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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Quem nos acode?

Foi no Sábado à tarde, no centro de Lisboa. Acabo de estacionar o meu carro a meia dúzia de passos do cruzamento onde dois carros, um deles a grande velocidade colide com o outro que vinha em sentido contrário. Dá duas voltas pelo ar e vai enfaixar-se contra um poste de semáforo que lhe travou o caminho. Corro, com o coração aos pulos, para ver se as pessoas estão bem e se precisam de ajuda. O que vejo pela minha frente é um cenário de destruição, um homem e um miúdo (vim posteriormente a saber tratar-se de pai e filho) imobilizados, entalados no interior do carro, o homem em situação gravíssima e a criança mal, em estado de choque, aos gritos "Papá, Papá, não morras!".
Ligo imediatamente para o 112 - Número Nacional de Emergência - e sou atendida por um operador que encaminha supostamente a chamada para outro operador. Sou, então, atendida por um gravador, que, alternadamente em português e inglês, me diz algo do género aguarde, que logo que possível a sua chamada será atendida. A mensagem repetiu-se várias vezes, mas nada. Desliguei, fiquei indignada e muito preocupada.
Entretanto, apareceram vários polícias que estavam a fazer guarda a um edifício público à esquina do cruzamento em que se deu o acidente. Perguntei-lhes se tinham chamado o 112, acenaram que sim. Estavam ao telemóvel. Os minutos iam correndo e a situação das vítimas, em especial o homem, que não me atrevo a descrever, aparentava agravar-se. Passaram-se 10 minutos e nada. Volto a ligar o 112. Sou atendida pela mesma pessoa a quem explico o acidente, pedindo-lhe que não me voltasse a passar um gravador. Falei, então, com alguém a quem expliquei a situação mais detalhadamente. A resposta que obtive foi nem mais nem menos, temos muitos pedidos, têm que esperar. Não queria acreditar no que acabara de ouvir. É uma resposta que um 112 nunca pode dar. Pode dar outras, mas esta não.
De entre as pessoas que se juntaram no cruzamento estava um médico francês, dentista – em férias - que deu as primeiras orientações sobre o que não se devia fazer, pois já tinham passado uns largos 10 a 15 minutos e algumas pessoas lembraram-se de trazer gelo e água para ajudar as vítimas. Como ninguém falava francês servi de interlocutora. O médico explicou-me que era essencial manter, se possível, as vítimas a falar ou, não sendo capazes, obrigá-las a fixar a atenção a sinais ou palavras em seu redor, assim como era fundamental pedir-lhes que fossem mexendo uma ou mais partes do corpo, os dedos da mão, um pé, qualquer parte do corpo. Mantive as vítimas atentas à conversa que fui tentando fazer. Foi uma eternidade. O médico francês estava perplexo com a demora de socorro e estava muito preocupado porque os minutos faziam toda a diferença. Disse-me que em França a lei impõe que a emergência nas cidades chegue ao local em menos de 5 minutos.
Quando o INEM chegou ao local já tinham voado, à vontade, 20 minutos. E não bastando a falta de rapidez de socorro, ainda mais esta. Houve necessidade de desencarcerar as vítimas. Os bombeiros levaram, em cima dos 20 minutos, mais de meia hora a chegar, fora o tempo necessário para fazerem o trabalho. Esta é a história de um acidente grave envolvendo duas pessoas a precisarem de ajuda, que foram assistidas 20 minutos após a primeira tentativa de pedido de socorro e finalmente retiradas do carro e transportadas para o hospital depois de um calvário de esperas e demoras que se saldou em mais de uma hora.
E que dizer das duas outras pessoas que seguiam no outro carro, a quem fisicamente nada aconteceu, mas que estavam em estado de choque. Uma delas tremia que nem varas verdes. Não dizia coisa com coisa. Apoio psicológico? Nem vê-lo.
Assim vai a capacidade de resposta do INEM (ou a falta dela) e a sua eficiente organização (ou desorganização). Assim são tratadas as pessoas que precisam de ser socorridas com rapidez e segurança nos momentos de maior aflição, em que a vida pode estar por um fio. Estes momentos não escolhem dias e horas, nem fins-de-semana, nem férias e não se compadecem com a maior ou menor falta de recursos e a sua deficiente organização, nem tão pouco com as abordagens “economicistas” que agora estão na moda. Uma resposta pronta não pode ser uma lotaria.
A ver por este caso e por muitos outros que vão sendo relatados em círculos de pessoas amigas e na comunicação social o pronto socorro do INEM não vai bem...

28 comentários:

Catarina disse...

Fico sem palavras para descrever o que sinto neste momento ao ler a sua crónica. Mal posso acreditar na falta de rapidez, na ineficácia dos serviços de emergência.
Nesta altura, noutro país, tenho a certeza que a gravação desse telefonema para o 112 já estaria em todas as estações de rádio e televisão e ter-se-ia iniciado um inquérito de imediato.
Que se esqueçam de TGVs e outros projectos não prioritários e invistam em serviços essenciais! Que vergonha!

Bartolomeu disse...

Diria a minha avó, se ainda fosse viva "estamos entregues aos bichos"... parece que ainda consigo ouvi-la.
E é bem verdade... estamos realmente, entregues a uns bichos muito estranhos, que nem sei se os classifique de necrófagos, se de canibais, mas não me restam dúvidas... alimentam-se da carne dos seus semelhantes!

Anónimo disse...

Cara Margarida, não será o que relata apenas mais um sintoma dum país a empobrecer cada vez mais e que vai cortando custos nessas coisas? É triste, muito triste. Mas é essa a realidade Portuguesa e, suspeito, será por muitos e maus anos. Tenho pena? Sim, muita pena. Mas não me admiro.

Pinho Cardão disse...

Margarida:
Pois eu continuo na minha e os factos todos os dias me dão razão: quando o Estado é máximo, o serviço é mínimo.
Quem me dera um Estado que deixe a outrem o que é surpéfluo e atenda ao essencial.

hf disse...

Em contrapartida temos Expo 98, Euro 2004, vamos organizar um mundial de futebol, vamos fazer um aeroporto moderno, um comboio moderno, temos metropolitanos em várias cidades e computadores portáteis para a miudagem. Tudo isto são dádivas da abordagem "economicista". Quanto ao que refere não há problema porque está garantida a saúde pela constituição de "Abril" que esses malvados "economicistas" nos querem tirar...

hf disse...

Entre quinta e sexta fiz duas viagens pelo país. Os media informam-nos que a situação dos incêndios é grave. O que se vê nas estradas? Os bombeiros a conduzirem camiões e jipe de museu em velocidades alucinantes de 40 ou 50 km/h em Autoestrada. O "economicismo" deu-nos a SCUT mas não sobrou para os Bombeiros. O "economicismo" deu-nos o Magalhães mas não sobrou para aquecimento nas escolas do Nordeste Transmontano. O "economicismo" deu-nos a saúde gratuita mas não sobrou para o "ar-condicionado" nos hospitais do interior alentejano... É assim porque os opositores do "economicismo" acham que o Estado deve "Providenciar" tudo e mais alguma coisa... e depois dá numa mão cheia de nada e dívidas para os nossos netos...

Suzana Toscano disse...

O caro hf tem toda a razão e as notícias que surgem com frequência sobre as carências di INEM ou outros serviços indispensáveis mostram que nos tornámos um pais de novos ricos...mas por pouco tempo!

jotaC disse...

Não devia acontecer...mas, infelizmente, este modo de actuar está a ser recorrente e temo que a persistir tal atitude irresponsável de uns e de outros, cheguemos ao ponto de qualquer dia serem as agências funerárias a atenderem...

Pinho Cardão disse...

Caro HF:
Subscrevo inteiramente.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Pois é, às queixas em relação ao INEM temos que juntar muitas outras em relação aos serviços essenciais a que o SNS não dá resposta. São centenas de milhares de portugueses sem médico de família, são filas de espera para cirurgia, consultas de especialidade e tratamentos, é o caos nas urgências, são as enfermarias infectas de alguns hospitais, é a desumanidade dos regimes de visitas aos doentes internados nos hospitais, são os adiantamentos financeiros que os doentes têm que fazer para serem tratados em hospitais privados e as demoras de meses a fio para serem reembolsados pelo Estado, é a falta de médicos e muito mais. Entretanto, o sector privado já assegura, de acordo com as notícias hoje publicadas, 40% dos cuidados de saúde dos portugueses. Cuidados de saúde que são prestados a quem tem a possibilidade de pagar, porque as pessoas sem recursos financeiros não têm opção de escolha. Aqui está uma amostra do estado do nosso Estado Social!

Adriano Volframista disse...

Cara Margarida C Aguiar

O episódio que relatou dizia respeito a um acidente grave.
Pode imaginar o que se passa com situações menos graves?
Pois, nos últimos dois anos tenho, pelo menos, três situações completamente surrealistas com o INEM.
Cumprimentos
joão

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro joao
Mais do que imaginar, é ter presente os casos reais que conhecemos. Nos últimos tempos fiquei a conhecer melhor, pelas piores razões, o que é o funcionamento de alguns serviços públicos de saúde, designadamente as urgências e os hospitais. Passam-se coisas incríveis, próprias de um país subdesenvolvido, que põem em causa a saúde e a segurança das pessoas, para já não falar do tratamento que é dado às famílias dos doentes, obstruindo, por exemplo, o direito de informação sobre a sua situação clínica. Uma vergonha!

Mani Pulite disse...

PIOR DO QUE ENTREGUES AOS BICHOS ESTAMOS ENTREGUES AOS SOCIALISTAS.

João Campos disse...

O relato é aterrador, mas resta saber como decorreu a assistência às vítimas do acidente quando finalmente chegaram ao hospital. É que esse, e digo-o por experiência, costuma ser outro calvário...

H. Ramos disse...

Em Braga, junto à universidade, pra lá das 4 da madrugada, 1 hora à espera da ambulância, braço aberto do cotovelo ao pulso, essa vi eu, já lá vão mais de dois anos...

Nuno Pedrosa disse...

Há 2 anos. 2 vezes liguei para o 112 e 2 vezes não me atenderam. Corri para o hospital por minha conta.

É corte onde se deve gastar para ter onde esbanjar.

Peliteiro disse...

Copiei. Obrigado.

Unknown disse...

esde que Abílio Gomes assumiu a chefia do INEM só têm sucedido equívocos e má gestão.
Um dos maiores “flops” da Saúde.

E vai piorar… Um homem do exército, sem qualquer habilidade de gestão ou planeamento ou sequer conhecimento sobre a Emergência Pré-hospitalar… dá nisto…

E vai ser pior: Se lerem o plano estratégico para a emergência pré-hospitalar a cargo do excelentíssimo Manuel Pizarro e avalizado por este Abílio Gomes perceberão porque é que terá tendência a piorar…

Perguntem-se quem está do lado de lá dos telefones do INEM(se têm alguma competência ou conhecimento na área da Saúde que permita saber quais os meios a accionar)ou da maioria de quem está no terreno: Em situações de Urgência/Emergência dentro dum hospital estão profissionais do mais diferenciado que há… cá fora é amadores…

http//saudeeportugal.blogspot.com

Nuno disse...

O que nos conta é o que está perante os nossos olhos se os tivermos abertos.
É o resultado de um governo miserável cujo exemplo é depois seguido pela cambada do funcionalismo público.
Na saúde, tenho a impressão e por experiência própria que poucos são os verdadeiramente dedicados e, nos serviços particulares, a coisa já está também e levar um mau caminho, com uma degradação evidente.
Trata-se de desleixo e de seguidismo, a que se junta a ordem para cortar, cegamente, as despesas.

Nuno

Joao disse...

É sem dúvida uma experiência traumatizante e trágica. Foram 20 minutos? Quantos deveriam ter sido? Conte-lhes o mesmo, para aqui:
gabinformacao@inem.pt
Dará resultado?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caros Comentadores
São muitos os casos a ilustrar que muita coisa vai mal no INEM.
Um serviço público desta importância deveria desenvolver a sua actividade com toda a transparência, não só porque deve prestar contas ao público em geral do desempenho da sua missão, como deve através de dados tornados públicos autoretratar-se, justificar-se e propor medidas para corrigir o que está mal e melhorar a qualidade do serviço. É também fundamental para responsabilizar a tutela política perante a opinião pública. Trata-se de uma entidade que deveria estar sujeita a uma avaliação periódica de qualidade por parte de uma entidade independente, sendo que os resultados deveriam ser do conhecimento público.
Está em causa a vida de pessoas que em momentos difíceis precisam de ser socorridas. Esta é sem dúvida uma função que deveria ser engrandecida porque não há nada mais importante do que a vida e os cidadãos sentirem que perante dificuldades graves serão ajudados de acordo com os melhores procedimentos e as melhores práticas de auxílio médico.

Caro joao
São experiências traumatizantes que podem acabar da pior maneira. Mas são também experiências que embora sejam dos outros, interiorizamos rapidamente com a percepção de que um dia também poderão ser as nossas, mas com a esperança de que não aconteçam e que o INEM nos trate bem.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Joao
Desculpe o "joao" que evidentemente é Joao.

PauloQ disse...

Exma Senhora.

Existe mto medo , popularmente e não só, até para ajudar pessoas em coma.

PauloQ disse...

Caro Joao
Colocar o problema ao INEM, directamente, é das poucas coisas que se pode fazer, e que dêem resultado.
Ter esperança, só numa vida vindoura. Em coisas terrenas, é um erro.
Mas deve o Joao, ser o primeiro, com nome próprio, a enviar para lá. Dar o exemplo. E a seguir, dizer (e até provar) que o fez, e dizer a outros para fazerem o mesmo.

/Evidente, que politizar a questão, não ajuda.)

Unknown disse...

Breve explicação do sucedido.

http://tecnicoambulancia.blogspot.com/

Cumprimentos

Bartolomeu disse...

TAE, a justificação dada para o atraso verificado é no mínimo ridícula, por várias razões:
-Pelo motivo de que se serve, depreende-se que só serão prontamente atendidos, os pedidos de urgência em que se não verifique uma coincidência de chamadas para o mesmo acidente.
-A mesma justificação deixa-nos crer que o pesoal que atende as chamadas não estará preparado para perceber que o 2º, vá lá... o 3º telefonema, coincide com o 1º, pelas características e sobretudo pela localização referenciada, tratando imediatamente de informar o requisitante, desbloquendo a linha.
- Leva-nos ainda a concluir que, mesmo havendo duplicação, triplicação... multiplicação do mesmo pedido, a primeira chamada, só é encaminhada, depois de completas as 19 restantes...
Tenha paciência, mas essa justificação não colhe.
A actuação do INEM é meritória? Sem dúvida! Salva vidas? Inquestionável! Necessitam os técnicos que prestam assistência de melhores condições e meios técnicos de trabalho e de equipamentos, que lhes permitam acudir mais rápida e eficientemente? Não coloco a menor dúvida!
Agora, tal como é dito no post linkado... podem suceder imponderáveis que condicionem a acção mais rápida e a chegada da emergência ao local, todos conseguimos entender que sim, o imponderável é que nunca pode ser uma coincidência de chamadas para o mesmo caso, até porque, quanto mais tempo demorar a emergência a chegar, mais chamadas se acumularão, para prejuízo do desgraçado que ficou todo partido.

Unknown disse...

Quando diz:
"Pelo motivo de que se serve, depreende-se que só serão prontamente atendidos, os pedidos de urgência em que se não verifique uma coincidência de chamadas para o mesmo acidente."

O pedido foi prontamente atendido. Não tenha a menor duvida.
A questão levantada não é se o pedido foi atendido mas O TEMPO que demorou a ser atendida a chamada da referida utente.


"-A mesma justificação deixa-nos crer que o pesoal que atende as chamadas não estará preparado para perceber que o 2º, vá lá... o 3º telefonema, coincide com o 1º, pelas características e sobretudo pela localização referenciada, tratando imediatamente de informar o requisitante, desbloquendo a linha."

A chamada foi identificada como repetida da mesma situação. Caso contrário não iria uma Ambulância ao local ams sim 20... Não foram pois nao? Detectou-se que era pedido duplicado, triplicado etc. Esse seu comentário é no minimo absurdo.

"- Leva-nos ainda a concluir que, mesmo havendo duplicação, triplicação... multiplicação do mesmo pedido, a primeira chamada, só é encaminhada, depois de completas as 19 restantes...
Tenha paciência, mas essa justificação não colhe."

A primeira chamada, para a qual foi enviada resposta NÃO é a da utente em questão.
A ajuda foi prontamente enviada.
O que acontece por vezes, é depois de "cair" a primeira chamada no CODU, e enviada ajuda, as seguintes poderem de alguma forma contribuir para o CODU saber a evolução clinica do sinistrado e decidir se envia ou não mais meios ou outros meios.

Bartolomeu disse...

Bom, TAE... se a ajuda foi prontamente enviada, e se a primeira chamada, para a qual foienviada resposta, não é a da utente em questão, deveremos inferir que a chamada que produziu efeito, foi a vigésima?