Número total de visualizações de páginas

sábado, 26 de junho de 2010

Pessoal e intransmissível

Por vezes consigo ouvir ao fim da tarde o programa “Pessoal e Transmissível”, durante o qual são feitas interessantes entrevistas. A última foi com James Ellroy, escritor norte-americano, autor de várias obras. A curiosidade aguçou-me o apetite, reforçada pela forma pausada e sintética como falava, à semelhança da sua forma de escrever. As respostas às perguntas caracterizavam-se pela heterodoxia e por um profundo jargão. Ao fim de poucos minutos já me apercebia de que a resposta iria fugir a quaisquer convencionalismos e, sem entrar em contradição, rematava as suas opiniões com um “estou-me a cagar”. Pode ser que seja um misantropo, atendendo à forma como vive e se relaciona com o mundo. Não é que estranhasse tais condutas, mas num escritor julgava ser impossível, a não ser que estivesse a mentir ou a manifestar alguma forma de diletantismo. Mas não, o homem parecia ser sincero e direto.
“Estou-me a cagar”! Lembrei-me, a propósito desta forma peculiar de exclamação, quando terminava algumas das suas frases, dos detritos de cães que andam por aí a conspurcar passeios e jardins. Os donos, durante os passeios, não têm quaisquer cuidados e, deste modo, dia para dia vão-se acumulando marcas da passagem dos canídeos, ou melhor, marcas das passagens dos humanos, porque os animais, c´os diabos, não são obrigados a eliminar os dejetos em casa ou numa qualquer latrina pública. “Cagam e andam”, como é usual dizer-se. Mas não são só eles. O pior é o exercício que, diariamente, muitos de nós tem de fazer para não ser premiado em muitos campos de batalha e zonas próprias de emboscadas. Face a esta situação, há que restabelecer e fazer cumprir normas que evitem atentados deste género. Mas não é só a nível dos passeios, o problema também se coloca em parques, incomodando muitas pessoas. Claro que estas têm todo o direito de protestar, mas chegar ao ponto de quererem impedir que os donos passeiem com os seus animais não me parece ser uma solução correta, porque o binómio homem-animal é demasiado importante para ser ignorado e as vantagens decorrentes são muito positivas. Como não há bela sem senão, surge o incómodo que constitui o tema desta crónica. As próprias autoridades têm de ser mais participativas e vigilantes e não optar por soluções fáceis do tipo: “aqui não podem entrar cães”. Uma solução disparatada, sinónimo da arrogância humana face às outras espécies. Também não sou adepto de proibir a entrada a seres humanos, se bem que, às vezes, seria desejável, sobretudo aos que não têm cuidados com o não uso de trela, e de açaimos para os cães de raça perigosa, e aos que não limpam a merda dos seus animais. É necessária a existência de infraestruturas adequadas, bebedouros, “pipicans”, locais para lançar os dejetos e espaços próprios para que os animais possam correr à vontade. Mas é preciso igualmente uma vigilância policial para “ensinar” os menos responsáveis e uma demonstração inequívoca de bons procedimentos por parte dos que sabem e gostam de viver com os animais.
A minha cadela morreu há cerca de um ano e meio, de velhice, tinha já feito dezoito anos. Encantadora, foi tratada como um elemento da família e encheu-nos de muitas alegrias. Um dia, o “meu” carteiro, no decurso de uma consulta, derivou para os animais e disse ter assistido a algo que lhe chamou a atenção e que o tinha sensibilizado. – Ah sim! E o que foi? - Reparo que ao fazer a distribuição, a sua esposa limpa no passeio as sujidades da Boneca. Com bom carteiro sabia o nome do animal, não só porque ouvia chamá-la, mas também porque entregava a correspondência da veterinária endereçada a “Boneca” Massano Cardoso! Esta coisa de anexar o meu apelido ao nome do animal deixava-me perplexo, mas divertia-me. – Pois faz. Tem de ser. – É pena que as outras pessoas não façam também. – Pois é! É tudo uma questão de educação. Estou fortemente convicto de que com o tempo as pessoas irão proceder da mesma forma. O carteiro ripostou sorrindo: – Isso é que era bom, mas não acredito. – Vai ver, é uma questão de tempo.
Pessoalmente estou convencido de que irá acontecer, porque muitos donos não podem "estar a cagar-se" para os outros cidadãos, e não devem esquecer que a merda de cão é "pessoal" e não "transmissível".
Toca a limpar e toca a brincar.

14 comentários:

Catarina disse...

Tem razão, é raro ver-se (em Portugal) uma pessoa a passear o ou com o seu cãozinho e com um saco de plástico na mão. E quando se vê essa raridade, invariavelmente, é a dona do respectivo cão que assume essa tarefa e não o dono. Até em Lisboa isso acontece. Avisam-me sempre: “Olha para o chão de vez em quando.” E eu teimo em olhar em meu redor à medida que subo e desço aquelas calçadas como se fosse a primeira vez que a visitasse. Não me recordo, neste momento, de ter que tomar especial cuidado noutra cidade estrangeira onde estivesse estado, a não ser na Argentina, numa vila pequena. Uma das minhas amigas de viagem teve uma experiência muito desagradável.
São essas “pequeninas grandes” coisas que também diferenciam os costumes portugueses dos costumes do resto da Europa ou dos do continente norte americano. Ou estarei a generalizar por falta de conhecimento/experiência in loco?! Esses costumes aberrantes reflectem, por parte dos cidadãos, uma falta de brio, de orgulho nas cidades, nas vilas onde vivem e espelham, igualmente, uma irresponsabilidade dos munícipes que olham para o lado com o não cumprimento das leis. É caso para perguntar: para quê tantas leis se não são cumpridas e não há uma administração competente e responsável que as façam cumprir? Por outro lado, podemos perguntar: As pessoas deixam o cão “c......” em casa? Cospem no chão da cozinha? Deitam as pontas do cigarros no chão da sala? Põem o saco do lixo ao lado do caixote quando ainda há espaço dentro do caixote?

Fenix disse...

Há pouco tempo ouvi uma conversa entre duas mulheres, onde a mais velha recriminava a mais jovem por esta dizer que não limpava os dejectos do seu cão, quando o levava a passear, desculpando-se esta com o facto de que os cães vadios, também o faziam na via pública...
Recuei no tempo e lembrei-me de que há uns 4 anos atrás, costumavam circular na rua onde morava, uns 5 ou 6 cães vadios grandes e com um aspecto pouco recomendável. Como uma vez tinha visto um documentário, em que alertavam para o perigo dos cães em matilha, pois segundo eles os seus instintos (selvagens) vinham ao de cima quando em grupo, e muitas vezes atacavam por esse facto, liguei para o departamento da Câmara (canil) para virem recolhê-los. Perguntaram se eu tinha um espaço, tipo quintal ou jardim, onde pudesse atraí-los e os fechasse, para assim eles poderem vir. Eu disse que não, e então foi-me dito que nada feito, pois das vezes que tentaram fazê-lo nas ruas, os populares se insurgiram insultando-os e até atirando-lhes pedras impedindo-os de o fazerem!
Fiquei sem palavras, e pensei: "Sendo assim, porque é que estes populares não adoptam os animais e os conservam na sua posse, devidamente tratados e vacinados?!"
Também fiquei sem saber se o canil, apesar dessa dificuldade não levava a sua tarefa avante, porque a Câmara não queria ser "penalizada" nas urnas...
Afinal, o poder popular ainda tem força, só que pelos piores motivos!

Catarina disse...

É caso para se dizer: “Preso por ter cão e preso por não ter”.

Bartolomeu disse...

Ou então... aqueles humanos que desejam ter cães e lhes repugna ou vexa, apanhar os cagalhões que os seus canídeos vão semeando pela via pública, saiam dos apartamentos, das cidades, e mudem-se para o campo. assim, vão poder ter os animais em liberdade e, basta-lhes vedar os relvados.
Em minha casa habita uma cadela que compete comigo nas atenções que a dona nos dispensa, fora de casa, habitam mais cinco.
Estou a ficar maluco, porque todas as noites, várias vezes por noite, ou porque ladra um cão ao longe, ou porque um coelho se lembra de passar por perto, ou por outro motivo qualquer que desconheço, aquela canzoada que habita o exterior da casa, desata a ladrar frenéticamente. Estou a tentar educar o meu subconsciente, por forma a manter o sono, mesmo quando os malditos ladradores me acordam. Se não conseguir, em breve estarei a comentar de um cmputador da sala de convívio de um hospital psiquiátrico.
Mudem-se para o campo, meus amigos, ofereçam a liberdade aos vossos animais de estimação!

Catarina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Catarina disse...

Caro Bartolomeu, quando um homem compete com uma cadela, um deles sai a perder... e não é a cadela! : )
O ladrar de um cão, o chorar constante de um bebé num avião (quando a viagem é longa, cansativa e nós não nos recordamos de como costumava ser quando os nossos filhos eram crianças pequenas) é muito incomodativo.
Um dia, acabada de chegar de uma viagem de umas 8 horas, cansada e com as horas trocadas, fico na casa de um familiar que vive num prédio de apartamentos. Fico no “quarto de trás”. Por volta da meia noite começa um cão a ladrar. Penso: coitadinho do bicho ou está com fome ou então esqueceram-se de pôr o cão em casa. Uma hora da manhã e o cão ainda não tinha perdido o folgo. Duas, três horas e o “coitadinho” deixa de o ser para se tornar “maldito” (habitualmente sou regrada nos termos, penso eu!). Sem exagero, o bem dito do cão ladrou desde a meia noite até quase 4 da madrugada, sem interrupção e não houve ninguém que fizesse alguma coisa! Quando de manhã falei com a minha tia sobre o que se tinha passado, não só ela não o tinha ouvido (o quarto dela é o “da frente”) como ainda por cima alvitrou que talvez o bichinho estivesse com cólicas!

Catarina disse...

Leia-se “fôlego”! : (

Bartolomeu disse...

Catarina, Sobre qual dos dois sai a perder, não me restam quaisquer dúvidas... sou eu! Em tudo! Bom... em tudo, tudo, é exagero... mal feito fora... mais valia treinar-me no ladramento e no abnar da cauda.
Quanto à capacidade inesgotável que os cães evidenciam e lhes permite ladrar ininterruptamente, é algo que está a merecer a minha atenção (digo, exasperação).
Um amigo alvitrou-me a colocação de uma coleira que, equipada com um sensor e uma bateria, transmite choques electricos ao cão, quando ladra. Qualquer coisa próximo dos métudos silenciadores, utilizados pela PIDE, nos anos de repressão fascista, que eu detestaria reeditar, mesmo que por necessidade.
Acho que vou optar pela regra de ouro "amigo não empata amigo". Assim, fica a minha mulher com os cãezinhos ladradores lá no monte e eu mudo-me para um apartamento, num prédio onde não se encontrem cães, num raio de 5 km.
Tou memso a começar a bater mal dos carretos...

Catarina disse...

ahahaah!

Bartolomeu disse...

Não se ria, Catarina, a coisa é séria...
Ou então... olhe, ria-se, aproveite enquanto a crise se consegue ir aguentando...

Catarina disse...

Temos que rir enquanto há vontade para o fazer! Para além de que, como o caro Prof. confirmará, rir faz bem saúde.
E a propósito de crise: estou muito admirada de ainda não haver aqui no 4R uma crónica sobre as cimeiras do G8 e do G20 que estão a decorrer no Canadá este fim de semana!

Bartolomeu disse...

Canadá e sobretudo os países nórdicos são porventura aqueles que maior sensibilidade ambiental possuem. Talvez porque os seus santuários de fauna e de flora, apresentam sinais evidentes e preocupantes dos efeitos nefastos que a poluição exerce sobre eles.
No entanto, Catarina, toda a roblemática que envolve a redução da utilização de combustíveis fósseis na indústria e nos transportes, não passa de uma mera farsa. Toda a gente percebe (e reconhece) a urgência dessa redução ou, idealmente, a eliminação pura e simples, do planeta, do uso de todos esses agentes poluidores. No entanto, a sociedade cresceu desmesuradamente, assente sobre pressupostos de riqueza, inteiramente dependentes desse uso.
Basta reflectirmos, sobre o uso de um pequeno nada, o frigorífico. Pra produzir um frigorífico, utilizam-se uma montanha de produtos e tecnologias que poluem grandemente. No mundo, existem montanhas de frigoríficos... em uso, fora de uso e... em produção. Quantos de nós, simples contestatários, estaríamos dispostos a abdicar do uso desse aparelho, a substituí-lo por formas alternativas de conservação de produtos alimentares, em prol de uma melhor qualidade ambiental?
Será que, relativamente à problemática da poluição ambiental, estamos a viver um pesadelo colectivo e tudo não ultrapassa a nossa imaginação?
Vai ver Catarina, que não existe poluição nenhuma no planeta e que esta ansiedade social é o mero efeito do ladrar dos cães... fora de horas... horas e horas a fio...

Otavio Rebelo disse...

Estimados Membros e Vistantes do Quarta,

Cá estou eu de novo a deixar o meu comentário.

Alinho também nos "não alinhados" com o latido dos cães pois na minha rua, sofremos o mesmo "drama".

No artigo está "O pior é o exercício que, diariamente, muitos de nós tem de fazer para não ser premiado em muitos campos de batalha e zonas próprias de emboscadas." De facto é verdade mas ainda pior é quando o desrespeito ignora os invisuais. Se para nós já é um exercicio terrivel, muitas vezes não executado com êxito, os invisuais não têm a mínima hipótese de ter êxito nesta ( adicional e desnecessária luta ).

Creio que os Espanhóis denominam as pessoas com deficiencias de minús válidos. Nunca gostei destas expressões e aqui deixo o meu apreço por aqueles que lutam com mais dificuldades que eu e dão-me exmplos notáveis de força de vontade. Aligeirando os assuntos e derivando para o Mundial de Futebol saiaram-nos na rifa os Espanhóis. Continuo plenamente confiante na vitória de Portugal. Ontem empatamos com os "nossos irmãos" Brasileiros; na terça tentaremos ganhar aos "nuestros hermanos" Espanhóis para em breve estarmos a tentar derrotar "our brothers in Arms", os súbditos de Sua Majestade, se lá chegarmos os dois.

Catarina disse...

Anteontem ouvi na rádio um comentário de um ouvinte: “Há três coisas certas neste mundo: a morte, os impostos e Portugal que nunca ganhará o campeonato mundial. “