Tempo. A verdadeira dimensão que nos faz sentir pequeninos. Fonte de ansiedade e de medo, poço de saudades, altar de alegrias, pão da tristeza e sol da esperança. Tudo depende do tempo. O tempo comanda as vidas de uma forma penosamente lenta na infância e na juventude, lesto na vida adulta e veloz como uma lebre na velhice como que a fazer troça. E, um dia, misteriosamente, acena-nos com despeito, remetendo-nos para um estranho silêncio.
Ao ler “A Filha de Homero”, de Robert Graves, tropecei numa página em que se destacava uma pergunta que me incomodou: “Quanto tempo dura um dia quando se está morto?”. Interrompi a leitura e reflecti durante alguns segundos sobre o sentido e significado desta interrogação. A resposta surgiu instintivamente: “Dura uma eternidade”.
A eternidade vive-se, afinal, num curto período de vinte e quatro horas, mas é preciso estar morto. O tempo mata-nos, oferecendo, em troca a eternidade silenciosa.
Ao longo da nossa existência é muito comum ouvir a expressão “matar o tempo” ou faço isto ou aquilo “para matar o tempo”. Matar o tempo como se fosse possível matá-lo!
Baudelaire, no seu poema “Quarto Duplo” ( O Spleen de Paris), classifica-o de velho hediondo acompanhado do “seu cortejo demoníaco de Lembranças, Mágoas, Espasmos, Medos, Angústias, Pesadelos, Iras e Nevroses”. Cada segundo que passa martiriza-nos solenemente dizendo: “Eu sou a Vida, a insuportável, a implacável Vida”. Para este autor maldito, o tempo empurra-o “como se fosse um boi, com o seu duplo aguilhão. Arre, burro! Sua, escravo! Vive, danado! Mas Baudelaire tinha os seus períodos depressivos, esquecendo-se dos belos e deliciosos momentos que o embriagavam de forma ímpar.
Hoje, verifico que muitas pessoas passam grande parte da sua existência a “matar o tempo”, à espera de serem mergulhados na eternidade silenciosa. Exemplos? Horas a fio sentados perante televisores desmiolados, dias sucessivos num marasmo paralisante, segundos, minutos e horas esvaziados de sentido. O que fazer? Agarrar o tempo, mesmo que se escape como água entre os dedos; viver o tempo com desejo a recordar as pulsões sexuais da juventude, saborear o tempo como se tratasse da mais concupiscente iguaria; partilhar o tempo como um gesto da mais profunda generosidade; dar cor e sons ao tempo, transformando-o em obras de arte; cativar e enjaular o tempo num poema ou num escrito; domesticar o tempo acalmando os que sofrem e parir novos tempos alimentando novas esperanças são motivos mais do que suficientes para aturá-lo!
Quantas horas, minutos e segundos são desperdiçados, senão, mesmo desprezados? Com eles poderíamos construir uma nova “eternidade”, a nossa, humana, mais completa e mais feliz, uma “eternidade viva” capaz de fazer inveja à “eternidade silenciosa” dos deuses.
Quando passo parte dos meus tempos a “saborear o tempo”, olhando para os belos lugares que me viram nascer, interrogo-me sobre os que os viram antes de mim, e os que hão-de ver no futuro. Interrogo-me sobre os sentimentos despertados, as alegrias e as tristezas testemunhadas, os desejos e as esperanças depositados numa confidencialidade que só a imaginação permite quebrar. Ao mesmo tempo tento depositar as minhas vivências, como se fossem cinzas da alma, confiante de que no futuro outros possam sentir a existência como um contínuo, criando a verdadeira eternidade, matando o falso tempo que nos vai corroendo cada dia que passa...
Ao ler “A Filha de Homero”, de Robert Graves, tropecei numa página em que se destacava uma pergunta que me incomodou: “Quanto tempo dura um dia quando se está morto?”. Interrompi a leitura e reflecti durante alguns segundos sobre o sentido e significado desta interrogação. A resposta surgiu instintivamente: “Dura uma eternidade”.
A eternidade vive-se, afinal, num curto período de vinte e quatro horas, mas é preciso estar morto. O tempo mata-nos, oferecendo, em troca a eternidade silenciosa.
Ao longo da nossa existência é muito comum ouvir a expressão “matar o tempo” ou faço isto ou aquilo “para matar o tempo”. Matar o tempo como se fosse possível matá-lo!
Baudelaire, no seu poema “Quarto Duplo” ( O Spleen de Paris), classifica-o de velho hediondo acompanhado do “seu cortejo demoníaco de Lembranças, Mágoas, Espasmos, Medos, Angústias, Pesadelos, Iras e Nevroses”. Cada segundo que passa martiriza-nos solenemente dizendo: “Eu sou a Vida, a insuportável, a implacável Vida”. Para este autor maldito, o tempo empurra-o “como se fosse um boi, com o seu duplo aguilhão. Arre, burro! Sua, escravo! Vive, danado! Mas Baudelaire tinha os seus períodos depressivos, esquecendo-se dos belos e deliciosos momentos que o embriagavam de forma ímpar.
Hoje, verifico que muitas pessoas passam grande parte da sua existência a “matar o tempo”, à espera de serem mergulhados na eternidade silenciosa. Exemplos? Horas a fio sentados perante televisores desmiolados, dias sucessivos num marasmo paralisante, segundos, minutos e horas esvaziados de sentido. O que fazer? Agarrar o tempo, mesmo que se escape como água entre os dedos; viver o tempo com desejo a recordar as pulsões sexuais da juventude, saborear o tempo como se tratasse da mais concupiscente iguaria; partilhar o tempo como um gesto da mais profunda generosidade; dar cor e sons ao tempo, transformando-o em obras de arte; cativar e enjaular o tempo num poema ou num escrito; domesticar o tempo acalmando os que sofrem e parir novos tempos alimentando novas esperanças são motivos mais do que suficientes para aturá-lo!
Quantas horas, minutos e segundos são desperdiçados, senão, mesmo desprezados? Com eles poderíamos construir uma nova “eternidade”, a nossa, humana, mais completa e mais feliz, uma “eternidade viva” capaz de fazer inveja à “eternidade silenciosa” dos deuses.
Quando passo parte dos meus tempos a “saborear o tempo”, olhando para os belos lugares que me viram nascer, interrogo-me sobre os que os viram antes de mim, e os que hão-de ver no futuro. Interrogo-me sobre os sentimentos despertados, as alegrias e as tristezas testemunhadas, os desejos e as esperanças depositados numa confidencialidade que só a imaginação permite quebrar. Ao mesmo tempo tento depositar as minhas vivências, como se fossem cinzas da alma, confiante de que no futuro outros possam sentir a existência como um contínuo, criando a verdadeira eternidade, matando o falso tempo que nos vai corroendo cada dia que passa...
3 comentários:
Como sempre, Senhor Professor, os seus textos, para alem da excelência literária, são um convite irrecusável à reflexão.
A mortalidade e o seu contrário, são dois conceitos, que concentrados num só preenchem os inquietos pensamentos humanos. Aliás, acredito até que num cantinho recôndito de cada ser humano, exite o desejo latente da imortalidade.
Heréclito de Éfeso, talvez o mais paradoxal dos filosofos, dizia que: "Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos" contorversamente, ou não, Heréclito diza ainda: "Em um cabe tudo, em tudo, cabe um". Em filosofia, paradoxo designa o que é aparentemente contraditório, mas que apesar de tudo tem sentido.
Neste torvelinho de considerações, acabo a poisar na frase de Lúcio Numa:"O que torna os homens imortais, é a rebeldia em nome daquilo que se vê com absoluta claridade no interior da alma".
Aqui não encontro qualquer paradoxo, para mim este é um conceito claro, aplicável em toda a sua essência á realidade da existência humana.
Belissimo texto, como sempre, caro Professor.
A consciência do tempo é de facto uma coisa que, quando chega, já é quase tarde demais, é quando começamos a dizer "já não consigo" ou "já não tenho interesse" ou mesmo "já não vale a pena". Não depende da idade´cronológica, mas do modo como aproveitámos o tempo que existiu para acrescentar a curiosidade, para alargar horizontes ou para nos tornarmos fortes onde podemos vir a ser fracos, cuidando da saúde.
Além disso, há hoje uma sofreguidão errada para aproveitar o tempo, ou seja, para fazer cada vez mais em cada vez menos tempo, o que se torna num incrível paradoxo, porque a velocidade não nos deixa aproveitar devidamente o tempo, a mudança tornou-se um objectivo em si mesmo e gasta-se o tempo a apanhar o tempo, sem nunca parar nele para o usufruir. É o “falso tempo” de que tão bem fala, o tempo verdadeiro tornou-se um luxo, uma preciosidade só ao alcance dos que têm a sorte de reparar na sua valia e de poderem roubar, só para si, alguns preciosos minutos. A contemplação, de que tão bem fala, a reflexão sobre o que nos é dado e o modo como o aproveitamos tornaram-se exercícios fora de moda. Talvez daí o aumento das doenças de ansiedade e depressões, perde-se o pé do tempo e as pessoas afundam-se onde as deixem parar um pouco.
Um tio meu fez há dias 89 anos, cheio de saúde e interesse pela vida, e dizia que não era possível ter aquela idade, não sentia que fosse ele,porque parecia que ainda há poucos dias estava a brincar no quintal, de calções, e a mãe a chamá-lo para almoçar. Não tinha dado pelo tempo a passar porque tinha sido feliz...
Caro Professor Massano Cardoso
Parabéns pela sua reflexão que não deixa indiferente quem a lê.
É curioso como o tempo se apresenta com "tempos" diferentes quando somos crianças, jovens, adultos ou velhos. Esta percepção tão diferente sobre o tempo está muito ligada ao tempo que já passou associado a um passado já concretizado e que condiciona a noção que fazemos do tempo que ainda está para vir.
É por isso que ouvimos tantas vezes os adultos e velhos dizerem "o tempo passa a correr"...
Caro Professor também noto que há muitas pessoas que passam parte da sua existência a "matar o tempo" e outras tantas que passam a sua existência não dando pelo tempo passar e vivendo como se a vida fosse eterna... Claro que estas constatações são relativas porque afinal cada um aproveita o tempo como pode e sabe...
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