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domingo, 15 de março de 2009

Justiça aos “justos”

A canonização do Condestável Nuno Álvares Pereira tem sido objeto de múltiplas intervenções, crónicas e notícias, umas a favor, outras nem por isso.
Na Escola Primária, o meu professor descrevia as batalhas entre os portugueses e os castelhanos no final do século XIV, e os esforços para não ficarmos sob o domínio destes, criando em todos os alunos um sentimento nacionalista e anticastelhano.
A batalha de Aljubarrota foi-nos contada com muitos pormenores entre os quais destacou a nossa franca inferioridade numérica que fazia prever o pior. Graças ao Condestável - que se ajoelhava sempre antes de cada batalha perante a sua espada a lembrar a cruz e da qual conservo na minha memória o pequeno pormenor de Nuno Álvares Pereira a rezar detrás de uma rocha -, foi possível dar uma abada aos nossos inimigos. Fiquei muito satisfeito com esta vitória sobre os espanhóis. Eu pensava que só conseguíamos ganhar no hóquei em patins, no tempo em que éramos os melhores com o pau! Mas recordo-me de ter pensado por que é que Deus tinha dado preferência aos portugueses na batalha. Não abri a boca para fazer a pergunta, mas elaborei uma resposta: “do lado castelhano ninguém se lembrou de pedir a Deus a vitória, claro. Se tivesse havido, então o resultado poderia ter sido outro. Afinal, a razão por que é que o Condestável se escondia atrás de um rocha para rezar antes da batalha era para que o inimigo não o visse a meter uma cunha ao Todo-Poderoso. O Condestável era mesmo esperto.” Fiquei satisfeito com a minha interpretação.
Na altura já era beato, eu não, o Condestável. Por esse tempo, as relíquias de Nuno Álvares andaram pelo país. O que eu queria ver era a sua espada, que acreditava ser a mesma que usou na batalha de Aljubarrota e nas outras. É fácil de imaginar a sensação produzida num miúdo de dez anos quando tive a oportunidade de a ver. Fiquei estupefacto. Bem conservada. “Fartou-se de matar castelhanos!”
Admiro o Condestável por razões históricas, pela sua postura e opções de vida.
Mais tarde, frequentei o sexto e o sétimo ano no colégio Nun´Álvares onde aprendi muito, acabando por ganhar o meu primeiro prémio: O prémio Nun´Álvares, um certificado e um jeitoso prémio monetário. Só agora é que verifico que nunca o citei nos inúmeros currículos que já elaborei até hoje! Uma falta imperdoável.
Considero-o um herói nacional que deve ser recordado aos mais velhos e ensinado aos mais jovens, retirando aquele sentimento anticastelhano que, na altura, nos era injetado até à exaustão. Um fenómeno de imprinting que ainda hoje perdura. Para o controlar tenho que por em funcionamento a razão.
Fico surpreendido com algumas notícias segundo as quais uma das razões, porque não foi canonizado mais cedo, deveu-se aos espanhóis que não tinham interesse que tal acontecesse! Mas será que esta explicação é mesmo plausível? Não creio. Quem é que em Espanha conhece o Nuno Álvares? Saberão que houve uma batalha de Aljubarrota?
Quando fui a Espanha pela primeira vez, entrei em várias livrarias, tentando descobrir o que é que diziam os manuais de história espanhóis sobre aquele período. Fiquei dececionado. Nada! Não falavam das batalhas havidas e muito menos da de Aljubarrota. Eram apenas manuais. Mas a aprendizagem faz-se com estes livros.
Houve um período em que podia ter sido canonizado, mas, depreendo que se o tivessem feito seria por via “administrativa”. Esperaram por um milagre, e aí está ele, já conhecido pelo “milagre do salpico do óleo de fritar peixe”, uma forma de alguns desvalorizar a faceta de santo, não a outra.. De facto, não é por nada, mas merecia um milagre melhor, ou, então, a tal passagem administrativa ter-lhe-ia ficado muito bem, evitando certos sarcasmos que andam por aí. Dizem os entendidos que para se ser santo basta a forma como viveram e as suas qualidades, devendo constituir um exemplo para os demais.
Não consigo compreender as razões que levaram um fã do Condestável, um tenente-coronel, a considerar um “escândalo” que não fosse colocado nos cem primeiros” portugueses de sempre e que fosse eleito para terceiro “aquele diplomata cuja história está mal contada e que era praticamente um desconhecido da maioria das pessoas”. Quanto à primeira parte da sua afirmação nada a comentar, mas quanto à segunda merece um reparo. A tal figura “cuja história está mal contada” salvou milhares de pessoas, é considerado um “justo” pelos judeus e tem muitas mais qualidades do que muitos santos que andam por aí. Não fez milagres? Claro que fez! Milhares de milagres, bem documentados e que honra o nosso país e dignifica a Humanidade. Mesmo que um dia lhe seja atribuído um qualquer “milagre”, um ou dois “salpicos do que quer seja”, já reúne em si a tal santidade...
Justiça aos justos, enquanto a santidade não os transformar em santos...

1 comentário:

Bartolomeu disse...

Penso que não me engano se afirmar que a canonização é uma necessidade dos actuais inclinos desta propriedade horizontal onde nos acotovelamos.
Imagino que Nun'Alvares e outros tantos, beatos ou não, teríam objectivos e convicções diferentes da santidade.
Imagine-se que nos fosse possível viajar no tempo e encontrar-nos frente a frente com o conde estável.
Sô conde, desculpe lá a inconveniência, o senhor ajoelhou atrás do penedo porque os nervos antes da batalha lhe provocaram cólicas, ou foi mesmo para dirigir uma última prece ao altíssimo, rogando-Lhe a ajuda necesária para arroxar nos perros castelhanos?
Olhe... e relativamente à santidade, o senhor está mesmo empenhado em obter a auréola? ou para si o que conta é o servir Deus e os homens (se um e outros não forem uma única pessoa)?
Uma última pergunta: O senhor conde faz ideia de onde lhe vêm as visões que lhe dão a certeza da vitória nas batalhas? Sim? Então (está a deixar-me confuso) se tem essa certeza antecipada, o que o leva a implorar a protecção divina, minutos antes do início da batalha?
Ok, ok, peço-lhe imensa desculpa pelo incómodo, quem sou eu para questionar tão profundos desígnios...