A revista Única do Expresso vai ser dedicada à gastronomia. O título, “Apetites”, convida a fazer algumas reflexões sobre gastronomia que alguns consideram uma “arte”. Se é ou não uma arte parece-me irrelevante. No entanto, não deixa de ser uma verdadeira mina de prazeres. E que prazeres! Dispararam acto contínuo dois flashes. A relação entre a “alimentação e a sexualidade”, os dois mais poderosos motores da espécie, sendo a alimentação ainda mais forte, porque é preciso algum sustento para a prática da outra, para não falar nas semelhanças das respectivas práticas. O outro flash reporta-se a uma frase de um escritor francês, cujo nome os meus neurónios já deixaram de reter, que afirmou algo do género: “O homem é o único animal que come sem ter fome, bebe sem ter sede e faz amor em todas as estações”. Face a estes “preliminares” não é difícil compreender que o homem procure, através do seu segundo “órgão sexual”, a língua com as suas inúmeras e diversas papilas gustativas, procurar sensações que provoquem a liberação de endorfinas cerebrais e outros mediadores que têm como missão provocar prazer. Não sei se existe ou não um “Kamasutra gastronómico”, mas se houvesse o número de estímulos e combinações possíveis ultrapassariam, e em muito, as posições do equivalente clássico! A par destes considerandos, associam-se as virtudes terapêuticas de muitos produtos que são explorados, muitas vezes de forma obscena, por profissionais que sabem abusar da ingenuidade de muitas pessoas. O endeusando desta área é uma realidade em crescendo, cultivado por alguns especialistas na matéria que, comportando-se como verdadeiros sacerdotes e sacerdotisas, não têm pejo nenhum em afirmar que o produto x é perigoso para a saúde enquanto o y faz bem à saúde ou à beleza. Enfim! Uma área de negócio sem paralelo nos nossos dias que “alimenta” clínicas, médicos, nutricionistas, “alternativos”, indústrias, ginásios, comunicação social, entre muitos outros.
O grande problema é não ter como encher o estômago. Os que não têm essa possibilidade nem se lembram de que têm papilas gustativas! Quando conseguem obter alguns alimentos a preocupação imediata é enfiá-los, o mais rapidamente possível, pelas goelas abaixo, mesmo que não saibam lá muito bem ou que saibam sempre ao mesmo.
As minhas papilas gustativas e o meu apetite já passaram por algumas atribulações. Recordo-me de dois episódios. Um dia, durante a recruta na Ota, eu e mais seis colegas fomos obrigados a fazer uma marcha e uns exercícios não programados. Quando chegámos ao refeitório tínhamos para almoçar codornizes. Por uma questão de “feitio” recusei sempre comer aves “abaixo de frango”. Naquele dia, ao ver que eram codornizes consegui que os meus olhos vissem enormes perus! Tamanha era a fome, meu Deus! A outra foi há uns 15 anos durante uma reunião de vários centros colaboradores de todo o mundo numa Moscovo em plena crise. Não sei o que me deu para aceitar o convite. Fui com um velho colega e amigo. Comida não abundava, ou melhor, praticamente não existia e éramos considerados como VIPs! Ao pequeno-almoço kefir com um pãozinho manhoso meio adocicado e uma chávena de chá com dois cubos de açúcar. Almoços e jantares, pimentos recheados de arroz e uns grãos escuros que diziam ser carne. Se não eram pimentos, eram rolinhos de diversos feitios, sempre com o mesmo recheio e chá, muito chá, sem açúcar, porque só tínhamos direito a dois cubos pela manhã. Foi assim que começámos a ser os primeiros a descer para “pifar” alguns cubos de outros açucareiros. Ao ponto que uma pessoa chega! Ao fim de dois, três dias, começaram a surgir queixas de tonturas matinais. Diagnóstico dos ilustres colegas: - Foi do vodka! Claro que já me tinha esquecido que não havia falta de vodka. – Qual quê! São tonturas da fome. Atrevi-me a dizer. Ao fim de alguns dias já não sentíamos nem tonturas nem fome. Perderam-se uns valentes quilogramas naquele interessante grupo. Duas semanas mais tarde regressámos a origem. Eu e o meu obeso colega fizemos escala em Amesterdão. Arranjámo-nos e corremos para o melhor restaurante para tirar a barriga de misérias, de acordo com a combinação feita no último dia em Moscovo. Quisemos demonstrar as nossas capacidades gastronómicas e seleccionámos um prato todo requintado acompanhado de uma garrafa de um excelente vinho francês cujo preço foi superior à própria refeição. Antes de iniciarmos o “ataque” rimo-nos com satisfação, antevendo uma refeição digna desse nome nos últimos tempos. Ao fim de algumas garfadas, que nem atingiu a meia dúzia, parámos. Não tínhamos apetite e não conseguimos enfiar mais nada. A tolerância à fome impediu-nos desfrutar de uma refeição tão desejada. O “maître”, muito preocupado, veio logo a correr a perguntar se havia algum problema. Lá conseguimos explicar que o problema não era da comida mas sim dos nossos estômagos meio “atrofiados”. A bem dizer, como diz o povo, tivemos “mais olhos do que barriga”. Realmente as barrigas encolheram e muito. Vá lá, salvou-se a garrafa que foi degustada até à última gota! Sempre conseguimos manter o “apetite” para a bebida...
O grande problema é não ter como encher o estômago. Os que não têm essa possibilidade nem se lembram de que têm papilas gustativas! Quando conseguem obter alguns alimentos a preocupação imediata é enfiá-los, o mais rapidamente possível, pelas goelas abaixo, mesmo que não saibam lá muito bem ou que saibam sempre ao mesmo.
As minhas papilas gustativas e o meu apetite já passaram por algumas atribulações. Recordo-me de dois episódios. Um dia, durante a recruta na Ota, eu e mais seis colegas fomos obrigados a fazer uma marcha e uns exercícios não programados. Quando chegámos ao refeitório tínhamos para almoçar codornizes. Por uma questão de “feitio” recusei sempre comer aves “abaixo de frango”. Naquele dia, ao ver que eram codornizes consegui que os meus olhos vissem enormes perus! Tamanha era a fome, meu Deus! A outra foi há uns 15 anos durante uma reunião de vários centros colaboradores de todo o mundo numa Moscovo em plena crise. Não sei o que me deu para aceitar o convite. Fui com um velho colega e amigo. Comida não abundava, ou melhor, praticamente não existia e éramos considerados como VIPs! Ao pequeno-almoço kefir com um pãozinho manhoso meio adocicado e uma chávena de chá com dois cubos de açúcar. Almoços e jantares, pimentos recheados de arroz e uns grãos escuros que diziam ser carne. Se não eram pimentos, eram rolinhos de diversos feitios, sempre com o mesmo recheio e chá, muito chá, sem açúcar, porque só tínhamos direito a dois cubos pela manhã. Foi assim que começámos a ser os primeiros a descer para “pifar” alguns cubos de outros açucareiros. Ao ponto que uma pessoa chega! Ao fim de dois, três dias, começaram a surgir queixas de tonturas matinais. Diagnóstico dos ilustres colegas: - Foi do vodka! Claro que já me tinha esquecido que não havia falta de vodka. – Qual quê! São tonturas da fome. Atrevi-me a dizer. Ao fim de alguns dias já não sentíamos nem tonturas nem fome. Perderam-se uns valentes quilogramas naquele interessante grupo. Duas semanas mais tarde regressámos a origem. Eu e o meu obeso colega fizemos escala em Amesterdão. Arranjámo-nos e corremos para o melhor restaurante para tirar a barriga de misérias, de acordo com a combinação feita no último dia em Moscovo. Quisemos demonstrar as nossas capacidades gastronómicas e seleccionámos um prato todo requintado acompanhado de uma garrafa de um excelente vinho francês cujo preço foi superior à própria refeição. Antes de iniciarmos o “ataque” rimo-nos com satisfação, antevendo uma refeição digna desse nome nos últimos tempos. Ao fim de algumas garfadas, que nem atingiu a meia dúzia, parámos. Não tínhamos apetite e não conseguimos enfiar mais nada. A tolerância à fome impediu-nos desfrutar de uma refeição tão desejada. O “maître”, muito preocupado, veio logo a correr a perguntar se havia algum problema. Lá conseguimos explicar que o problema não era da comida mas sim dos nossos estômagos meio “atrofiados”. A bem dizer, como diz o povo, tivemos “mais olhos do que barriga”. Realmente as barrigas encolheram e muito. Vá lá, salvou-se a garrafa que foi degustada até à última gota! Sempre conseguimos manter o “apetite” para a bebida...
6 comentários:
Delicioso, caro Professor! Essa de ver perus onde só há codornizes é a mesmo a prova de que é a barriga que neste particular controla os olhos.
Caro Professor:
Não percebo: então o meu amigo queria experimentar o kamasutra gastronómico e passou fome no paraíso?
Claro,terá que concordar que a abundância naquela zona do mundo não era para VIPs bem alimentados e nutridos!...
Sempre gostava de ter visto um professor assim faminto!...
Caro Professor,
quando John Steinbeck proferiu a frase que citou neste post, revelou que desconhecia o macho Portugues, pois se conhecesse, teria acrescentado a tão eloquente reflexão, "e apeadeiros".
Mas, a verdade é que não poderia estar mais de acordo, com o caro professor quando afirma que é necessário uma boa alimentação, para que se esteja apto a praticar um bom sexo, ou seja, é necessario um bom sustento para que o sexo se sustente. Acerca dos pratos que provoquem efeitos afrodisíacos, bom, em minha opinião, todos os pratos comportam esse espírito, assim se conjuguem os principais ingredientes, companhia desejada, ambiente romantico, comida leve, bebida agradável, olhos-nos-olhos, mãos-nas-mãos, assunto de conversa simpático e inteligente.
E agora, dedicado a todas as minhas amigas e a todos os meus amigos, autores e comentadores, vou copiar do livro "A Mulher Na Sala e na Cozinha" de Laura Santos, uma receitinha já antiga, que desejo venha a ser o mote para um bom almoço de domingo: Começando pela sopa, temos um creme de ervilhas hmmmmm!!!
Para 2 lts de água, um llt de leite e 3 colheres de sopa cheias de farinha. Liga-se tudo em frio, leva-se ao lume, mexendo sempre, até cozer a farinha. Em água e sal, cozem-se algumas ervilhas que se juntam ao creme com uma colher de manteiga.
Agora vamos confeccionar uma entrada,um soufflé, tendo em atenção que o mesmo não deve em circunstância alguma, esperar para ser servido.
Soufflé de camarões:
Leva-se ao lume uma porção de leite, farinha e um bocadinho de manteiga, até fazer um creme. Tira-se do lume, juntando seguidamente uma gema de ovo, sal, raspas de noz moscada, sumo de limão e os camarões cozidos e descascados. Deixa-se arrefecer e juntam-se depois 2 claras de ovo batidas em castelo e leva-se ao forno vinte e cinco minutos antes de ir para a mesa. Coze-se no forno em forma de pirex.
Calma!!! não se pirem, ainda falta o prato principal. Que me dizem a uma Galinha Modesta? hmm? hmm?
Então lá vai:
Coze-se a galinha, parte-se aos bocados e leva-se ao forno a corar, untada com manteiga. Numa caçarola, deita-se algum caldo onde a galinha cozeu, 2 colheres de sopa de farinha, desfeita, mais 2 de vinho branco e salsa picada; leva-se ao lume a engrossar este caldo, retira-se e deita-se uma gema de ovo batido; leva-se novamente ao lume, ficando um molho espesso. Coloca-se a galinha num prato coberto e rega-se com o molho.
Dêem-me só um minutinho para ir secar a baba, volto já.
E para finalizar, tcharaaaam!!! a Dzarte ;)))
Pudim de Laranja:
Espreme-se o sumo de 2 laranjas, para uma taça, juntata-se a casca ralada de outra, 250 grs de açucar, 6 gemas de ovo e 5 claras. Bate-se tudo muito bem e deita-se esta massa na forma já untada com açucar em caramelo.
Leva-se a cozer em banho-maria.
Bom apetite meus amigos!!!!
Bem, este magnifico post a "dar sabor" ao tema e ainda por cima umas receitas do caro Bartolomeu e temos uma refição completa para o corpo e para o espírito. Agora, só um aviso aos incautos, o caro Bartolomeu escolheu umas receitas que parecem muito fáceis mas é puro engano, o tal creme que é abase do souflé tem que ser feito lentamente, com o leite a pouco e pouco, senão encaroça e as claras bem batidas, caso contrário não cresce e a galinha...já desisti de cozer galinhas, levam horas e na panela de pressão desfazem-se, enfim, não devo ser grande cozinheira, mas suspeito que o caro Bartolomeu só tenha mesmo copiado, não tenha experimentado primeiro! ;)mas vou tentar a torta, parece-me uma delícia.
Tem toda a razão cara Suzana, as minhas receitas foram copiadas e, vou confessar, nunca cozi uma galinha, aliás, em minha casa estou proibido de cozinhar. Os argumentos apresentados pela "oposição" baseiam-se em dois aspectos fundamentais, a saber: desarrumação do território e dificuldade em acreditar que o cocktail de condimentos, assim como as técnicas utilizados, sejam seguros.
No meu ponto de vista, estão redondamente enganados, porem, não pretendo provar-lhes o contrário... não vá conseguir mudar-lhes a opinião e ser promovido a cozinheiro de serviço...
Julgava que essa era uma das muitas frases lapidares de Mark Twain, se bem que a parte final - dado o seu toque hipermodernista, por assim dizer - possa de facto ter sido alternativamente recomposta (no original, "o homem é o único animal que come sem ter fome, bebe sem ter sede e fala sem ter o que dizer").
Mas pronto, não há azar, apenas por desfastio aqui fica uma outra citação, essa sim, integralmente Samuel Clemens:
"Ao completar setenta anos, impus-me alguma moderação com o tabaco: não fumar enquanto durmo, não deixar de fumar enquanto estou acordado, e não fumar mais do que um cachimbo de cada vez."
(Já agora, e porque o tema do "post" é, hum, digamos, a culinária, só mais esta: "A couve-flor não passa de uma couve que andou na universidade.")
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