É inaceitável esta desresponsabilização que o governo vem tentando em relação a tudo quanto tem que ver com a crise. Só o estado de torpor que o País atravessa pode explicar que o Engº Sócrates continue a atribuir aos governos anteriores responsabilidades pelos insucessos da sua governação de mais de 3 anos.
Também se torna difícil entender que não haja quem denuncie, alto e bom som, esta tentativa do governo censurar acções e omissões de terceiros no que ao controlo do sistema financeiro respeita, como se não fossem suas as políticas que as favoreceram, animado por uma estúpida certeza de que a crise passara...há dois anos atrás!
Ouvindo o primeiro-ministro, o ministro da economia e o das finanças criticando a cupidez de gestores bancários e as fraquezas dos sistemas regulatórios, fica-se com a ideia de que não conviveram de perto com essas realidades nem foram chamados a atenção para elas a propósito, por exemplo, do caso BCP. Ou não foram eles quem até aqui defendeu, sem que se conhecesse reparo, o actual modelo de regulação que em Portugal não é muito diferente da matriz agora fortemente vergastada? Ou não foram eles quem apoiou os principais actores das entidades reguladoras, que só não prestavam quando não eram prestáveis às políticas governamentais?
Esta alteridade de si próprio tentada pelo governo, que não cora de vergonha perante a monobra de criticar as políticas neo-liberais quando as que praticou e que constam do breviário que seguiu (leiam-se as intervenções de Mário Soares ou perguntem a Manuel Alegre...), leva-o a aproveitar tudo para se colar a quem agora avisa para os perigos de um aprofundamento da crise, como foi o caso da pressurosa adesão do Engº Sócrates ao discurso do Presidente da República proferido hoje, por ocasião das comemorações da implantação da República. Estou convencido que se o Chefe do Estado tivesse criticado abertamente o governo, viria o governo concordar, dizendo contudo que não era ele que estava a ser criticado, mas o governo ... americano!
Não, este discurso do governo tem pouco de combate ao derrotismo como quer fazer crer o senhor Primeiro-Ministro. Tem muito de hipocrisia, feita de calculismo e de oportunismo, acentuada pelas eleições à vista.
Por aqui, no 4R, há muito se chama a atenção para os perigos desta estratégia de desdramatização, que cria a falsa e perigosa sensação de que tudo pode continuar na mesma, que estamos protegidos por um escudo invisível. Tudo, incluindo os investimentos num programa de obras públicas de duvidosa reprodutividade, de custos acrescidos e de exequibilidade posta em causa pelas novas condições do mercado; um estímulo ao consumo e não à poupança, a par da continuação impune e desregulada dos incentivos pouco escrupulosos a um maior endividamento das famílias; a imprudência de operações financeiras como a compra de participações pela Parpública em empresas em situação aparentemente sólida (o caso da REN) à custa de financiamentos da CGD, diminuindo assim a capacidade de reacção do Estado em estado de necessidade, para reequilíbrio do sistema financeiro.
Tudo, é certo, facilitado pelo adormecimento que parece ser geral, se exceptuarmos o folclore da esquerda, animada pela ressurreição de Marx.
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