1. A Grécia volta a ser notícia, e novamente por
más razões : um conflito de posições entre a União Europeia e o FMI quanto às
condições necessárias para que o Fundo participe no programa de resgate em
curso põe em risco a continuação desse Programa e, por arrasto, a solvabilidade
externa do País e a permanência no Euro.
2. Comecemos por alguns dados curiosos da situação grega, esta semana divulgados pelo FMI:
(i) 50% dos particulares que são titulares de
rendimentos (teoricamente) tributáveis, não pagam imposto;
(ii) défice do sistema de pensões ascende a 10,5% do
PIB, quádruplo do valor médio na Zona Euro;
(iii) créditos em incumprimento (NPL’s) no sistema
bancário representam 45% do total do crédito (em Portugal este rácio é de cerca
de 12% e, como se sabe, os NPL’s são considerados um problema de enorme
gravidade);
(iv) dívida pública atinge cerca de 180% do PIB, de
longe o valor mais elevado na Zona Euro;
(v) taxa de desemprego em 23%, a mais alta da Zona
Euro.
3.
Posto isto, convém recordar que a Grécia vai
no 3º Programa de Ajustamento consecutivo, desde a crise financeira
internacional, tendo este começado em Agosto de 2015, com o apoio do Mecanismo
Europeu de Estabilidade, o qual se comprometeu a mutuar € 88 mil milhões, em condições excepcionalmente favoráveis, sendo € 63 mil
milhões para apoio das finanças públicas e € 25 mil milhões para recapitalizar
o sistema bancário.
4. Em contrapartida do apoio recebido, a Grécia
(governo) comprometeu-se a implementar um conjunto de reformas, nomeadamente na
reestruturação do sistema fiscal e na promoção de privatizações, cujo
cumprimento até à data tem sido “mixed”, para dizer o melhor.
5. Aquando da negociação deste 3º Programa, ficou
prevista a participação do FMI, tanto para assumir uma parte do apoio
financeiro como para fiscalizar o cumprimento das reformas prometidas.
6. Passaram 18 meses…e nada de o FMI se decidir a
participar, o que deixa alguns países europeus bastante nervosos, em especial a
Alemanha e a Holanda, que consideram a
participação do FMI essencial para garantir o efectivo cumprimento das reformas
acordadas.
7. O FMI tem condicionado a sua participação à
aceitação prévia, pelos responsáveis da zona Euro, de uma reestruturação da
dívida grega, pois considera que a Grécia não conseguirá gerar excedentes os
orçamentais primários previstos no 3º Programa (3,5% do PIB) pelo que o serviço
da dívida se tornará cada vez mais insustentável, até à implosão.
8. Os responsáveis europeus, nomeadamente os do
MEE, discordam do FMI, sustentando que a Grécia será capaz de cumprir aquele
objectivo orçamental e que não é altura de falar em reestruturação da dívida
grega…(na Alemanha e na Holanda este tema dá muita força aos movimentos
populistas, anti-Euro, e as eleições estão à porta…).
9.
Este braço de ferro entre a Zona Euro e o FMI,
caso se mantenha, pode levar a que a Grécia a entrar em “default” no próximo mês
de Julho, quando se vencem mais de € 7 mil milhões de dívidas…
10.
Entretanto, as taxas de juro implícitas (yields) na
cotação da dívida grega ao prazo de 2 anos – a taxa mais sensível aos riscos
políticos – saltaram para 10% e poderão subir ainda mais caso o problema continue
sem solução…
11. Cá por casa, alguns intelectuais do regime, revelando
um apurado sentido de oportunidade, manifestaram mais uma vez a sua convicção
quanto à necessidade de se enfrentar, de uma vez por todas, a temática da reestruturação
da dívida pública portuguesa…
8 comentários:
Caro Tavares Moreira, folgo em ler um post seu! Mas, perguntinha minha... Nisso da Grécia, mas algum outro resultado era esperado? Alguém supunha que subitamente iriam passar a ser meninos de coro, bem comportadinhos e respeitadores das suas assinatura e palavra? Em relação ao FMI, o Fundo está a dizer agora exactamente o mesmo que disse quando o terceiro resgate foi feito, ou seja, que só participaria financeiramente se houvesse uma redução da dívida aos outros membros da troika.
Esta segarrega da Grécia é mais um bom exemplo do voluntarismo da UE, voluntarismo esse ao serviço não dos Gregos ou seja de quem for mas sim da UE e do Euro pela UE e pelo Euro. É curioso ver o que acontece quando se transformam ferramentas e instrumentos para atingir determinados objectivos nos objectivos em si mesmos.
Caro Zuricher,
Eu sei que o FMI não mudou de posição, embora me custe perceber o que o Fundo pretende, concretamente, nesta altura.
Digo isto porque a explicação que se encontra no site do IMF sobre este tema, refere expressamente que não se pretende um perdão de dívida por parte dos credores Europeus (MEE e FEEF), mas sim uma suavização das condições dos empréstimos concedidos.
Acontece que esses empréstimos têm um prazo de reembolso de 32,5 anos e uma taxa de juro que inclui o custo do financiamento para aquelas duas entidades mais uma pequena comissão, resultando num custo "all in" de cerca de 1% nas condições actuais.
Sendo assim, o que pretenderá concretamente o FMI - que o prazo de reembolso seja alongado para 50 ou 60 anos e o juro reduzido a zero (ou negativo...) ?
O FMI não esclarece e assim torna-se difícil um entendimento.
Isto para além do facto, que se afigura estranho o FMI não perceber, de a discussão desta temática nas presentes circunstâncias ser politicamente muito inconveniente, dando força a movimentos populistas tanto na Alemanha como na Holanda que, como bem saberá, enfrentam eleições no decurso do corrente ano (já em Abril no caso da Holanda).
Confesso que desta vez sinto dificuldade em entender a lógica da posição do FMI, que me parece carecida de pragmatismo.
Caro Tavares Moreira, essa é uma forma de ver a posição do FMI. Perdoar-me-á mas sou um pouco mais cínico. Se a real vontade do FMI for acabar com a fantasia duma Grécia capaz de ter uma moeda forte e, para isso, quiser precisamente forçar a sua saída da Eurozona que altura melhor do que esta? Alemanha e Holanda não podem, precisamente por causa das eleições, concordar com o que quer que seja de benefícios à Grécia. Estão, portanto, muito limitadas na sua acção. E, convenhamos, quer-me parecer que o governo Alemão também vê com bons olhos (ou deseja, mesmo) a saída da Grécia do Euro. Só não quer é ser visto como culpado. Com a pressão exercida pelo FMI nesta altura em particular consegue-se o que todos pretendem, ou seja, "XÔ! Grécia". O FMI pode lavar as mãos dizendo simplesmente que se limitou a repetir o que sempre tem dito desde que o terceiro resgate começou a desenhar-se. O governo Alemão pode também dizer que tentou tudo o humanamente possivel mas, conforme largamente publicitado quando o terceiro resgate foi aprovado, sem a participação do FMI terá que saltar fora porque o Parlamento não deixa continuar. De caminho atira-se a culpa toda (e eles têm a maior parte da culpa mas não 100%) para o governo Grego atirando-se ao vento todo o rol dos compromissos que o governo Grego não cumpriu. E assim sai a Grécia do Euro tendo toda a gente a possibilidade de salvar a face.
Andando um bocadinho para trás, o FMI nunca viu com muito bons olhos os resgates à Grécia e a Portugal precisamente porque a existência do Euro não permitia ao fundo aplicar uma das suas armas mais poderosas, a desvalorização monetária. Foi criado aquele suposto sucedâneo da desvalorização interna mas os efeitos dessa coisa são inferiores e geradores de tensão social que não existe com a desvalorização de toda a vida. Ora, saíndo a Grécia do Euro este problema resolve-se e o novo Dracma ou chame-se lá o que se chamar por si só e sem precisar de ajuda vai cair até sabe-se lá onde. Penso ser muito possivel que perca 80% do seu valor no espaço de 6-9 meses. Et voilá, problema resolvido. Problema para todos, mesmo.
Subindo agora um nivel nesta história toda, é certo que para a população Grega será uma tragédia num acto só. Mas talvez seja realmente a forma de iniciarem a recuperação em vez de continuarem naquela triste vida. Nem todas as sociedades estão talhadas para a grandeza. Nem todas as sociedades sabem viver com uma moeda forte e, para estas, uma moeda forte é um empecilho mais do que sintoma de prosperidade. Com uma moeda fraca nunca serão ricos, evidentemente que não. Mas se calhar conseguem ir-se remediando melhor do que com uma moeda forte que nem sequer entendem. É a vida!
Caro Zuricher,
Não estarei muito longe das suas lucubrações em torno deste aparente impasse - ou "braço de ferro", como lhe chamam - entre a UE e o FMI.
Mas existe um tremendo obstáculo à efectivação de um cenário "grexit": o povo grego, que deverá ter ficado suficientemente vacinado quanto a um cenário de saída do Euro depois da turbulência e do enorme susto por que passaram aquando da triste aventura protagonizada por Yanis Varoufakis (onde andará esse Cara?)...
Creio que nesta altura não há nenhum governo grego, de esquerda ou de direita, que tenha a coragem de abraçar um cenário de saída do Euro. Arriscam-se a ter um país em guerra civil...
Na minha perspectiva, o problema da Grécia terá de ser resolvido dentro do Euro, com uma mudança radical da sua política económica. Essa política, em lugar de aplicar as reformas como se de um castigo se tratasse (que continua a ser visão do actual governo, apesar dos muitos progressos que já fez), as assuma como fundamentais para estimular o investimento nacional e estrangeiro que faça a economia crescer.
O cenário alternativo deste é o apocalipse, como bem caracteriza no seu comentário.
Caro Tavares Moreira, é, sequer, o povo Grego (ou mesmo o governo Grego...) tido ou achado para o assunto? Se lhes cortarem o dinheiro caem na bancarrota logo a seguir. Por outro lado não estou assim tão certo que o povo Grego tenha ficado assustado. De todo, mesmo. Em 2015 mais de 60% dos eleitores votaram contra o terceiro resgate e ainda assim houve terceiro resgate. Ou seja, nem ficaram assustados nem a opinião que expressaram serviu para o que quer que seja.
É certo que poderiam resolver (já ter resolvido até) os seus problemas dentro do Euro mas a questão principal parece-me ser a sociedade Grega não querer as condições dos resgates por simplesmente não acreditar nelas. A sociedade Grega, como de resto é normal nas sociedades com pendor sinistro, não tem interiorizados os conceitos de competitividade, criação de riqueza, estimulo ao investimento e tudo por estas linhas. Ora, o objectivo dos resgates tem sido sempre, evidentemente, levar a que os países possam singrar pelos seus pés após o momento turbulento. Há aqui uma clara contradição.
Parece-me que para os Gregos a opção é entre a mediocridade e a ruína. Nenhuma delas é boa mas antes a mediocridade que a ruína.
Toca num ponto que parece-me muito relevante e tenho dado por mim a pensar nele ao longo dos anos. Realmente os resgates foram apresentados como um castigo, sem dúvida. Porém uma questão fica sempre no fundo do meu pensamento. Em sociedades como a Grega é, sequer, possivel a sociedade ver tudo isto como oportunidades e não como castigos? Como a oportunidade para substituir um modo de vida errado por um outro saudavel e conducente à prosperidade? Duvido. Sinceramente duvido. Daí que, quer-me parecer, os Gregos verão sempre tudo como castigos e, jamais, reconhecerão os erros dos seus tempos anteriores.
No fim de tudo digo o mesmo que disse há dois anos. Nunca devia ter havido terceiro resgate e a Grécia devia ter sido deixada cair. Já que houve, pois mais vale corrigir os erros tarde do que nunca. A Grécia ser deixada cair corrige ainda um erro de muito mais atrás; ter entrado no Euro.
A terminar. Quando as barbas do vizinho vires a arder...
Caro Zuricher,
Compreendo e respeito as sujas dúvidas, filosóficas e pragmáticas, quanto à capacidade dos gregos para superarem a situação caótica em que se deixaram (e também foram deixados) mergulhar.
Numa coisa estou 100% de acordo consigo: a Grécia nunca deveria ter sido admitida no Euro, e, aliás, a sua admissão foi possível graças à produção de dados estatísticos inverídicos, para comprovar que a República Helénica cumpria os critérios de entrada.
Uma vez que entrou, agora terá que se aguentar, que faça as reformas a que se vinculou e deixem de "bancar" ao desgraçadinho, tanta resmunguice já incomoda...
Fiquei com curiosidade quanto a um ponto: o Zuricher consegue compreender a posição do FMI?
Caro Tavares Moreira, consigo compreender a posição do FMI dentro do enquadramento que expus, ou seja, forçar a saída da Grécia do Euro por forma a adoptarem uma nova moeda muito desvalorizada em relação ao Euro. Precisamente por causa do timing não consigo enquadrar as mais recentes acções do FMI de nenhuma outra maneira. Agora a questão que pode colocar-se é, sendo isto, se é boa aposta a que o FMI está a fazer. Para mim sim mas este sim vem como corolário dum encadeado relacionado com vários aspectos, um deles precisamente a sociedade Grega e a sua incapacidade para viver com uma moeda forte. Não têm a disciplina que uma moeda forte requer e não sabem governar-se com ela. Não se aguentam, a população não aceita as reformas e o choradinho até não lhes tem saído tão mal como isso.
Engraçado que há umas semanas expressei num outro sítio algumas dúvidas se o primeiro país a sair do Euro seria a Grécia ou a Itália. A minha dúvida mantém-se.
Caro Zuricher,
Muito bem, aguardemos então os próximos desenvolvimentos, que nos deverão esclarecer quanto às efectivas intenções do FMI e também quanto à vontade real dos gregos se manterem no Euro - o que implica uma radical mudança de atitude colectiva - ou deixarem-se escorregar para um cenário desconhecido...
Voltaremos ao assunto, muito provavelmente.
Enviar um comentário