A propósito do Dia Internacional do Idoso, o Massano Cardoso contou aqui uma história de incrível solidão e abandono de um casal de idosos.
Uma das coisas que me impressionou em Amsterdão foi ver poucos velhos nas ruas e nos bairros por onde andei. Os que vi eram saudáveis, a fazer turismo ou a andar de bicicleta, se há envelhecimento geracional não se dá por isso assim à vista desarmada. Além disso, em muitos bairros as casas não têm elevador e as escadas são um verdadeiro desafio à nossa vidinha sedentária, íngremes e estreitas, várias vezes pensei em desistir de trepar até ao andar de destino, sobretudo com os sacos das compras a arrastar pelos degraus acima.
Quando perguntei onde é que moravam as pessoas já de idade, disseram muito naturalmente que era nas “houses for old people”, onde tinham convívio com outras pessoas e onde eram acompanhados e apoiados em tudo o que precisavam. Também me explicaram que são os próprios que, chegada a fase certa da vida, preparam a mudança, escolhem o sítio e se instalam no seu novo lar. Essas pessoas não precisam de viver no meio do bulício, por isso são locais mais afastados do centro, com espaços verdes e tranquilidade.
Não sei se será exactamente assim, mas o holandês que me explicou isso fê-lo com toda a naturalidade, um pouco espantado até com o meu ar intrigado, como se pudesse haver alguma solução mais natural do que esta!
A verdade é que, com a mesma naturalidade, os holandeses contam que os filhos saiam de casa aos dezoito anos, comecem a trabalhar para viver sozinhos (o Estado paga uma bolsa aos estudantes que têm aproveitamento) e apareçam de vez em quando a dar notícias, e o quarto respectivo é logo transformado numa salinha ou coisa parecida, mas que deixa de ser o quarto dos filhos, isso deixa.
É verdade que tudo parece funcionar muito bem e as pessoas não se sentem infelizes. Mas também é verdade que são culturas profundamente diferentes, da mesma maneira que eu não me conformo com a saída de casa das minhas filhas, resisto a mudar os quartos, a tirar as roupas enfim, a dar como irreversível a desejável independência, do mesmo modo não nos preparamos para a velhice, continuamos a contar com o compromisso afectivo, ou moral, para nos apoiarmos no futuro. As relações de interdependência familiar – e de apego às coisas que sempre nos rodearam - são ainda entre nós muito alimentadas, mesmo quando começa a tornar-se evidente que a vida mudou, que temos que ser práticos e aceitar que já não há filhas solteiras que ficam destinadas a tratar dos pais até eles morrerem, nem vizinhos de uma vida, nem bairros humanizados com comércio local. Entre os apartamentos de luxo para a 3ª idade e os “lares para idosos”, há um espaço imenso a ocupar, para evitar a infelicidade no fim da vida, mas isso também obriga a uma alteração da mentalidade. Em relação aos novos já vamos mudando, que remédio!, mas no que toca à velhice ainda há um longo caminho a percorrer até podermos olhar com serenidade e confiança a expectativa de uma longa vida. Assim como se educam os filhos para a globalização, a adaptabilidade e a mobilidade, também temos que nos educar a nós para os reflexos dessas mudanças. Não são só os jovens que têm que estar preparados.
Uma das coisas que me impressionou em Amsterdão foi ver poucos velhos nas ruas e nos bairros por onde andei. Os que vi eram saudáveis, a fazer turismo ou a andar de bicicleta, se há envelhecimento geracional não se dá por isso assim à vista desarmada. Além disso, em muitos bairros as casas não têm elevador e as escadas são um verdadeiro desafio à nossa vidinha sedentária, íngremes e estreitas, várias vezes pensei em desistir de trepar até ao andar de destino, sobretudo com os sacos das compras a arrastar pelos degraus acima.
Quando perguntei onde é que moravam as pessoas já de idade, disseram muito naturalmente que era nas “houses for old people”, onde tinham convívio com outras pessoas e onde eram acompanhados e apoiados em tudo o que precisavam. Também me explicaram que são os próprios que, chegada a fase certa da vida, preparam a mudança, escolhem o sítio e se instalam no seu novo lar. Essas pessoas não precisam de viver no meio do bulício, por isso são locais mais afastados do centro, com espaços verdes e tranquilidade.
Não sei se será exactamente assim, mas o holandês que me explicou isso fê-lo com toda a naturalidade, um pouco espantado até com o meu ar intrigado, como se pudesse haver alguma solução mais natural do que esta!
A verdade é que, com a mesma naturalidade, os holandeses contam que os filhos saiam de casa aos dezoito anos, comecem a trabalhar para viver sozinhos (o Estado paga uma bolsa aos estudantes que têm aproveitamento) e apareçam de vez em quando a dar notícias, e o quarto respectivo é logo transformado numa salinha ou coisa parecida, mas que deixa de ser o quarto dos filhos, isso deixa.
É verdade que tudo parece funcionar muito bem e as pessoas não se sentem infelizes. Mas também é verdade que são culturas profundamente diferentes, da mesma maneira que eu não me conformo com a saída de casa das minhas filhas, resisto a mudar os quartos, a tirar as roupas enfim, a dar como irreversível a desejável independência, do mesmo modo não nos preparamos para a velhice, continuamos a contar com o compromisso afectivo, ou moral, para nos apoiarmos no futuro. As relações de interdependência familiar – e de apego às coisas que sempre nos rodearam - são ainda entre nós muito alimentadas, mesmo quando começa a tornar-se evidente que a vida mudou, que temos que ser práticos e aceitar que já não há filhas solteiras que ficam destinadas a tratar dos pais até eles morrerem, nem vizinhos de uma vida, nem bairros humanizados com comércio local. Entre os apartamentos de luxo para a 3ª idade e os “lares para idosos”, há um espaço imenso a ocupar, para evitar a infelicidade no fim da vida, mas isso também obriga a uma alteração da mentalidade. Em relação aos novos já vamos mudando, que remédio!, mas no que toca à velhice ainda há um longo caminho a percorrer até podermos olhar com serenidade e confiança a expectativa de uma longa vida. Assim como se educam os filhos para a globalização, a adaptabilidade e a mobilidade, também temos que nos educar a nós para os reflexos dessas mudanças. Não são só os jovens que têm que estar preparados.
7 comentários:
Este seu post, cara Suzana, não admite comentários.
Pela coerência humanística, objectividade e ponderação reflexiva, ele é em si mesmo texto e comentários.
Excelente prespectiva, cara Suzana.
Drª Suzana Toscano,
Este tema que aqui nos trás, no seguimento do post do Professor MC, ajuda-nos a reflectir sobre a “nossa” etapa seguinte.
A forma como os holandeses encaram a velhice, penso ser, o exemplo a seguir. Devemos, de forma consciente, preparar-nos para a ela, interiorizando, a necessidade de a passarmos acompanhados, como seres sociais que somos.
Este tempo que corre, exige-nos dedicação, quase exclusiva, ao nosso trabalho, a obrigações sociais, e a "obrigações", também, de lazer, que não devemos prescindir; E, se estamos a viver - esta nossa vida mais activa com parâmetros que a nós próprios impusemos-, é justo reconhecer o direito aos nossos familiares de a viverem, também, da forma que entenderem, não sendo nós, de forma alguma, um empecilho.
Apraz-me regitar, justamente, por ser um motivo meu de reflexão, que pelo país vão abrindo algumas instalações bastante condignas, onde as pessoas são bem tratadas e acompanhadas com muita solidariedade e humanismo.
Acabo de ler uma pertinentíssima reflexão. Nada como viajar para conhecer o modo como certos problemas são diferentemente enfrentados.
No Brasil, as duas coisas tendem a sobreviver - o compromisso afectivo e a independência. Como?
Com imaginação.
Caro Joshua,
Vou procurar informação sobre o modo como os brasileiros "gerem" esta relação.
Obrigado.
Suzana
Portugal e Holanda, dois países que certamente lembram o Dia Internacional do Idoso com mentalidades diferentes. Ambos certamente com a preocupação de que os seus idosos tenham qualidade de vida e sejam felizes.
Mas do discurso à prática vai uma distância muito grande.
Em Portugal os nossos idosos são pobres, vivem com carências muito variadas, as respostas nos domínios da saúde e do apoio social não são suficientes e muitas delas de concepção e qualidade muito discutível. O isolamento é uma realidade. Na Holanda estes problemas estão resolvidos.
Julgo que será difícil que um idoso se sinta bem e feliz se vive com preocupações relativamente às coisas mais básicas.
Não há modelos óptimos e não há receitas milagrosas para a felicidade, mas há preocupações e respostas concretas que podem ser disponibilizadas para que os idosos não se sintam diminuídos na sua condição e possam viver a terceira e a quarta idades descansados.
Em Portugal os idosos têm razões para viverem angustiados e preocupados. Os mais novos não pensam nisso, mas se continuarmos sem boas respostas, vamos ter a mesma sorte dos nossos avós! É difícil fazermos, cada um de nós, esta previsão, preferindo não pensar no assunto. Quando lá chegarmos logo se vê! Uma mentalidade que não pode dar grande resultado, mas é a que temos e que determina muito daquilo que somos...
"Em Portugal os idosos têm razões para viverem angustiados e preocupados", diz a Margarida e eu estou completamente de acordo, como concordo também com todo o seu comentário. Tudo o que diz é verdade, são sociedades diferentes, na mentalidade, na estrutura e na riqueza mas isso não está em causa. Entre os muito ricos e os pobres que nem têm capacidade financeira para preparar a velhice, nem apoios para tal, como diz, há uma cada-vez-mais-fraca classe média, em Portugal que, apesar de tudo, não se prepara para viver com um mínimo de independência. ficam dependentes dos filhos, às vezes tendo até condições económicas razoáveis, ou bens com valor suficiente para os apoiar. Mas não, ficam sozinhos em casarões frios, ou em prédios vazios, não se relacionam com mais ninguém, deixam de guiar porque não têm onde ir...Era a isso que eu me referia, a uma enorme dificuldade em encarar a mudança da velhice, mesmo que se tenha alguns meios para isso. É essa também a mentalidade dos filhos, que não ajudam a decidir de modo diferente, há um desajustamento entre a realidade actual e o que era inevitável há uns anos. O facto de se viver em casa própria, também não facilita nada, mas não existem prédios "diferenciados", com apoios aos residentes, mesmo que não sejam cuidados médicos ou assistenciais.E são muito raros os que se dispõem a mudar de casa para viver mais perto dos filhos... É natural, acho eu, mas o problema que se cria é muito maior, como é cada vez maior a resistência para o resolver,à medida que a autonomia diminui.É a isto que me refiro no post, mas é claro que a pobreza da maioria dos idosos não se resolve com simples mudanças deste tipo.
Para além de todas as questões que a Cara Suzana e comentadores deixam expressas, existe ainda o problema da falta de objectivos.
Quero dizer com isto o seguinte:
Desde a passagem à adolescência que a vida da pessoa é regida por objectivos, inicialmente o dever escolar, depois o laboral e seguidamente e em simultâneo o familiar. Neste estágio de vida, em que se forma o casal, os projectos de vida ganham um cariz que exige de ambos um esforço maior para concretização dos desejos de qualidade de vida, para o agregado familiar. Após se completar o ciclo e os filhos se tornarem independentes, é comum os casais entrarem numa linha de declíneo no que respeita a objectivos. Passam assim a maioria das pessoas a arrastar-se, progressivamente no cumprimento das tarefas que ainda mantêem.
Tudo isto se verifica ainda, porque uma parte bastante razoável da nossa sociedade, não enraizou habitos culturais, tais como leitura, música, arte, visita a museus, espectáculos, ou até unicamente passeios, mesmo que somente a pé ou de biciclete. Habitos esses que os habitantes de muitos países europeus cultivam naturalmente, mesmo sem usufruírem do mesmo clima que temos o privilégio de possuir.
Sinceramente, eu nem ligo esta inacção para a preparação, ou vivência do período de vida idoso que a cara Suzana refere, com a incapacidade financeira, mas sim com as características sociais do nosso povo. Em países como a Holanda, que referiu, as pessoas vivem mais isoladas umas das outras no dia-a-dia, mas culturalmente, os objectivos são identicos e o acesso à cultura é feito de um modo mais geral e natural, ao passo que por cá, até ha bem pouco tempo, a cultura era vista como algo de acesso exclusivo à camada intelectual da nossa siciedade. Este é um preconceito social que não existe na maioria dos países europeus.
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