Independentemente da avaliação que se possa fazer do que correu bem ou correu mal na sociedade portuguesa nos últimos 31 anos, avaliação sempre condicionada pelo posicionamento ideológico ou doutrinário ou pela experiência vivida por cada um, a revolução democrática do 25 de Abril marcou uma alteração profunda nas estruturas da sociedade portuguesa. De tanto falarmos em reformas esquecemos as mudanças profundas, tantas vezes imperceptíveis, que moldaram uma outra sociedade, novos sistemas de valores, novos padrões de conduta, novas expressões culturais, sem que o legado do passado deixasse de inscrever teimosamente algumas das suas marcas que nos acompanham no dia a dia.
É esse balanço que nos propomos fazer convidando os nossos colaboradores e comentadores a contribuir para essa reflexão colectiva. Mais do que julgar o passado, interessa-nos compreendê-lo na maior extensão possível. Mais do que estabelecer analogias, interessa-nos retirar ensinamentos. Mais do que recordarmos nostalgicamente valores perdidos, queremos apreender sentidos do devir.
O JM Ferreira de Almeida dará o “pontapé de saída” nos direitos, liberdades e instituições, eu fá-lo-ei no posicionamento face ao exterior, na organização social e no sistema de valores. Tudo o resto é bem-vindo, o nosso papel é tão só o de “provocadores”.
O fim do ciclo dos Impérios – Com a descolonização encerraram-se cinco séculos de história em que a sociedade portuguesa dirigiu o fundamental do seu esforço para fora do seu território. Durante esse período apenas detectamos o inter-ciclo da monarquia constitucional, entre a independência do Brasil e o assumir definitivo do Império colonial africano pela participação portuguesa na I Guerra Mundial, em que o retorno ao “solo pátrio” interrompeu esta marca secular. Como uma pequena e limitada sociedade periférica conseguiu construir e sustentar tão vasto Império, durante tanto tempo, é um bom motivo de reflexão. Porque o fez até tão tarde, também. É, na minha opinião, a mais profunda e radical mudança estrutural desencadeada pelo 25 de Abril.
A integração europeia – Viabilizada pela descolonização, surgiu como opção natural depois da integração envergonhada permitida pela adesão à EFTA. Foi ela e a perspectiva de concretização rápida através do alargamento da CEE que afastaram as sucessivas soluções anti-democráticas que emergiram da Revolução. Longe de atenuar o carácter semi-periférico da economia e da sociedade portuguesas, a integração na CEE-UE parece tê-lo consolidado, perdendo-se a oportunidade de “dar o salto” no modelo de desenvolvimento.
O último dos golpes militares – Desde 1817, data da primeira tentativa frustrada de Gomes Freire de Andrade, todas as mudanças políticas de fundo foram desencadeadas por movimentos militares que exerceram até finais da década de 80 uma função tutelar da vida nacional. Mais do que promotores e intérpretes de mudança, os militares preencheram o vazio de um tradicional deficit de participação cívica e de cidadania, bem como iludiram a estrutural fragilidade das classes médias urbanas face aos poderes oligárquicos.
(a continuar …)
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