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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A lista

O Parlamento inventou uma lei (de seu número 67-B/2007), que estabelece a obrigatoriedade de publicação anual das dívidas que sejam certas, líquidas e exigíveis, de órgãos e serviços que integram a administração central do Estado, de natureza tributária ou não tributária.
A lei estabelece a obrigação. Mas essa obrigação não é de cumprimento espontâneo. A inclusão das dívidas referidas na lista a publicar depende de requerimento prévio apresentado pelo respectivo credor, junto do Ministério das Finanças e da Administração Pública.
A lista foi publicada há dias. E - para surpresa de alguns mais ingénuos - dela só constam TRÊS credores TRÊS.
Não foi dado ao assunto grande relevância. Mas o assunto tem relevância.
Tal como já tinha opinado quando se levou a debate este gesto magnânime de o Estado estar disposto a desnudar-se, a lei, assente numa intenção aparentemente honesta e nobre, confirma agora de pleno a sua enorme preversidade. Se as dívidas não envergonham o Estado, porque só tem vergonha quem tem cara e o Estado não a tem, a verdade é que a lista serve sobretudo para aliviar a consciência dos responsáveis pelo inadiplemento recorrente das entidades públicas. Para os gestores da coisa pública, a partir de agora o que é devido não é pagar a tempo e horas. O que passa a ser pecado grave é não publicar a lista!
Para além deste efeito branqueador do calote, creio que a lei gera outra preversidade. É que, sendo sabido que são milhares as vítimas de inaceitáveis moras do Estado, o registo de somente três credores na lista revela bem o tipo de relação que os agentes económicos têm com o poder.
Não vá a represália fazer-se sentir no próximo concurso ou na próxima encomenda, reclama-se baixinho, junto daquele que conhece a prima do chefe de divisão financeira do departamento recém criado no âmbito do PRACE, rogando ao senhor doutor que compreenda as dificuldades por que está a passar a empresa e ponha as facturas, entregues há muitos meses e das quais se pagou já o IVA ao Estado, no cesto dos processamentos. Os gerentes ficar-lhe-ão gratos pelo favor.
É assim que os responsáveis das nossas empresas pensam e agem perante os poderes. Os que gerem as médias e pequenas que vivem quase exclusivamente do que lhes cai dos orçamentos públicos. Mas também e sobretudo das grandes, que não querem correr o risco de pertencer à lista negra (*) dos sempre preteridos dos concursos, dos esquecidos das consultas e dos ignorados nos ajustes directos.
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(*) Como é amplamente conhecido, listas negras de empresas não gratas ao Estado não existem. São uma ficção que serviu para a composição deste post também ele uma ficção (mero exercício de entretenimento do seu autor que pouco tem que fazer). Mas se porventura existirem - no que, repete-se, não se crê! -, não terão mais inscritos do que a dos credores do Estado. Não terão não senhor! Digo-o eu que sou dado a ficções...

4 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

José Mário
Praticamente no mesmo dia tivemos conhecimento que o Estado demora cada vez mais tempo a pagar aos fornecedores. São os mesmos que não conseguem cobrar as dívidas contraídas pelo Estado incumpridor que não paga a tempo e horas os fornecimentos de que beneficiou. Os mesmos que enfrentam dificuldades na sua actividade económica, que são penhorados e executados pelo Estado. Os mesmos que acabam na falência, vitimas do sufoco do Estado. Os mesmos que não querem constar da "lista" porque não querem enfrentar o Estado. O assunto é, pois, muito relevante!

Anónimo disse...

Margarida, em contraponto leio nos semnanários que a lista de devedores ao Estado aumenta todos os dias. Pergunto-me quantos destes são ao mesmo tempo credores do Estado? Não sei se muitos, mas eu conheço alguns.
Decente seria o Estado permitir sem restrições o pagamento das dívidas tributárias por compensação em créditos. Uma medida dessas, em especial nos tempos de grandes dificuldades por que passam pequenas e médias empresas, é que seria bem vinda. Mas os parlamentares da maioria estão mais preocupados nestes paliativos que dão margem de manobra ao governo, e os da oposição continuam, como ao longo da legislatura, distraídos.

jose rocha disse...

Jose Mario,
A lista negra cresce mas o Estado não deixa de fazer as suas aplicaçõezinhas nas off-shores! E no dia em que os credores do Estado reclamaram legitimamente as suas dividas passam para UMA LISTA NEGRA a negrito, acompanhados de uma visita fiscalizadora das finanças!! Vai uma aposta?

Suzana Toscano disse...

E viu quais eram essas três?Uma é a Santa casa da Misericórdia de Castelo de Paiva, a outra é a Estamo, que é uma empresa da Parpública.