banir os narco-traficantes, representava um retrocesso civilizacional horrendo.”
È óbvio que o regime Taliban no Afeganistão era um regime com o qual não me identifico, cujos valores não são os meus pessoais e nem se sequer se aproxima do contexto civilizacional que partilhamos. Creio bem que quando fala de retrocesso civilizacional, utiliza em primeiro lugar um conceito de progresso/retrocesso bastante indexado do ponto de vista cultural, quando escreve civilizacional o faz por referência ao nosso ambiente civilizacional com tudo o que ele contém de património e história.
Mesmo assim o resultado da intervenção norte-americana ainda distanciou mais o Afeganistão desse modelo. Mas mais, acreditando eu que os modelos civilizacionais não devem ser impostos, muito menos o devem ser com o recurso à beligerância, (existem modos mais justos e lícitos de influenciar cultural e civilizacionalmente um povo, mediante a cooperação económica, cultural, etc, ou/e através da diplomacia. Métodos estes bem mais consonantes com os nossos valores civilizacionais), no caso do Afeganistão afastámo-nos quer do progresso (conceito bastante ocidental), quer da paz que é condição base para todos os progressos, carecendo ainda de prova que existiu eficácia no combate efectivo ao terrorismo, e ainda agravámos o problema central que preside à troca destes textos, as condições favoráveis para o narcotráfico melhoraram.
Para mim, o saldo é francamente negativo. Não me move qualquer tipo de anti-americanismo de base. Mas considero que as recentes opções da politica externa americana revelam uma profunda inaptidão no que respeita ao legitimo combate ao terror, sendo o Afeganistão e o Iraque dois bons exemplos do que não se deve fazer.
Bruno Simão
Nota: desculpe eu no comentário anterior não ter assinado o meu nome. Câmara e Sousa é bricadeira de blogoesfera, mas como fiz o registo a partir do meu blogue aparece sempre essa identificação.
Caro Bruno Simão,
Tenho por hábito respeitar as opiniões divergentes da minha.
Por isso não vou insistir no ponto da nossa discordância, que a final nem será assim tão profunda.
Resta a questão porventura mais importante e actual: como sair daqui?
Para mim, como referi no último comentário, uma saída que salvaguarde os objectivos essenciais da intervenção implica contemporizar em relação à produção de ópio, numa 1ª fase, seguida de um programa de apoio a culturas alternativas, numa 2ª.
Se assim não for - e acreditar no testemunho do reporter da New Yorker - a intervençaõ corre o risco de se ternizar, com um nº crescente de vítimas de ambos os lados.
Será um fracasso total e abrirá as portas de novo aos taliban, por mais absurdo que isso possa parecer.
De facto não é produtivo dissecar o mal feito para além do estritamente necessário para ele se constitua com experiência profilática. O Afeganistão foi o laboratório de um novo conceito de guerra, a “preventiva”, e já temos o resultado da experiência. Que nos coloca o a questão que formulou, “Como sair daqui?” Essa é sem dúvida a questão que nos deve ocupar.
De forma directa, importava alterar a direcção política do processo em curso, mesmo na sua dimensão militar aumentando o protagonismo das Nações Unidas e da União Europeia. Este é para mim o vector fundamental de uma nova abordagem. Nem sempre quem faz a guerra consegue desempenhar o papel de construtor da paz, e sendo a guerra um desastre, bem menos isso é possível.
Contemporizar com a produção do ópio numa primeira fase nem sequer me parece uma escolha consciente, na medida em que já se percebeu ser impossível contrariá-la no actual contexto político-miliar no terreno. Porém, contemporizar com a produção do ópio significará, creio bem, reforçar as posições daqueles que jamais terão interesse em pacificar o Afeganistão. Os proveitos fáceis deste negócio viciam mais que o pr´pprio produto. Logo, a segunda fase deve ir-se implementando na medida em que existam condições de estabilidade militar e política, numa perspectiva progressiva, como pequenos passos, bem menores seguramente que o que desejamos, e desgraçadamente as operações militares têm um papel a desempenhar.
Os proveitos do ópio são hoje parte importante da subsistência das populações afegãs, mas ao mesmo tempo são a causa da disputa entre facções. Pelo seu cultivo, as populações recebem não só rendimento, como, não menos importante, protecção. A segunda fase, tem de garantir esses dois aspectos fundamentais, na medida em que a reconversão será seguramente contrariada pelos verdadeiros beneficiários do negócio.
Em simultâneo a comunidade internacional, deve ir procurando, sem sobrancerias culturais, criar um modelo alternativo de consolidação institucional para o inexistente estado afegão. Esse modelo, sendo tão democrático quanto possível, ficará sempre aquém das nossas realidades e desejos ocidentais, sendo o exercício do possível. Não esquecendo que o território afegão é um mosaico de etnias bem distintas, cujo equilíbrio e mutuo respeitos será necessário preservar, impor-se-á para que haja sucesso, que se restabeleçam estruturas tradicionais de organização, mais facilmente aceites pela cultura local. Assim como desempenhará um papel decisivo o esforço de formar novas elites nacionais, sejam elas políticas, culturais, económicas e até religiosas. Condição primeira para uma aproximação a um estado e uma sociedade funcionais.
Bruno Simão
E aqui estamos, Bruno Simão, quase a convergir na opinião quanto ao que háa a fazer para que o Afeganistão não venha a transformar-se num atoleiro para as forças multinacionais.
É claro que se trata de uma tarefa imensamente difícil e prenhe de riscos, mas será ainda mais difícil se se oferecem trunfos ao inimigo como sucede actualmente.
e enerante todos os comentaraios edeas postas ,mas devemos ver de forma diferenti ,pois o proprio povo nao quer mudança , se matan entre si . se tivesse pelo menos un que nao queresse esti movimento bellico opio militar esccravagista relgioso ai, sim poderiamos salvar .mas nao. que qui no temos con isso , quren ssi matar que se maten.
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