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terça-feira, 31 de março de 2009

“Imperfeição”

Há dias no decurso de um almoço de trabalho um amigo engasgou-se. Bati-lhe, quase que diria simbolicamente, nas costas, já que não corria perigo de maior e preguei-lhe com a seguinte frase: - A natureza é muito imperfeita, não achas? Que raio de ideia cruzar as vias respiratória e digestiva! Só serve mesmo para nos engasgarmos. Riu-se no meio do embaraço, porque estávamos a falar dos defensores da perfeição de todos os níveis e espécies, desde os cientistas até aos fundamentalistas religiosos. Os argumentos que apresentam são de tal ordem que, por exemplo, no caso de muitas investigações epidemiológicas nunca seria possível efetuá-las visto que há sempre alguns vieses que muito dificilmente são ultrapassados. De qualquer modo não há impedimento na sua utilização, constituindo uma importante fonte de informação.
A “imperfeição” é uma constante da vida e tem contribuído para a evolução da mesma. Quem diria? Se olharmos e analisarmos para algumas situações poderemos comprovar que a evolução se faz à custa de compromissos. Para que servem nos homens os músculos para movimentar uma cauda que já não existe? Para que serve o famoso apêndice outrora muito útil para os nossos antepassados herbívoros e que agora, por vezes, é fonte de problemas? Por que carga de água o nervo responsável pela fala, nos homens e em muitos animais, não desce diretamente do cérebro à laringe e tem que dar uma volta pelo tórax e depois voltar a subir até à laringe? Enfim, são alguns exemplos que revelam a “imperfeição” da natureza. No fundo traduzem mecanismos de adaptação. Se tivesse havido uma “preocupação” inicial de criar ou originar um dia seres perfeitos não seria através destes mecanismos. A evolução, aqui no seu sentido mais amplo, exige “imperfeição”, a qual, mediante diversos compromissos, consegue alcançar novos patamares.
A imposição da “perfeição”, a que nos habituámos a ver e a ouvir, não se tem revelado muito eficaz ao longo da história da humanidade, antes pelo contrário. É preciso admitir que somos seres imperfeitos em todos os sentidos e que graças às tais “imperfeições” poderemos evoluir. Quando, por quaisquer razões, se pretende impor as verdades “absolutas” não descortino meios para solucionar os graves problemas da humanidade.
Através de compromissos é possível uma melhor adaptação ao meio ambiente e contribuir para um "melhor ambiente humano". No fundo, continuaremos de tempos a tempos a enfiar corpos estranhos no goto, a ter aborrecimentos quando a próstata se lembra de apertar a uretra, a sofrer de hérnias, porque alguém se lembrou de criar testículos dentro do organismo e depois viu que tinha que os expulsar para o exterior, enfim, é altura de aceitarmos a “imperfeição” como o motor da vida e da evolução. Melhorar a imperfeição ou ajustá-la às novas realidades? Esta última parece ser a mais consistente, fazendo-se à custa de compromissos. A evolução das espécies já há muito que tinha dado a resposta. Há que a transpor para outras esferas. A inteligência dos humanos também evoluiu de forma semelhante a ponto de adquirirmos uma consciência ética que nos leva a amar uns aos outros, a respeitar as liberdades e a lutar contra a miséria e o sofrimento. Mas, mesmo assim, não foi possível eliminar os “outros”, os tais que querem impor as suas ideias e princípios, os que não estão dispostos a aceitar quaisquer compromissos. Nem podia, obviamente, porque são tão “imperfeitos” quanto os primeiros, já que fazem parte da natureza e, por este motivo, conseguem animar as ideias, contribuindo para a evolução da espécie humana. Afinal a “imperfeição” é um dos principais pilares da evolução, graças a Deus, ou talvez não!

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