“A vergonha é a tristeza que acompanha a ideia de alguma acção que imaginamos censurada pelos outros” (Spinoza).
A leitura do livro de Stefan Zweig, “Magalhães - o homem e o seu feito”, levou-me a debruçar sobre o sentimento da vergonha.
Quem é que nunca sentiu vergonha? Recordo ter sofrido vergonha quando sentia que olhavam para mim ou, em criança, quando fazia disparates. Tinha que ir pedir desculpa, ouvindo sermões, alguns dos quais me faziam corar. Corar!
Darwin escreveu um livro intitulado “The expression of the emotions in man and animals”. Nesta obra, existe um capítulo em que o autor afirma que “o corar (blushing) é a mais especial e a mais humana de todas as emoções humanas”.
Mas a vergonha não está só associada com a sua irmã, a culpa, ela pode ocorrer quando nos sentimos expostos, sem termos feito ou dito nada de especial, ou quando temos consciência de maus juízos que nos fazem. Não basta fazê-los é preciso igualmente que os sintamos, o que nos coloca num plano de inferioridade.
O que mais me surpreende nesta palavra é a dualidade da mesma. A consulta de vários dicionários revela associação a remorso, timidez, pudor, honra, humilhação, brio, embaraço, entre outros sentidos. Chega a ter significados opostos: honra/desonra, dignidade/indignidade, humilhação/coragem.
As expressões “que vergonha” ou “é uma vergonha” são frequentemente utilizadas nos debates parlamentares. Se fizéssemos uma análise dos textos do Diário da Assembleia da República, que contempla os mais diversos comentários, quase que poderíamos afirmar que são as mais utilizadas. Causas? Quando estão numa situação dizem uma coisa, quando mudam de posição passam, muitas vezes, a defender o que atacavam ou a dizer coisas diferentes! E como fica tudo registado, é "um ver se te avias" à procura dessas contradições. Mas sentem mesmo vergonha? Não creio! Quando confrontados com as contradições e com a percepção de maus juízos feitos pelos adversários não manifestam vergonha, porque seria preciso que sentissem como suas esses mesmos juízos, ou seja, reconhecer superioridade aos seus autores. Como não reconhecem, não sentem nada. Neste aspecto são manifestamente “democráticos” ou, então, verdadeiros “malhadiços”!
No entanto, o sentimento de vergonha pode ser muito positivo, mesmo fonte de inspiração e originar obras incríveis.
Stefan Zweig, na introdução do livro já citado, obra que nos cativa de forma particularmente intensa e profunda, quer no estilo quer no conteúdo, ao debruçar-se sobre um dos maiores vultos e o maior feito da humanidade, explica a razão de ser do mesmo. Na sua viagem para o Brasil, acabou, ao fim de alguns dias, ao sétimo ou oitavo dia, por ficar impaciente. “Sempre o mesmo céu azul, sempre o mesmo mar azul e calmo”!
De repente, começou a confrontar as suas comodidades com as dificuldades das primeiras viagens e dos primeiros conquistadores dos mares, o que o fez “sentir profundamente envergonhado da sua impaciência”. “Esse sentimento de vergonha, uma vez acordado, nunca mais se apartou de mim durante toda a viagem...” Foi à biblioteca do navio e escolheu ao acaso vários volumes. De todas as figuras e viagens houve uma que aprendeu a admirar mais, “a do homem que, a meu ver, levou a cabo a mais grandiosa façanha na história da exploração terrestre: Fernão de Magalhães”.
Um sentimento de vergonha que originou uma magnífica obra sobre um grande homem...
A leitura do livro de Stefan Zweig, “Magalhães - o homem e o seu feito”, levou-me a debruçar sobre o sentimento da vergonha.
Quem é que nunca sentiu vergonha? Recordo ter sofrido vergonha quando sentia que olhavam para mim ou, em criança, quando fazia disparates. Tinha que ir pedir desculpa, ouvindo sermões, alguns dos quais me faziam corar. Corar!
Darwin escreveu um livro intitulado “The expression of the emotions in man and animals”. Nesta obra, existe um capítulo em que o autor afirma que “o corar (blushing) é a mais especial e a mais humana de todas as emoções humanas”.
Mas a vergonha não está só associada com a sua irmã, a culpa, ela pode ocorrer quando nos sentimos expostos, sem termos feito ou dito nada de especial, ou quando temos consciência de maus juízos que nos fazem. Não basta fazê-los é preciso igualmente que os sintamos, o que nos coloca num plano de inferioridade.
O que mais me surpreende nesta palavra é a dualidade da mesma. A consulta de vários dicionários revela associação a remorso, timidez, pudor, honra, humilhação, brio, embaraço, entre outros sentidos. Chega a ter significados opostos: honra/desonra, dignidade/indignidade, humilhação/coragem.
As expressões “que vergonha” ou “é uma vergonha” são frequentemente utilizadas nos debates parlamentares. Se fizéssemos uma análise dos textos do Diário da Assembleia da República, que contempla os mais diversos comentários, quase que poderíamos afirmar que são as mais utilizadas. Causas? Quando estão numa situação dizem uma coisa, quando mudam de posição passam, muitas vezes, a defender o que atacavam ou a dizer coisas diferentes! E como fica tudo registado, é "um ver se te avias" à procura dessas contradições. Mas sentem mesmo vergonha? Não creio! Quando confrontados com as contradições e com a percepção de maus juízos feitos pelos adversários não manifestam vergonha, porque seria preciso que sentissem como suas esses mesmos juízos, ou seja, reconhecer superioridade aos seus autores. Como não reconhecem, não sentem nada. Neste aspecto são manifestamente “democráticos” ou, então, verdadeiros “malhadiços”!
No entanto, o sentimento de vergonha pode ser muito positivo, mesmo fonte de inspiração e originar obras incríveis.
Stefan Zweig, na introdução do livro já citado, obra que nos cativa de forma particularmente intensa e profunda, quer no estilo quer no conteúdo, ao debruçar-se sobre um dos maiores vultos e o maior feito da humanidade, explica a razão de ser do mesmo. Na sua viagem para o Brasil, acabou, ao fim de alguns dias, ao sétimo ou oitavo dia, por ficar impaciente. “Sempre o mesmo céu azul, sempre o mesmo mar azul e calmo”!
De repente, começou a confrontar as suas comodidades com as dificuldades das primeiras viagens e dos primeiros conquistadores dos mares, o que o fez “sentir profundamente envergonhado da sua impaciência”. “Esse sentimento de vergonha, uma vez acordado, nunca mais se apartou de mim durante toda a viagem...” Foi à biblioteca do navio e escolheu ao acaso vários volumes. De todas as figuras e viagens houve uma que aprendeu a admirar mais, “a do homem que, a meu ver, levou a cabo a mais grandiosa façanha na história da exploração terrestre: Fernão de Magalhães”.
Um sentimento de vergonha que originou uma magnífica obra sobre um grande homem...
2 comentários:
Tal como o caríssimo Professor M.C. muito bem recorda, a admoestação por uma traquinice cometida em criança, assim como o consequente pedido de desculpas, causava-nos o efeito de vergonha, acompanhado de rubor facial e uma angustia interior, controlada pelo reconhecimento do superior respeito ao adulto que o exigia. Ainda assim, esse processo possuia a qualidade de ministrar um ensinamento. No mínimo, daí para diante recordar-nos-ia que se voltássemos a incorrer em asneira, voltaríamos a passar pela mesma situação. Quando o caro professor refere a ausÊcia de vergonha, nos debates parlamentares e a associa com um deturpado espírito de democracia, eu acrescento que a mesma ausência se verifica em muitíssimos outros ambientes, porém essa ausÊncia nota-se mais se existe competição entre as pessoas. Inunciaria até uma regra particular "A diminuição da vergonha está na proporção directa da necessidade de razão". Ou seja, cada vez mais se encontra gente com aptência para desvalorizar a moralidade dos meios, para chegar supersónicamente aos fins desejados. Ética, moral, dignidade, verdade, já conheceram melhores seguidores.
Caro Professor Massano Cardoso
O sentimento de vergonha é uma espécie em extinção.
Para sentir vergonha é necessário sentirmos que algo que fizemos é reprimido pelos outros e que ficamos numa situação desconfortável e de inferioridade. Vergonha não terá necessariamente que dar lugar a um sentimento de culpa, mas deverá dar lugar a um comportamento de certa maneira reparador para fazer "esquecer" ou "compreender" uma atitude moral e/ou eticamente incorrecta.
Ter vergonha e reparar o comportamento que lhe deu lugar é uma atitude digna.
Mas hoje em dia já não há vergonha porque se banalizaram os atropelos aos mais elementares princípios morais e éticos.
Há mesmo quem afirme que "para falar verdade é preciso mentir". Na minha cartilha mentir ainda é uma vergonha!
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