Mamã.
Eu quero ser de prata.
Filho,
terás muito frio
Mamã.
Eu quero ser de água.
filho,
filho,
terás muito frio.
Mamã.
Borda-me em tua almofada.
Está bem!Agora mesmo!
(Federico García Lorca)
A primeira vez que li este poema ainda era uma jovem estudante e achei mesmo que era uma canção monótona e tonta, pois por que motivo haveria uma mãe de querer prender o filho ao repouso da sua almofada? Querê-lo ali, quieto e seguro, para que ela dormisse tranquila sobre a sua submissão? Não deveria uma mãe desejar o contrário, dar-lhes asas, deixá-los ser prata, ser água, sentir frio se necessário para tentar a sua sorte sonhando bem alto?
A segunda vez que tropecei nele foi numa aula de um breve curso de teatro em que me inscrevi com a minha filha mais nova, tinha ela nessa altura uns quinze anos e estava na fase da grande paixão pelo palco. Desconfiei do nível daquela formação de um mês, duvidei mesmo muito do ambiente que ali pudesse criar-se, não consegui demovê-la e decidi acompanhá-la a pretexto de que o sítio era mau para transportes e as aulas eram tarde. Acertei em quase tudo, excepto na qualidade do curso, que foi muito interessante, sobretudo na parte da leitura e interpretação de poesia. Nessa altura li este poema e vi-o de forma diferente. Pensei, aterrada, que estava a tentar bordar a minha filha na almofada quando teimei em protegê-la do risco de ir frequentar um meio que eu não conhecia, aprender matérias que eu ignorava, conhecer pessoas diferentes nos seus interesses. No fundo, pensei eu então, não aceitei bem que ela quisesse fazer um caminho fora daquele que eu poderia prever e avaliar, tive medo de a deixar espreitar fora do meu terreno de conforto. Não tinha resistido a querer bordá-la na minha almofada...
Voltei a dar com ele há poucos dias e de novo uma sensação diferente. O que li eu agora, quando as minhas filhas já seguem o seu caminho de jovens adultas? Pois que a prata é fria, que a água é fria, sem dúvida, mas que, se eu o sei, é porque pude tentar e elas terão também que o sentir quando lutam por ser aquilo que sonharam ser.
A primeira vez que li este poema ainda era uma jovem estudante e achei mesmo que era uma canção monótona e tonta, pois por que motivo haveria uma mãe de querer prender o filho ao repouso da sua almofada? Querê-lo ali, quieto e seguro, para que ela dormisse tranquila sobre a sua submissão? Não deveria uma mãe desejar o contrário, dar-lhes asas, deixá-los ser prata, ser água, sentir frio se necessário para tentar a sua sorte sonhando bem alto?
A segunda vez que tropecei nele foi numa aula de um breve curso de teatro em que me inscrevi com a minha filha mais nova, tinha ela nessa altura uns quinze anos e estava na fase da grande paixão pelo palco. Desconfiei do nível daquela formação de um mês, duvidei mesmo muito do ambiente que ali pudesse criar-se, não consegui demovê-la e decidi acompanhá-la a pretexto de que o sítio era mau para transportes e as aulas eram tarde. Acertei em quase tudo, excepto na qualidade do curso, que foi muito interessante, sobretudo na parte da leitura e interpretação de poesia. Nessa altura li este poema e vi-o de forma diferente. Pensei, aterrada, que estava a tentar bordar a minha filha na almofada quando teimei em protegê-la do risco de ir frequentar um meio que eu não conhecia, aprender matérias que eu ignorava, conhecer pessoas diferentes nos seus interesses. No fundo, pensei eu então, não aceitei bem que ela quisesse fazer um caminho fora daquele que eu poderia prever e avaliar, tive medo de a deixar espreitar fora do meu terreno de conforto. Não tinha resistido a querer bordá-la na minha almofada...
Voltei a dar com ele há poucos dias e de novo uma sensação diferente. O que li eu agora, quando as minhas filhas já seguem o seu caminho de jovens adultas? Pois que a prata é fria, que a água é fria, sem dúvida, mas que, se eu o sei, é porque pude tentar e elas terão também que o sentir quando lutam por ser aquilo que sonharam ser.
Mas vi mais. Vi que o frio que os filhos sentem fora do nosso agasalho chega até nós e enregela-nos os ossos, com uma dureza que não sentimos quando era a nossa vez de querer ser prata e ser água. E pensei que, quando deitamos a cabeça na almofada, tacteamos sempre a sua lisura, na esperança fútil e desesperada de encontrar lá bordados os filhos, para que o sono possa, então, chegar tranquilo.
6 comentários:
Grandiosas reflexões, Drª. Suzana.
Nestes tempos conturbados, sentem-se os pais que amam, como se no centro de remoínho de águas. Por um lado compreendem a necessidade de que os seus filhos enfrentem o mundo, o compreendam e o conquistem, por outro, a experiência acumulada alerta-os para os tais imponderáveis, ou desconhecimentos que por o serem, adquirem a dimensão de perigos, que não desejamos de forma nenhuma os alcancem. E a cada reencontro, mesmo que seja diário, sente-se a satisfação interior de que venceram mais uma batalha e que essa capacidade de lutarem e vencer é tambem fruto do empenho que colocámos na sua formação, conjuntamente com os bordados que deles fizemos nas nossas almofadas, sabendo reconhecer a altura própria em que deveriam ganhar o espaço, rumo ao futuro que lhes pertence.
No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
(Eugénio Andrade)
Esses versos, Susana, ganham para mim um sentido quase literal ou prosaico. Também tentei ser prata e água, também senti frio e tenho um sono sempre inquieto. Estranhamente, só durmo profundamente bem quando me acontece - hoje, em raras oportunidades – estender-me na cama (e «coser-me» com a almofada) da minha Mãe.
Caro Bartolomeu, certezas, nunca temos, antes um permanente medo de errar que tem que ser ultrapassado a cada momento, para que os filhos possam contar com os nossos conselhos mas aprendam ao mesmo tempo a fazer as suas opções em liberdade e consciência.Um eterno dilema, claro, mas que se agrava quando os valores que se tinham por firmes são afinal postos em causa, quando tudo muda tão depressa que o que era certo ontem é amanhã a fonte de graves "traumas".
Caro Jotac, obrigada pelo maravilhoso poema que escolheu. não conhecia e agora parece-me impossível quie nunca o tivesse lido antes. Só por isot, valeu a pena escrever este post.
Cara Luisa, é verdade o que diz, é um instinto que nos faz sentir protegidos quando nos aconchegamos no calor da nossa mãe, o mesmo fazem connosco os filhos quando se sentem infelizes ou perdidos...Há coisas que nunca mudam, mas poucos o reconhecem com a sua simplicidade tocante.
Suzana
Profundamente bonito o seu texto!
O colo materno nunca morre, vai assumindo diversas expressões ao longo da vida, tendo em comum a expressão bordada na almofada...
É verdade, Margarida, o colo materno nunca morre. Uma coisa que noto nas pessoas de muita idade é que se lembram cada vez mais do tempo em que eram pequenos, da sua mãe e dos seus carinhos, como se sentissem outra vez uma vontade enorme de se lhe enroscarem no colo...
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