O 4R aceitou o convite do Expresso para comentar antecipadamente alguns temas que irão fazer parte das suas edições. Este Sábado é tratado o tema da adopção, concluindo a peça que “Afinal, nem todas as crianças têm direito a ser adoptadas”.
A adopção não é uma matéria que seja tratada com grande visibilidade. Normalmente temos notícias sobre a adopção pelas piores razões, quando nos entram pela casa dentro as histórias e vidas de “pais” - adoptivos, afectivos e biológicos - que lutam judicialmente pela guarda dos filhos.
Mas a realidade é ainda bem mais dura, quando nos damos conta que se encontram institucionalizadas 15.000 crianças e jovens, dos quais 50% – 7.500 – está há pelo menos quatro anos no sistema e 28% – 4.200 – há mais de seis anos. Ou seja, apenas pouco mais de 22% daquelas crianças e jovens está institucionalizada há menos de quatro anos!
É uma situação assustadora e inquietante na dimensão, na longa permanência e na baixa mobilidade e, igualmente, na fatalidade de crescer criança fora dos afectos próprios de uma família. É uma situação que não registou grandes melhoras, mesmo com as alterações que foram introduzidas na lei da adopção em 2003, que aparentemente deveriam ter agilizado e reduzido a carga burocrática do processo da adopção.
A negligência, os maus tratos e o abandono são as razões mais frequentes para a retirada das crianças do seu meio familiar e colocação à guarda de instituições. São crianças e jovens fragilizados e vulneráveis que viveram situações traumatizantes, associadas à violência e à privação e que têm normalmente carências afectivas muito grandes. São crianças que por maioria de razão requerem atenções especiais, em particular afectivas, impondo-se a urgência da sua recuperação.
O direito fundamental de toda a criança a desenvolver-se numa família é a principal motivação da lei da adopção. Sendo esta lei particularmente exigente – pois na adopção a criança passa a integrar-se como filho na família adoptante extinguindo-se para o futuro o parentesco com a sua família biológica – conciliar o rigor e a celeridade do processo é um princípio fundamental que todas as instâncias envolvidas, designadamente tribunais e segurança social, deveriam ter presente na defesa do superior interesse da criança.
É normal encontrarmos famílias adoptantes que procuram crianças com uma dupla exigência: tenra idade e saudáveis, não apenas de um ponto de vista físico mas também na dimensão psicológica/emocional. Outras vezes acrescem outros requisitos, como por exemplo, a raça.
Nem sempre estas condições se verificam e muito menos simultaneamente, pelo que, à partida, há muitas crianças que estão condenadas a crescer sem família.
O que não é admissível é que uma criança veja gorada a possibilidade de um projecto de vida familiar porque as leis e as instituições não funcionam. Ora, em Portugal continuamos a ter este nível de falhas e deficiências lamentáveis e lesivas dos direitos da criança.
Os tempos de espera de concretização da adopção demasiados longos, para cima de dois a três anos, inviabilizam muitos projectos familiares. Sabemos que as famílias procuram normalmente crianças pequenas, pelo que se tivermos presente que apenas uma pequena parte das crianças acolhidas nas instituições são recém nascidos ou de muita tenra idade, os tempos de espera praticados são incompatíveis com esse desejo, frustrando a vontade e a disponibilidade de muitos “pais”.
Os números não enganam. A maior parte das crianças institucionalizadas são duplamente vítimas. Não bastando serem vitimas da violência do meio familiar do qual foram retiradas, são também vítimas de um quadro legal que se afigura desajustado em lidar com o primado da defesa do superior interesse da criança e do seu direito a uma solução familiar alternativa, da lentidão dos tribunais e do deficiente e do deficitário acompanhamento por parte das instituições de acolhimento e das entidades oficiais (Segurança Social, Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco).
Nunca esquecerei uma visita que fiz, há uns anos, a uma instituição de acolhimento de crianças em risco em que uma menina de seis anos não me largou. Tinha dois irmãos mais novos que já tinham sido entregues a duas famílias. A miúda já tinha conhecido uns "pais" mas, segundo a explicação que me deram, a experiência de contacto e de adaptação, que tinha durado para lá de seis meses, não tinha resultado. Pediu-me insistentemente que a levasse para minha casa porque os irmãos já tinham ido embora e ela não queria ficar sozinha. Esta menina tinha apenas seis anos! A sorte não estava do lado dela. Pertencia ao grupo das crianças que o destino quisera que haveria de crescer sem família e separada dos irmãos...
A adopção não é uma matéria que seja tratada com grande visibilidade. Normalmente temos notícias sobre a adopção pelas piores razões, quando nos entram pela casa dentro as histórias e vidas de “pais” - adoptivos, afectivos e biológicos - que lutam judicialmente pela guarda dos filhos.
Mas a realidade é ainda bem mais dura, quando nos damos conta que se encontram institucionalizadas 15.000 crianças e jovens, dos quais 50% – 7.500 – está há pelo menos quatro anos no sistema e 28% – 4.200 – há mais de seis anos. Ou seja, apenas pouco mais de 22% daquelas crianças e jovens está institucionalizada há menos de quatro anos!
É uma situação assustadora e inquietante na dimensão, na longa permanência e na baixa mobilidade e, igualmente, na fatalidade de crescer criança fora dos afectos próprios de uma família. É uma situação que não registou grandes melhoras, mesmo com as alterações que foram introduzidas na lei da adopção em 2003, que aparentemente deveriam ter agilizado e reduzido a carga burocrática do processo da adopção.
A negligência, os maus tratos e o abandono são as razões mais frequentes para a retirada das crianças do seu meio familiar e colocação à guarda de instituições. São crianças e jovens fragilizados e vulneráveis que viveram situações traumatizantes, associadas à violência e à privação e que têm normalmente carências afectivas muito grandes. São crianças que por maioria de razão requerem atenções especiais, em particular afectivas, impondo-se a urgência da sua recuperação.
O direito fundamental de toda a criança a desenvolver-se numa família é a principal motivação da lei da adopção. Sendo esta lei particularmente exigente – pois na adopção a criança passa a integrar-se como filho na família adoptante extinguindo-se para o futuro o parentesco com a sua família biológica – conciliar o rigor e a celeridade do processo é um princípio fundamental que todas as instâncias envolvidas, designadamente tribunais e segurança social, deveriam ter presente na defesa do superior interesse da criança.
É normal encontrarmos famílias adoptantes que procuram crianças com uma dupla exigência: tenra idade e saudáveis, não apenas de um ponto de vista físico mas também na dimensão psicológica/emocional. Outras vezes acrescem outros requisitos, como por exemplo, a raça.
Nem sempre estas condições se verificam e muito menos simultaneamente, pelo que, à partida, há muitas crianças que estão condenadas a crescer sem família.
O que não é admissível é que uma criança veja gorada a possibilidade de um projecto de vida familiar porque as leis e as instituições não funcionam. Ora, em Portugal continuamos a ter este nível de falhas e deficiências lamentáveis e lesivas dos direitos da criança.
Os tempos de espera de concretização da adopção demasiados longos, para cima de dois a três anos, inviabilizam muitos projectos familiares. Sabemos que as famílias procuram normalmente crianças pequenas, pelo que se tivermos presente que apenas uma pequena parte das crianças acolhidas nas instituições são recém nascidos ou de muita tenra idade, os tempos de espera praticados são incompatíveis com esse desejo, frustrando a vontade e a disponibilidade de muitos “pais”.
Os números não enganam. A maior parte das crianças institucionalizadas são duplamente vítimas. Não bastando serem vitimas da violência do meio familiar do qual foram retiradas, são também vítimas de um quadro legal que se afigura desajustado em lidar com o primado da defesa do superior interesse da criança e do seu direito a uma solução familiar alternativa, da lentidão dos tribunais e do deficiente e do deficitário acompanhamento por parte das instituições de acolhimento e das entidades oficiais (Segurança Social, Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco).
Nunca esquecerei uma visita que fiz, há uns anos, a uma instituição de acolhimento de crianças em risco em que uma menina de seis anos não me largou. Tinha dois irmãos mais novos que já tinham sido entregues a duas famílias. A miúda já tinha conhecido uns "pais" mas, segundo a explicação que me deram, a experiência de contacto e de adaptação, que tinha durado para lá de seis meses, não tinha resultado. Pediu-me insistentemente que a levasse para minha casa porque os irmãos já tinham ido embora e ela não queria ficar sozinha. Esta menina tinha apenas seis anos! A sorte não estava do lado dela. Pertencia ao grupo das crianças que o destino quisera que haveria de crescer sem família e separada dos irmãos...
7 comentários:
Do pouco que sei e tenho visto a adopção parece ser mais um bom negócio, infelizmente, para alguns neste País. Repito, infelizmente.
Margarida, eis um tema que me deixa hesitante na opinião. Concordo de pleno e imediatamente com a ideia de que não é admissivel que por causa de mau funcionamento das instituições não seja facultada a toda a criança a possibilidade de integração numa família. Havendo tantas famílias que querem adoptar. Mas também é verdade que a entrega da criança a uma família é um processo que tem de ser devidamente cuidado e ponderado. A pressa nos procedimentos de adopção pode revelar-se trágica quando nao se procede a uma análise, que tem de ser atenta, das condições dos adoptantes.
E se é verdade que o Estado, consciente da situação, não encontrou para ela resposta satisfatória e razoavelmente atempada, tenho a sensação que a sociedade também não está suficientemente consciente dos problemas e preparada para contribuir para melhores soluções. É que não basta a disponibilidade das famílias.
Entre o seu post, cara Margarida e os comentários de Pinto Ribeiro e de JM Ferreira de Almeida, conseguimos facilmente arolar um conjunto de entraves e impedimentos para que um processo de adopção possa ser tão celere quanto o desejado por adoptantes e adoptados. Estes, tal como refere, em número estupidamente volumoso, face ao desenvolvimento social que nos arrogamos possuir. Com efeito as nossas leis parece terem por fim complicar os processos e até fazer com que as familias que desejam adoptar, desistam dessa vontade, tal é a dificuldade burocrática com que se deparam.
Pinto Ribeiro toca num aspecto que não deixa de ser a opinião de muita gente, talvez porque nas direcções das associações de protecção a estas crianças, aparece invariávelmente a figura de uma ou várias senhoras de sociedade, tidas habitualmente como desocupadas, vulgarmente designadas por "tias". No entanto, as crianças acolhidas, devem-lhes o voluntariado e a acção, a angariação dos fundos necessários e a orientação de pessoas que reunidos, lhes proporcionam as condições minimamente essenciais para ultrapassarem os primeiros anos de vida, necessáriamente acompanhadas de carinho. Das duas questões que fazem JM Ferreira de almeida vacilar na opinião, creio que a segunda é aquela que mais angustia causa nos potenciais adoptantes. Pois sujeitam-nos a um sem número de condições e de provas, que em determinada altura do processo, deve deixa-los na dúvida se não estarão a ser considerados potenciais criminosos, violadores, ou outro qualquer indicio de preversão.
A verdade é que o acto de adoptar é uma empresa de grande dimensão, onde os multiplos factores a ser ponderados, são sempre imponderáveis. Compete a quem deseja adoptar mostrar-se cooperante, disponível a prestar todas as informações e a presta-las, até a comprova-las. Depois de se verem cumpridos esses trâmites, deixa de ser compreensível a demora e os períodos de observação. Parece que depois das provas prestadas se fica à espera que a família adoptante cometa um deslise qualquer que prove que afinal não era tão normale capaz como pretendeu provar.
Cara Dra. Margaria Aguiar.
Quero começar por elogiar o bom gosto que teve na escolha da imagem que encima o post.
Em segundo lugar dizer o seguinte:
Pelos casos mediáticos de adopção, nomeadamente o caso Esmeralda, fica-nos a sensação de que em Portugal as crianças retiradas do seu meio natural, a família biológica, embora por motivos mais que justificados, acabam, nos processos de adopção, por serem mais uma vez vítimas da sua própria existência.
Adoptar uma criança é um acto de extrema generosidade da parte de quem o pratica, e não deve ser feito nem de ânimo leve, nem por motivo de piedade, sob pena de redundar em mais um castigo para a própria criança, como bem demonstra o exemplo de insucesso de integração na família de adopção da menina que lhe pediu para a levar para casa… Imagino a sua dor!
Conhecemos as percentagens dos casos de menor ou nenhum sucesso, mas seria também interessante conhecermos os casos de pleno sucesso que, talvez por estarem já resolvidos, não se fala nos jornais. Mas, só conhecendo a sua verdadeira expressão numérica, poderemos estabelecer comparações que nos permitam ajuizar sobre o que está mal no sistema legal da adopção em Portugal…
Caro Pinto Ribeiro
Não sei se é um negócio, mas que há muita opacidade não tenhamos dúvidas.
José Mário
Estamos de acordo que a entrega de uma criança com vista à sua adopção deve ser devidamente cuidada e ponderada. Impõe-se o rigor, mas sem deixar de cuidar da celeridade. O sentido de necessidade e de urgência não podem deixar de estar presentes na actuação das entidades oficiais. As realidades que se conhecem e a estatística não nos deveriam deixar sossegados.
Temos as leis que temos e temos as instituições que temos porque não são mais nem menos do que o espelho do que nós somos. Se a sociedade não está suficientemente sensibilizada para o tema da adopção, não admira que o Estado também não esteja.
Caro Bartolomeu
Aquilo que refere na parte final do seu post reflecte bem a mentalidade doentia da desconfiança com que o Estado se relaciona com os cidadãos. A desconfiança e insegurança são muitas vezes o resultado da incompetência. Parece até que lidar com laços de afectos é a mesma coisa que cobrar impostos. Não é! Exige uma especialização, sensibilidade e competências pessoais e profissionais que não estão satisfatoriamente reunidas.
Não admira que muitos "pais" desistam e percam a vontade depois de longas esperas, incompreensões, de avanços e de recuos, de períodos experimentais traumatizantes, etc.
Caro jotaC
Gostei da imagem pela sua simplicidade e ao mesmo tempo pela sua beleza, capaz de transmitir a serenidade que tantas vezes falta para lidar com as crianças.
A adopção é um "acto de generosidade", mas é também um acto de amor. Acima de tudo deve estar o superior interesse da criança. E a lei nem sempre é capaz de o reconhecer. Por vezes para fazer cumprir a lei, os tribunais podem estar a aplicar "maus tratos" na criança. O caso Esmeralda que o Caro jotaC muito bem recorda levanta a questão: será que é legítimo dizer a uma criança que esqueça os seus seis anos de vida porque a partir de agora passará a ter que amar outra família? A lei pode ser assim tão cruel?
Há muitos casos de adopção bem sucedidos, muitos casos de crianças que hoje estão felizes porque foram adoptadas com muito amor. Mas uma vez consumada a adopção, a criança passa a fazer parte da vida normal da família, que se desenrola dentro de um quadro de privacidade que nos habituamos a respeitar. Admito que as famílias não queiram falar dos seus casos, por reserva de intimidade, para eventualmente proteger os filhos, porque poderá ser estigmatizante.
Cara Dra. Margarida, tenho uma amiga que adoptou recentemente duas crianças, rapaz e rapariga, meios irmãos, filhos da mesma mãe e de pais diferentes, entre os 4 e os 7 anos.
Factos mais relevantes dese processo de adopção:
1 - Demorou mais de 2 anos até se consumar, a entrega das duas crianças. Tempo excessivamente longo, devido em grande parte, à parte burocrática.
Hoje em dia, a minha amiga, feliz que está com os seus dois novos filhos, lamenta que, estas duas crianças não possam ter usufruído, MAIS CEDO, da felicidade, do bem estar, mas principalmente da EDUCAÇÃO que lhes estão a ser proporcionados.
2 - Estas duas crianças que, estiveram institucionalizadas, pelo menos 3 anos, na Casa de Acolhimento, "acusam" imensos sinais de que não foram "trabalhadas". O seu comportamento denota a ausência total de regras de vida e de convivência.
A minha amiga, apresenta as seguintes causas que podem estar na origem, deste último facto que refiro:
a) A directora deste Centro de Acolhimento assume esta função, cumulativamente, com a Direcção de um Lar de Idosos. Está em part-time em ambas. Ambos pertencem à SS.
b) Há carência de pessoal técnico e auxiliar para acompanhamento profissional e educacional destas crianças.
c) O (pouco) pessoal que assegura os cuidados destas crianças carece de formação, em algumas áreas de competência educacional.
Cara Pézinhos n' Areia
A história que nos conta é bem o exemplo da generosidade do coração de muitas pessoas, ainda mais admirável, porque são dois irmãos e já crescidinhos.
Mas a história também retrata as carências de recursos de acompanhamento das crianças institucionalizadas, com repercussões fatalmente negativas nos processos de adopção.
As crianças institucionalizadas sofrem duplamente: pela falta dos afectos de uma família que não têm e pelas deficiências no seu acompanhamento. As crianças acabam por não ser muitas vezes "trabalhadas", correndo o risco de não serem bem "tratadas".
Enfim, há histórias com um final feliz, mas com caminhos muito difíceis e tantas vezes com sofrimento bem escusado!
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