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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Contradições do "espírito positivo"

Uma das grandes contradições da nossa época é o diktat do espírito positivo, a negação do sofrimento e a fuga permanente a tudo o que possa causar flutuações de humor ou simples desconforto afectivo, porque se criou uma baixa tolerância às contrariedades. Poderíamos chamar-lhe a época do hino à felicidade individual se isso não fosse contrariado a cada momento por medos sucessivos lançados sobre o colectivo, medo do terrorismo, medo das doenças, medo das falências, medo dos despedimentos, medo do fracasso, medo, enfim, de perder num ápice tudo aquilo em que se baseia afinal a tão legítima felicidade individual.
Este exercício de resistência à infelicidade dá lugar a uma atitude artificial que leva à solidão e ao desespero.
A verdade é que as angústias pessoais, as incertezas ou os desgostos não doem menos do que antes, só que agora não lhes damos tempo a escoar-se, escondemo-los, disfarçamos, e são vividos com uma impaciência e uma ansiedade de corpos estranhos que devem ser segregados e expulsos antes que alguém repare que se fraquejou no espírito positivo.
O resultado disto é muito enganoso para quem vive as situações, sobretudo os jovens, porque se sentem perdidos e não encontram forma de explicar os sentimentos dolorosos que persistem ou as angústias que nascem lá bem fundo e que deveriam ceder às primeiras varridelas, mas afinal agarram-se e ficam ali, a moer, sem conseguirem exprimir-se. De certa forma, banimos o direito ao luto, quando morre algum ente querido, ficamos constrangidos perante o choro e a dor, incitamos a vencê-la ignorando-a, quando afinal ela precisa de tempo para ser sentida, para dominar primeiro até dar espaço ao consolo e, por fim, à habituação. A ausência, ou a mudança, precisam de tempo para adaptação, se saltarmos as etapas dessa transformação ficam recalcadas em revolta ou em frustração, encruam em vez de amadurecer.
Mas não são só os desgostos que sofrem este recalcamento. Também as coisas boas da vida, como é o caso da maternidade, que é hoje exaltada como um estado de felicidade absoluta, uma alegria que explode no exacto momento em que se sabe a notícia e a jovem mãe deve a partir daí mostrar um sorriso lindo e tranquilo. Ora, o que acontece na maior parte dos casos é que o primeiro impacto é de uma enorme angústia perante uma revolução próxima que não deixará nada como dantes e que ocupará a vida daí em diante. O peso da responsabilidade, o medo de não ser capaz, quantas vezes o desejo de voltar à liberdade que se está a ponto de perder, tudo acrescido das mil e uma teorias que ensinam que um filho merece tudo, que esses seres encantadores contam simplesmente connosco para todo o sempre é um choque terrível para quem vivia uma juventude serena, protegida e despreocupada. Passar de filha a mãe é um salto brutal, e esconder isso com teorias suaves não ajuda nada porque cria sentimentos de culpa, as pessoas julgam que são anormais, que têm reacções malévolas que os outros não podem suspeitar e vivem sozinhas numa angústia injusta e cruel que lhes traz um sofrimento inútil.
Esta época de espírito positivo tem este lado muito negativo, é que só se fala das vantagens e está-se cada vez menos preparado e atento para as dificuldades, tornando as pessoas muito vulneráveis ao medo e às incertezas.

11 comentários:

Bartolomeu disse...

Ainda ontem, quando regressava a casa ao final do dia, ouvia um apresentador no rádio do carro afirmar; vivemos uma época de festas, de comemorações, de galas, de óscar's e de mais uma profusão de outras festas sociais.
Era o Alvim, no programa "Prova Oral".
É verdade... ou seja... também é verdade. Talvez por "imposição" (mais uma vez dos media, que ao que parece comandam para além da política, a sociedade).
E então? perguntamos a nós mesmo, aqueles que vêm de uma cultura e uma vivência que assentava em valores éticos e morais e que priveligiava acima te muitas coisas, a amizade franca, genuína, natural.
Perderam-se esses valores! Concluímos resignadamente.
Mas como é possível que se tenham perdido?
Não aconteceu nenhuma catástrofe, não mudámos de país, o clima alterou-se, mas não de uma forma drástica, a política está um caos, mas ok... sempre assim foi, como os interruptores... um dia para cima, outro para baixo. A economia... bom essa mártir é que tem sofrido grandes revezes, mas... todos são unânimes em afirmar: não é o dinheiro que traz felicidade (mas ajuda bastante).
Então que raio está a fazer com que cada um de nós se esconda cada vez mais dentro da sua concha privada, dentro do seu apartamento, dentro do seu carro, dentro do seu núcleo privado de amigos e, evite a qualquer preço apertar a mão áquele que ali vai, ou saír para um jardim público, apanhar ar e conversar com quem casualmente apareça? O que está a fazer com que cada um de nós arreganhe a dentuça ao passar por alguem que conhece de vista e pede a todos os santinhos para que nunca venha a ter de lhe dispensar um minuto do seu precioso tempo?
Será falta de tempo?
Não!
Falte de disposição?
Não!
Medo?
Possivelmente...
Mas, medo de quê?
Possivelmente, medo de muitas coisas, ou então... medo de nada, medo do desconhecido.
Quando o meu filho mais velho era pequenino, chegando a hora em que devería deitar-se, comecei a habituá-lo a ir sózinho para o quarto. Como seria de esperar, pegou-me na mão para o levar, como acontecia até ali. Sem imposições, disse-lhe que estava na hora e que deveria ir deitar-se. O miúdo andou por ali uns momentos a "enrolar" a tentar adiar, ía até à porta da sala, ficava a olhar para mim, etc.
Passados uns momentos chamei-o, veio imediatamente e perguntei-lhe, porque não se tinha ido deitar.
Roçou-se em mim, torceu-se, encostou-se e foi dizendo: anda comigo, pai, vem-me contar uma história. Respondi-lhe que já era um homem, que podia deitar-se sózinho e que o deixava ver um livro de histórias na cama, e que depois tinha de dormir.
Tá bem pai, mas vem comigo...
Não, o pai fica aqui, vai lá, deita-te que depois o pai apaga a luz.
Tenho medo!
Foi a altura de começar a fazer beicinho e de termos uma conversa mais... técnica.
Expliquei-lhe que o medo era algo que a nossa imaginação criava, e que por isso a mesma imaginação poderia criar muitíssimas outras coisas, bastava que aprendesse a dominá-lo e a viver com ele de forma tão natural como o respirar.
É claro que a conversa foi um pouco mais extensa e com uns tantos "porquês" pelo meio.
Mas no fim o miúdo entendeu que o medo era algo que desaparecia quando adormecesse e que ele venceria nos 3 primeiros dias, teve essa garantia do pai.
Todos os miudos até aos 10 anos, estão convencidos que o pai é o fulano mais forte do mundo e o mais sábio, as raparigas, por seu lado, acham-nos os homens mais bonitos. Mas não tive filhas, portanto estou a falar por aquilo que oiço dizer.
;)))

Bartolomeu disse...

Pensei em outro linkezinho, mas, este também me parece apropriado (além de que, um desafio à capacidade previsiva da nossa muito querica Catarina):
http://www.youtube.com/watch?v=M28peN9XoGk
;))))

Bartolomeu disse...

Rectificação: querida, em vez de querica!
Foi a emoção a comandar a mão.
;)

Catarina disse...

A musicalidade do caro Bartolomeu a manifestar-se a todo o instante, entrelaçando a música às vivências como só um poeta o pode fazer. Há muito que não ouvia George Moustaki. Por diferentes influências tenho “revisitado” experiências do passado que foram substituidas há muito por outros valores, outras experiências e vivências que nos ocupam quase toda a nossa existência presente... Mas há sempre lugar e momentos oportunos para um saltinho aos tempos já vividos. Isto só por si representa um desafio.... : )
Comentarei mais tarde...
Gostei do post da cara Suzana... faz-nos reflectir...

Bartolomeu disse...

Sempre apreciei muito, música. Pela melodia, pela sensação que essa melodia me causa, ao escuta-la. As letras que muitas músicas acompanham, ou vice-versa, são também causa de muito interesse, sobretudo aquelas cujos poemas contam histórias e as que encerram conceitos inteligentes, sejam elas cantadas por tipos conotados com ideoligias politicas de esquerda ou de direita (nesta matéria, identifico-me ambidestro).
Neste comentário a cara Catarina enaltece-me a alma... de poeta(?).
Só me resta agradecer tão enorme elogio!
;)))

Catarina disse...

... e a reflectir fiquei...
Que fazer? Como podemos ajudar e como podemos ser ajudados de forma a minimizar as desvantagens do pensamento positivo e a apetrecharmo-nos com as devidas ferramentas que nos levem a uma situação de meio termo?

Suzana Toscano disse...

Caro bartolomeu, Le Meteque é uma música que nunca passa, ouve-se sempre com um pouco de nostalgia e também com um prazer renovado. Já não ouvia há que tempos e ainda sei a letra de cor!O que nos diz é que temos que ensinar os garotos a vencer o medo, esse instinto defensivo que pode criar dependências e enfraquecer, concordo consigo e precisamente a tendência hoje é para a superprotecção, quer escondendo as ameaças ou fazendo-as parecer como motivos para nos alegrar com a contrariedade, quer oferecendo uma protecção de poder, seja o Estado seja uma organização qualquer. As pessoas julgamse mais felizes mas ficam mais vulneráveis porque qualquer ameaça a esse bem estar as desarma perante qualquer exigência.
catarina, não creio que haja soluções óbvias mas se estivermos atentas a este fenómeno vai ver que é muito fácil desmascará-lo. Vi um filme, "Nas nuvens" que mostra um executivo cujo trabalho é despedir pessoas nas empresas que decidem ou precisam de reduzir pessoal. A conversa "positiva" dele à volta das oportunidades, das mudanças inspiradoras e mais o quê contraste de modo chocante com a realidade dos sentimentos que provoca a cada um dos despedidos mas com esse discurso ele tira-lhes qualquer razão para se queixarem ou sentirem injustiçados ou seja, elimina qualquer problema de consciência e torna-se uma máquina impiedosa. Cada uma das pessoas despedidas parece uma ilhota à deriva que nem sequer é compreendida quanto ao que sente e só aumenta o seu desamparo.Por mim, procuro sempre desmanchar esse discurso quando vejo que o objectivo é deixar as pessoas à mercê do que as espera em vez de se prepararem para se defender ou reagir...

Catarina disse...

… com o bonitão George Clooney.. Também vi. Gostei.

Bartolomeu disse...

O George Clooney bonitão, cara Catarina???
Só se for no seu conceito pessoal.
Aquilo que se me dá entender, é que o resto das mulheres pensa o contrário, senão... porque carga de égua é que lhe estão sempre a fanar o capuccino, e depois voltam-lhe as costas?
Hmmm?
Se o "artista" fosse bonitão como diz, penso que agiriam precisamente ao contrário, não lhe parece?
;)))))))))))

Catarina disse...

: ))))

Suzana Toscano disse...

Catarina, temos que reconhecer alguma razão ao caro bartolomeu, no filme também acontece o mesmo, ele fica a falar sozinho...:)