Ainda não vi tudo. Todos os dias tenho uma surpresa. Deveria reconverter os meus interesses para colecionador de surpresas.
Vi vários trabalhadores de diferentes atividades. Um grupo de “pintores" surgiu a mando da sua entidade. Nada de anormal. Vieram como estavam, “fardados” com as suas roupas de trabalho. Pelo aspeto deveriam trabalhar mesmo, sujos e pintados. Aceitei. Não é a primeira vez que acontece. No grupo de “sujos e pintados” surgiu um que me chamou a atenção. Alto, com a cabeça coberta pelo carapuço do blusão, ar meio-atolambado, sentou-se à minha frente. O quadro era mesmo impressionista. Deixava ver meia dúzia de espaços azulados, a testemunhar as cores primitivas das calças e três borrões limpos e acinzentados no blusão. O resto parecia ter sido pintado à espátula. Um quadro humano, pontilhista, mexia-se à minha frente. Cores diversas, branco, amarelo, vermelho, sobrepunham-se e ondulavam umas sobre as outras à medida que se mexia. Tanta sujidade. Fiquei por momentos na dúvida se era sujidade ou “arte”. Pensei, se tirasse uma foto iria ser um sucesso. Nunca vi tantas e coloridas manchas. Já vi muito. Sou cauteloso e tolerante nestes casos. Faz parte da profissão, mas o efeito que provocou foi de tal ordem que lhe perguntei: — Costuma ir ao médico nesta figura? Olhou-me e respondeu: — O patrão ordenou-nos vir assim! Não comentei, obviamente. Pensei, “Estes patrões não passam de uns espertos”. Enviam os desgraçados como estavam apenas para poder cumprir as obrigações legais, ou seja, ter o tal papelinho que diga que está apto a trabalhar, não vá aparecer o inspetor. Omito o nome da empresa. O que posso dizer é que a “bota bate com a perdigota”, ou seja, perfeita identidade nas cores e no efeito abstrato das mesmas!
O efeito impressionista não ficou só pela roupa. Após ter tirado as cascas externas, vi tatuagens. As tatuagens eram múltiplas, coloridas, desgarradas e despropositadas a querer demonstrar a essência do seu ser. Por fora estava sujo, mas sob a roupa não ficava atrás. A combinar com este duplo efeito, verdadeiramente impressionista, aliaram-se os odores. Múltiplos, e tão coloridos como as pinturas. Impressionaram, e muito. Aquando do exame neurológico, o pobre do martelo conseguiu uma proeza única, a agitação dos joelhos libertou pequenas nuvens de pó colorido, o direito, branco e o esquerdo, vermelho. Como não podia fugir, tossi.
Apto. Claro. Apto para trabalhar e para pintar paredes, mas também para ser uma verdadeira tela da vida…