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sábado, 18 de dezembro de 2010

“Bom dia, tristeza”

Envelhecer é um privilégio, sobretudo se for acompanhado de um razoável estado de saúde. A perceção das alterações é mais ou menos evidente; umas vezes ocorrem abruptamente, outras insidiosamente dando tempo a que nos adaptemos sem angústia ou dor. A par das alterações fisiológicas, também a forma de ver o mundo e lidar com os acontecimentos sofrem modificações. São muito importantes, mas para darmos conta da sua existência é preciso que o tempo escorra demoradamente através da ampulheta da vida.
A inteligência emocional e as capacidades cognitivas modificam-se, de uma forma particular, à entrada do sexto decénio da existência, propiciando vantagens, quer no campo profissional, quer nas relações pessoais. Há quem afirme que a evolução otimizou o nosso sistema nervoso para intensificar os processos de relações interpessoais e de compaixão à medida que envelhecemos. Não sei se a evolução tem algum interesse em investir no estado de exceção que é o envelhecimento. Dou de barato esta observação e regresso, imediatamente, à questão inicial, porque é que a partir de certa idade os mais velhos são capazes de demonstrar capacidades interessantes e muito diferentes dos mais novos ante as mesmas situações? Os mais velhos conseguem ver ou extrair aspetos positivos de acontecimentos stressantes e dramáticos e simpatizam com os mais infortunados. Esta forma de reinterpretar cenas negativas em formas positivas é fruto de um mecanismo desencadeado pela experiência da vida e pelas lições aprendidas, dando algum significado à velha expressão de que “o diabo sabe muito, não por ser diabo, mas por ser velho”. 
Estas observações, simples, têm sido objeto de estudos muito interessantes, através dos quais grupos de pessoas pertencentes a diferentes grupos etários, vinte, quarenta e sessenta anos foram sujeitos às mesmas agressões e experiências. O comportamento de supressão, denotado pelos mais novos, não é muito saudável para controlar as emoções; os adultos mais velhos sabem resolver as situações extraindo tudo o que possa melhorar a qualidade de vida, embora, e aqui realço um aspeto importante, possam sentir mais tristeza, tristeza essa que leva a uma maior intimidade, intensificando as relações interpessoais. Poderão pensar, então, se ficam mais tristes correm mais risco de depressão! Não forçosamente, porque a tristeza constitui uma emoção muito útil na fase tardia da vida. Neste período, como todos sabem, os infortúnios têm tendência para se avolumarem devido à ordem natural das coisas, e, nestes casos, a tristeza permite compreender, dar e receber conforto, ajudando a criar uma atmosfera de intimidade nas relações interpessoais, indispensáveis para aguentar a última etapa.
É certo que a experiência acumulada é um fator importante, mas não chega para explicar todos os fenómenos. Afinal, também há uma base neurológica, o cérebro pré-frontal, responsável pelas “funções executivas”, memória, planeamento e controlador dos impulsos, diminui com a idade, levando-nos a ver e a sentir o mundo de uma forma diferente, mas bastante útil para conseguirmos adaptar às novas situações que o tempo inexoravelmente se encarrega de construir e de nos presentear. Há vantagens? Penso ter explicado que sim, ver algo de positivo em situações negativas, não as rejeitar ou fugir, como acontece em idades mais jovens, e não considerar a tristeza como algo negativo ou patológico, mas como uma emoção saudável para compreender e resolver os inúmeros problemas que as vidas longas propiciam, são uma forma equilibrada que a “evolução” terá desenvolvido para nos ajudar. No fundo, estes fenómenos materializam-se numa maior solidariedade, intimidade, compaixão, reforço das relações interpessoais, contribuindo para uma vida melhor, inclusive, dos mais novos.
Quando acabei de ler o estudo, pensei: - É capaz de ser mesmo verdade, porque começo a reagir desta maneira e, não tarda, vou entrar neste grupo etário...

Bom dia, tristeza 

Que tarde, tristeza 


Você veio hoje me ver 


Já estava ficando 


Até meio triste 

De estar tanto tempo 


Longe de você




Se chegue, tristeza


Se sente comigo


Aqui, nesta mesa de bar


Beba do meu copo


Me dê o seu ombro

Que é para eu chorar


Chorar de tristeza


Tristeza de amar
(Vinicius de Morais)

7 comentários:

Catarina disse...

A tristeza entristece-me. Até agora não lhe atribuia qualquer benefício. Vou interiorizar e exteriorizar este sentimento com mais atenção... e simultaneamente, cuidar melhor do cérebro pré-frontal : )
Boas Festas, caríssimo Prof.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Gostei imenso do seu texto. Uma oportunidade para reflectirmos para além das rotinas chatas que enchem uma boa parte do nosso tempo.
Ao contrário de tanta gente que olha para o envelhecimento como um drama, o seu texto mostra-nos que não tem que ser assim. O envelhecimento é inexorável e portanto não temos outro remédio que não seja tirarmos partido dele. É verdade que a experiência nos traz sabedoria de vida e uma maior resistência para reagirmos e convivermos com os acontecimentos tristes da vida. Sempre pensei que a base neurológica introduz alterações importantes na forma de ver e sentir a vida, como que tendo uma função adaptativa para ajudar os mais velhos a lidar com os acontecimentos próprios das idades avançadas. Não há dúvida que a compreensão da vida e a expressão dos afectos nas suas múltiplas dimensões são enriquecidas com a idade, o que permite olhar para a vida e para os outros com maior respeito. Envelhecemos com a idade mas, ao mesmo tempo, crescemos interiormente. Não é preciso ser velho para perceber que é assim. Se estivermos atentos ao passar dos anos vamos confirmando, com serenidade e satisfação, que assim é.

just-in-time disse...

Meu Caro Massano Cardoso
O que a vida me tem ensinado é que nos quarentas adquirimos a noção de finitude, nos cinquentas acontecem alguns episódios que reduzem a nossa plenitude e que nos obrigam a fazer alguns ajustamentos e que nos sessentas nos viramos para a filosofia, i.é, procuramos as bases para levar uma vida boa e dar-lhe mais importância do que a uma vida longa.
Ao mesmo tempo ganha-se a capacidade para conviver com a tristeza.
Finalmente, recordo-me de ter ficado muito impressionado quando tinha 28 anos e falava com um médico de 58 anos sobre a reacção de alguém, também de 58 anos, que sofrera uma doença grave, e recebi a resposta: não se preocupe que as pessoas, com a idade, por autoprotecção, ganham algum distanciamento ao sofrimento. Hoje, que já passei por essa idade, acho que a vida continua a ter imenso interesse e muito mais tranquilidade.
Finalmente, desejo-lhe uma óptima entrada nos sessentas.
Um abraço.

just-in-time disse...

Vejo que escrevi 2 "finalmente": vicissitudes de quem usa o PDA em vez do computador! ;)

Suzana Toscano disse...

Estou com a Catarina, a tristeza entristece-me, preciso de alegria e entusiasmo à minha volta para viver a vida plenamente. Mas também é certo que a tristeza, ou um certo desprendimento do que antes nos dava emoção, compensa-nos com uma tranquilidade mediana que torna mais suportável o que antes nos indignaria ou faria correr de entusiasmo.O Prof. Massano já aqui nos trouxe inúmeras provas do seu inconformismo, sob a forma de inquietação e, quantas vezes, de revolta e indignação, espero sinceramente que os 60 a aproximarem-se não lhe tirem essa maravilhosa capacidade de resistir à tristeza!

Jeune Dame de Jazz disse...

No tempo em que comecei a pensar que talvez esse acordar da "tristeza" se pudesse resumir à "deficiência" («disfunção») do raio da molécula CD28(http://tocandosemtocar.blogspot.com/search?q=Envelhecimento) não consegui deixar de pensar na idade como mistério (sublinho), pois aponta para o mesmo que aponta o seu "Bom dia, tristeza"! Ou seja, procurou a explicação (digamos) biológica ("Afinal, também há uma base neurológica, o cérebro pré-frontal, responsável pelas "funções executivas", memória, planeamento e controlador dos impulsos, diminui com a idade(...)"), sem nunca se conseguir demarcar do ponto de vista existencial! A tal "estranha sensação de angústia" que tanto falo... :)

jotaC disse...

Caro Professor Massano Cardoso:
É bem capaz de ser assim, faz todo o sentido, nesta idade já acumulámos muita experiência de vida, já ultrapassámos muita tristeza que julgávamos nunca mais nos abandonar, como a perda dos pais, uma sensação estranha a lembrar-nos que tudo tem um fim, que estamos a seguir, mas no entanto seguimos em frente, mais abertos e compreensíveis àquilo que nos rodeia, inclusive às mazelas que vão surgindo que obrigam a esperar pacientemente a vez na sala do consultório, atitude impensável há anos atrás, em que esperar era uma eternidade a provocar irritação e azedume, quando não desistência... Por tudo isto deve ser mesmo assim, e convém que seja (!), até porque é mais um ano que está a chegar ao fim…

Aproveito a oportunidade para a expressar a todos votos de um Feliz Natal e Bom Ano Novo.