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sábado, 7 de agosto de 2010

Matar o vício

Nunca compreendi porque é que se equivale a expressão “matar o vício” a satisfazê-lo, quando, pelo contrário, isso é alimentá-lo, nutri-lo; mas nunca aniquilá-lo. Aliás, tenho vindo a perceber que o conceito de “matar o vício” não faz qualquer sentido; um vício não se mata; adormece-se, seda-se, finta-se, suborna-se; mas não se consegue eliminar. Neste momento, já é bom de ver que me encontro a meio de uma tentativa de deixar de fumar – prazer que me acompanhou durante toda a adultícia e, receio afirmá-lo, também a orla setentrional da adolescência.

Razão?...Estou cansado; não suporto mais o vilipêndio e ostracização a que, com os camaradas fumadores, tenho sido votado, com particular intensidade desde a passagem do prezado Prof. Correia de Campos pelo Ministério da Saúde. Nos restaurantes, comecei a ser obrigado a enfrentar intempéries para garantir volúpia de um cigarro entre “pratos”; no local de trabalho passei a ter que me deslocar a uma escada escura e insalubre para poder entremear com um cigarro duas tarefas distintas; mas confesso que o mais cruel dos carrascos foi...a minha mãe, que não se eximia a levantar a questão qualquer que fosse a ocasião, o contexto, ou minha disposição. (Felizmente para ela que não me lembro das riquezas que me foram prometidas em troca da tal decisão).

De maneira que enchi-me de coragem e, depois de anos e anos a “matar o vício”, decidi deixar de o alimentar. Sem recurso a qualquer tipo de medicina. O primeiro passo que tive que dar foi de natureza taxonómica: fumar passara de prazer a vício. Depois desta indispensável etapa, pus-me a elaborar a negra contabilidade do vício, nas suas mais variadas vertentes. Daí que, munido do correcto estado de espírito e de uma convincente “análise custo-benefício”, foi fácil concluir da bondade da minha decisão. Fim da história...espere aí, caro leitor, só mais uma coisa – é que esta coisa de ser economista não me sai das entranhas e preciso colocar uma questão: será esta minha decisão óptima à Pareto? Ou seja, será que toda a gente sai a ganhar com a minha decisão?

A resposta é não, mesmo excluindo as tabaqueiras. Então?

Comecemos pelos “ganhadores”: (i) Eu, que assim prolongo a minha esperança de vida, recupero algumas das faculdades que os avisos dos maços de tabaco dizem ficar afectadas com o fumo e passo a poder ter conversas normais com a minha mãe; (ii) o meu agregado familiar, que assim dispõe de um rendimento disponível maior; (iii) o meu empregador, que assim recupera alguma da produtividade que se “esfumava” com os cigarritos.

“Perdedores”: (i) à cabeça, o Dr. Teixeira dos Santos, que assim perde um membro do exército dos mais dóceis e fieis contribuintes e que são os primeiros a ser chamados quando se trata de financiar os desvarios financeiros do Mestre; (ii) os contribuintes em geral, que assim perdem uma receita fiscal significativa e acíclica; (iii) a geração dos meus filhos, que em termos estatísticos terá que suportar a minha reforma por mais anos (devido à maior esperança de vida dos não-fumadores).

Vai-se a ver, e até seria economicamente eficiente subsidiar a minha permanência na categoria dos fumadores! Aviso já que não estou disposto a negociar, pois o meu desejo é mesmo deixar de fumar. Só espero, se bem sucedido, não virar um daqueles prosélitos do anti-tabagismo, que hoje tanto desdenho.

7 comentários:

Adriano Volframista disse...

Prof Brandão de Brito

Completamente de acordo, concordo em grau género e número.
Um pequena adenda:
Acrescente aos ganhadores o serviço nacional de saúde, porque estudos recentes concluíram que globalmente, os gastos de saúde com fumadores são inferiores aos dos não fumadores
Cumprimentos
João

Catarina disse...

Mesmo se virar prosélito, valerá a pena! Força para nunca sucumbir aos sintomas de abstinência. Desejo-lhe sucesso. : )

José Meireles Graça disse...

Os fundamentos e consequências da decisão parecem-me completamente enviesados, denotando falhas metodológicas e substanciais que a inquinam de modo irremediável. Vejamos: "Ganhadores" - (i) Para não perder as faculdades basta seleccionar os maços de tabaco com os avisos menos perniciosos - a mim ninguém me verá a fumar daqueles maços que avisam contra a impotência. Prefiro os que previnem contra a morte, dado que de toda a maneira não tenho pressa nenhuma; (ii) Essa está muito boa: O que se poupa pode ser usado sem qualquer benefício para a família, por exemplo no poker sintético. (iii) O tempo que sobra por não se fumar é geralmente consumido em expansões conversadeiras com a(o)s colegas: não se percebe o que ganha o empregador com isso. "Perdedores" - (i) Ora ora, não há receita suficiente para satisfazer a sofreguidão; nem falta de receita que tire o sono ao santo homem: em devido tempo retirar-se-á para uma merecida reforma e perorará sobre economia e finanças públicas - enquanto fuma um cigarro; (ii) O que a experiência demonstra é que quem suporta estas e outras falhas são os credores, mais do que os contribuintes. Acha mesmo que eles, os credores, estão preocupados com peanuts? (iii) Os seus filhos vão emigrar.
Quod erat demonstrandum.

Bartolomeu disse...

O Bartolomeu, fumou cigarros, desde os 14 anos até aos 28 anos, aí passou a fumar cigarrilhas, começou nas café creme e quando ía já nas Davidoff Panatellas e Cohibas, saltou para o cachimbo e o Mayflower e em seguida, regressou às cigarilhas, aí, aos 30 anos, cessou o consumo de tabaco.
Esta decisão não se sujeitou a qualquer processo reivindicativo, ou atenuador. Foi uma pura decisão, completa e únicamente decisão. No dia seguinte, colocou a latinha das cigarrilhas sobrantes em cima da secretária, abriu-a e retirou um exemplar, (nesse tempo não existia ainda a proibição de fumar em recintos fechados) e ficou uns momentos a olhar para ela, na tentativa de que a vontade de fumar, o voltasse a convidar e a dar-lhe a oportunidade de declarar, olhos nas cigarrilhas, NÃO, a minha vontade impera sobre a vossa sedução! Mas não, talvez devido à determinação que o seu olhar denunciava, elas (as cigarrilhas) não tugiram, nem mugiram, remetendo-se à sua caixa obscura, até se acharem cobertas de bulor, altura em que o Bartolomeu as remeteu determinada e definitivamente para o caixote do lixo.

Tonibler disse...

Nenhum contribuinte perde quando outro paga menos impostos...

De resto, deixe-me dar-lhe os parabéns pelo feito (que só quem passou por ele sabe o que custa) e dizer-lhe que sim, sim vai ser um militante anti-tabagista, apesar de hoje em dia, devido ao ambiente proibicionista, a terefa de ser anti está muito facilitada.

Espero que nunca se esqueça que, tal como os viciados em herorína, nunca deixará de ser viciado. Pelo que não pode fumar só um nas ocasiões, nem dar uma passinha, nem um charuto no casamento, nem....

Tavares Moreira disse...

Há uma solução tntermédia, caro Doutor Brandão de Brito: deixa de fumar mas continua a comprar tabaco...
O fisco agradece e os benefícios para a sua saúde não se perdem.
Resta decidir o que fazer ao tabaco adquirido e não consumido - admito que envia-lo para um CIRVER possa ser a solução...

Suzana Toscano disse...

Não sei, caro José maria, todo esse discurso me parece muito racional para quem vai mesmo deixar de fumar. Não quero desanimá-lo,mas como fumadora-que-já-deixou-de-fumar-e-voltou-a-fumar devo avisá-lo de que não há nada como o impulso, deixar e acabou, assim de um dia para o outro. E seguir o conselho avisado do caro Tonibler, nada de cedências nas festas ou a discutir política, e fugir de quem cheio de pena lhe oferece um cigarrito. Boa sorte, o novo bebe em casa vai de certeza ajudar a acabar com o vício :)