Os períodos de hiperatividade futebolística são férteis em matéria de negócios. Imaginação aliada a uma certa dose de persuasão é mais do que suficiente para atrair consumidores. Acabo de saber que posso voltar a colecionar cromos, desta feita de forma virtual, sem gastar um centavo, basta ir ao site da FIFA e seguir as instruções. Este achado fez-me recordar velhos tempos em que fazia coleções de jogadores de futebol. Quando tinha uns tostões ia logo a correr até à tasca onde, entre outras coisas, também vendiam as carteiras. Em seguida, sentava-me num degrau qualquer e ficava cheio de esperança para encontrar os que ainda não tinha. Ao princípio corria tudo às mil maravilhas, mas com o tempo começava a ficar cheio de cromos repetidos. Ainda assim conseguia trocar alguns com os amigos. No entanto, chegava-se sempre a um ponto em que era muito difícil encontrar as raridades que, curiosamente, eram sempre do Benfica, porque na altura batia praticamente todos os outros com uma perna às costas. Em consequência, os cromos iam engrossando o maço. Andávamos com os bolsitos dos calções transformados em verdadeiros chumaços. Tínhamos que encontrar alguma utilidade para tamanho desperdício o que nos levava a jogar ao abafa (Jogo que consistia em colocar dois cromos um por cima do outro. Com a mão encurvada batia-se neles. Se algum se virasse pertencia ao abafador, se não virasse tinha que pagar um) ou ao “par ou ímpar” (Quem acertasse recebia em troca o respetivo número de cromos, se perdesse tinha que dar dos seus o mesmo número). A partir daqui o divertimento era ter o maior número possível de cromos, já que a expectativa de um dia completar a caderneta, e ganhar a respetiva bola de couro, diminuía de dia para dia, a não ser para um ou outro capaz de comprar todo o stock das carteiras de cromos onde estava o de “ouro”.
A par da coleção de cromos, também tínhamos o hábito de colecionar santinhos. Quem se portava bem recebia um santinho, quem não faltava à catequese ganhava um santinho, as tias beatas premiavam-nos com santinhos em vez de vinte cinco tostões que davam muito mais jeito. Os mais velhos faziam a comunhão e recebíamos santinhos como lembrança. Eu também fazia coleção, mas depressa verifiquei que não dava muito gozo: não havia cadernetas para os santinhos e nem estavam numerados o que impossibilitava jogar ao “par ou ímpar”, e como eram cartonados também não dava muito jeito para jogar ao abafa. De qualquer modo começava a conhecê-los e perguntava porque é que eram santos. Acabei por saber que faziam milagres, uma coisa muito esquisita, mas que decerto daria jeito em certas ocasiões quando não havia soluções para os problemas. Havia, e há, santos para todos os gostos. As pessoas da altura faziam promessas e rezas aos ditos por dá aquela palha. Curiosamente, ou não, quando perguntava se o santo ou a santa tinham feito o milagre pretendido, olhavam para mim com ar de quem acabavam de ouvir uma pergunta estúpida. Nem me atrevia a questionar segunda vez. Com o tempo acabei por conhecer muitos santos e santas, além das romarias, um bom pretexto para fugir à rotina, e saber quem foram. Para um miúdo vê-los empoleirados nos altares das igrejas era sinal de importância porque fizeram coisas que os outros não conseguiram. Mas terão feito mesmo? A desconfiança, face à ausência de milagres - parece que depois de lá terem chegado esquecem-se de continuar a fazê-los -, começou a germinar na minha cabecita. Foi então que comecei a notar que os milagres só se faziam na “medicina”. Havia santos de clínica geral, poucos, enquanto a maioria eram especialistas e até, mesmo, ultra especialistas. Olhava para a minha coleção de santinhos e à medida que ia recebendo mais um perguntava para que doença é que ele servia. Quase que me apeteceu fazer equipas, mistas, claro está, para as mais diversas maleitas, a que não eram estranhas as orações para o efeito, uma espécie de manual de “terapêutica hagiográfica”. Não foi difícil, com o tempo, concluir que o que contava mais eram as histórias à volta do pessoal. E que histórias!
Mais tarde, também fiquei a saber que fabricar um santo não fica nada barato e, às vezes, chega a demorar séculos, embora outros o consigam enquanto o diabo esfrega o olho. Deve ser quando está mais distraído. Também não sabia que “não há obrigatoriedade de acreditar nos milagres dos santos porque fazem parte das Revelações Privadas”. Assim fico mais satisfeito. Mas o que me inquieta mais é o facto de precisarem da “medicina” para chegarem aos altares. Sem um milagre médico nada feito. Realmente, pergunto: - Mas não há milagres fora da medicina? Eu sei que foi a última área do conhecimento a ser cientificada, e que ainda não está totalmente, e nem sei se algum dia estará completamente, mas o que queria saber é por que razões não ocorrem milagres nas outras áreas? Na economia, na gestão e na política, por exemplo? Que raio! São poucos, que eu saiba os milagres não médicos. Santo António protagonizou alguns, como o teletransporte de Itália a Portugal, antecipando em séculos a série “O Caminho das Estrelas”, mas não sei de foi por isso que chegou a santo, penso eu! Já era altura de serem produzidos outros tipos de milagres. A necessidade de quem os faça é mais do que evidente, mas, pelo andar da carruagem, “santos ao pé da porta” ou melhor “santos deste planeta” não fazem milagres! O melhor é colecionar jogadores da bola, até porque alguns são capazes de fazer verdadeiros milagres, de vez em quando, claro...
A par da coleção de cromos, também tínhamos o hábito de colecionar santinhos. Quem se portava bem recebia um santinho, quem não faltava à catequese ganhava um santinho, as tias beatas premiavam-nos com santinhos em vez de vinte cinco tostões que davam muito mais jeito. Os mais velhos faziam a comunhão e recebíamos santinhos como lembrança. Eu também fazia coleção, mas depressa verifiquei que não dava muito gozo: não havia cadernetas para os santinhos e nem estavam numerados o que impossibilitava jogar ao “par ou ímpar”, e como eram cartonados também não dava muito jeito para jogar ao abafa. De qualquer modo começava a conhecê-los e perguntava porque é que eram santos. Acabei por saber que faziam milagres, uma coisa muito esquisita, mas que decerto daria jeito em certas ocasiões quando não havia soluções para os problemas. Havia, e há, santos para todos os gostos. As pessoas da altura faziam promessas e rezas aos ditos por dá aquela palha. Curiosamente, ou não, quando perguntava se o santo ou a santa tinham feito o milagre pretendido, olhavam para mim com ar de quem acabavam de ouvir uma pergunta estúpida. Nem me atrevia a questionar segunda vez. Com o tempo acabei por conhecer muitos santos e santas, além das romarias, um bom pretexto para fugir à rotina, e saber quem foram. Para um miúdo vê-los empoleirados nos altares das igrejas era sinal de importância porque fizeram coisas que os outros não conseguiram. Mas terão feito mesmo? A desconfiança, face à ausência de milagres - parece que depois de lá terem chegado esquecem-se de continuar a fazê-los -, começou a germinar na minha cabecita. Foi então que comecei a notar que os milagres só se faziam na “medicina”. Havia santos de clínica geral, poucos, enquanto a maioria eram especialistas e até, mesmo, ultra especialistas. Olhava para a minha coleção de santinhos e à medida que ia recebendo mais um perguntava para que doença é que ele servia. Quase que me apeteceu fazer equipas, mistas, claro está, para as mais diversas maleitas, a que não eram estranhas as orações para o efeito, uma espécie de manual de “terapêutica hagiográfica”. Não foi difícil, com o tempo, concluir que o que contava mais eram as histórias à volta do pessoal. E que histórias!
Mais tarde, também fiquei a saber que fabricar um santo não fica nada barato e, às vezes, chega a demorar séculos, embora outros o consigam enquanto o diabo esfrega o olho. Deve ser quando está mais distraído. Também não sabia que “não há obrigatoriedade de acreditar nos milagres dos santos porque fazem parte das Revelações Privadas”. Assim fico mais satisfeito. Mas o que me inquieta mais é o facto de precisarem da “medicina” para chegarem aos altares. Sem um milagre médico nada feito. Realmente, pergunto: - Mas não há milagres fora da medicina? Eu sei que foi a última área do conhecimento a ser cientificada, e que ainda não está totalmente, e nem sei se algum dia estará completamente, mas o que queria saber é por que razões não ocorrem milagres nas outras áreas? Na economia, na gestão e na política, por exemplo? Que raio! São poucos, que eu saiba os milagres não médicos. Santo António protagonizou alguns, como o teletransporte de Itália a Portugal, antecipando em séculos a série “O Caminho das Estrelas”, mas não sei de foi por isso que chegou a santo, penso eu! Já era altura de serem produzidos outros tipos de milagres. A necessidade de quem os faça é mais do que evidente, mas, pelo andar da carruagem, “santos ao pé da porta” ou melhor “santos deste planeta” não fazem milagres! O melhor é colecionar jogadores da bola, até porque alguns são capazes de fazer verdadeiros milagres, de vez em quando, claro...
3 comentários:
Caro Amigo:
Gostei verdadeiramente do seu artigo.
Vai deixar, concerteza, que eu deixe um pequeno comentário quanto ao "nosso" (português) último santo.
Não sei se, na verdade, para o Vaticano a atribuição do título de Santo funciona como aquela prática (de influência castrense) de atribuição de medalhas por um qualquer acto ou façanha de valor. Se assim é, ainda mais se adensa a minha dúvida, pois ainda não vislumbrei a verdadeira razão da "santificação" de Nuno Álvares Pereira...Só se for pelo facto da sua contribuição directa - enquanto general e estratéga militar do rei de Portugal - para a morte de assinalável quantidade de católicos castelhanos.
Enfim, as religiões têm destas coisas.
Cumprimentos Sinceros.
Pois é, Caro Professor Massano Cardoso, há para aí carradas de milagreiros, mas milagres nem vê-los...
Ao ler este texto lembrei-me que também eu era um viciado em coleccionar cromos de futebol, mas acho que nunca consegui preencher a caderneta, vivia num meio pequeno, as trocas eram poucas e os tostões ainda menos!
Aqui está uma boa e simples recordação.
Aqui está um belo encadeado de recordações, dos cromos aos santinhos e por fim aos milagreiros. Realmente nunca tinha pensado nisso, a generalidade dos milagres são na saúde, embora haja muitos santos que mereceram o ceú sem fazerem milagres~e haja também muitos e muitos milagreiros da medicina que não merecem o reconhecimento do altar! Agora isso de pedir milagres na economia é que já é pedir demais, embora haja muitos a tentar, mas parece que sem devoção!
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