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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Iniquidades da saúde...

Apesar da "confusão geral" instalada a vida prossegue, é preciso cuidar das pessoas. Tenho escrito diversas vezes sobre o quanto me desconforta a facilidade das visões economicistas que orientam as políticas de saúde.
Confrange-me que pessoas com problemas de saúde muito graves ou que sofrem de doenças incuráveis fiquem impedidas de acederem a medicamentos ou tratamentos mais sofisticados porque não têm recursos financeiros para os adquirir. Ou então têm que aguardar - quando está em causa uma luta contra o tempo - que as farmácias hospitalares ou as autoridades de saúde se pronunciem sobre se a terapia receitada pelo médico clínico é adequada e se tem ou não comparticipação do SNS.
Tive ontem conhecimento de um caso concreto de um doente que sofre de uma doença incurável a quem o seu médico oncologista receitou um medicamento com o preço de 2.500 €. Confrontado com a impossibilidade de iniciar o tratamento porque os serviços de saúde não dispunham de autorização para o fornecer e suportar o respectivo custo, o doente acabou por pagar do seu bolso o medicamento. Os serviços de saúde não lhe deram uma indicação do prazo para uma decisão administrativa.
Certo é que o doente, perante a necessidade do tratamento e dos benefícios que lhe foram explicados, decidiu adquirir o medicamento. Valeu-lhe uma poupança em certificados de aforro que desmobilizou para o efeito.
Este caso remete-me para um texto que escrevi há uns tempos, que se mantém actual, do qual transcrevo esta parte, :
Esta actuação coloca-nos perante problemas muito graves. O primeiro é o de saber como pode uma decisão administrativa impedir ou interferir na aplicação de uma determinada terapêutica estabelecida pelo médico. Ou seja, como pode uma decisão de administração sobrepor-se à decisão médica? Como pode uma política economicista impedir as melhores práticas médicas? Coloca-se, então, a questão de saber em que consiste a defesa do interesse do doente e da sua qualidade de vida?É legitimo que a cura e a esperança de vida de um doente oncológico estejam dependentes não de critérios clínicos, mas antes de critérios estritamente financeiros? Que concepção é esta dos direitos do doente, que não defende o primado da saúde? Mas que ÉTICA é esta que rege os tratamentos oncológicos em função da poupança de mais uns milhares de euros com a vida de um doente? Mas que monstro de injustiça estamos a construir? Que lotaria é esta que o sistema obriga os doentes a jogar?”

2 comentários:

Suzana Toscano disse...

Margarida, ouvi ontem uma entrevista ao Bastonário da Ordem dos Médicos, que falou longamente sobre o desperdício na organização, nas consequências das reformas antecipadas dos médicos, na "concorrência" absurda e predatória mesmo entre hospitais públicos ou pseudo privados, uma vez que em muitos destes é o dinheiro público que os viabiliza e sustenta. Falou da excelente capacidade instalada do nosso SNS mas depois no que se falha na "comodidade",deu mesmo o seu próprio exemplo em que foi transportado de maca de um pavilhão para outro, no gélido dia de Março, só com um lençol por cima do corpo, vindo da sala de operações...
Mas também há muito bons exemplos, precisamente na área dos tratamentos ou exames caros, se não for o SNS muitos mais ficariam sem ter onde recorrer, porque não são investimentos rentáveis, veja que com os recém nascidos, por exemplo, quando há um problema grave vão das clínicas para a Alfredo da Costa...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Claro que há muitos bons exemplos. Todos conhecemos alguns.
Mas esses bons exemplos não podem justificar o que se está a passar com as barreiras administrativas colocadas pelo SNS ao acesso de doentes e médicos a medicamentos ou tratamentos essenciais.
O problema do doente que teve que recorrer ao seu pé-de-meia para poder tomar o medicamento que lhe foi receitado pela equipa de médicos que o segue não é um caso isolado, está generalizado. É que a doença de que sofre afecta cada vez um maior número de pessoas, a maior parte delas sem capacidade para fazer face àquelas barreiras. Resta-lhes esperarem e resignarem-se.