1. A moda dos discursos políticos na Europa – talvez com a honrosa excepção de Gordon Brown - é agora apontar o dedo aos USA pelo eclodir da crise financeira e pela eventual recessão económica que a mesma possa vir a desencadear.
No nosso caso, como é evidente, estar na moda é absolutamente obrigatório: o discurso oficial tem visado, com algumas cambiantes mais divertidas (caso do Apocalipse de M. Pinho), responsabilizar os USA e a especulação financeira por todos os inconvenientes e desconfortos da actual situação.
2.Todos os dias se sentencia que os USA se encontram à beira do abismo, que o seu sistema de economia de mercado livre – ultraliberal para alguns dos nossos comentadores mais inspirados - está em profunda crise ou próximo do colapso, que a recessão vai finalmente arrasar a economia americana, que a hegemonia económica dos USA chegou ao fim, etc, etc.
3. Em contraponto e embora reconhecendo que a Europa não está imune à crise, exaltam-se as virtudes da maior contenção que os europeus souberam manter, a maior resistência da economia europeia e do seu sistema financeiro – apesar de alguns problemas pontuais, especialmente no UK...exactamente por estar mais próximo do modelo americano.
4. No nosso caso passou-se a usar a expressão “robustez”– bem bonita para consumo interno e muito do agrado do establishment - na caracterização da capacidade do sistema financeiro doméstico para resistir à crise, esclarecendo os cidadãos de que tudo vai bem por aqui, que podem fazer seus depósitos bancários em absoluta tranquilidade sem pensar no risco relativo...
5. Neste discurso que procura exaltar a superioridade europeia sobre o desmando americano, haveria mesmo motivo para voltar a usar, com orgulho, a expressão “fortress europe” - simbolizando esta capacidade de resistência da “velha Europa” à vaga de destruição de valor que provem do continente americano...
6.Até o BCE, num gesto de alta inspiração, quem sabe se para mostrar a sua distância do desvairado parceiro americano, resolveu dar um “tiro no pé”...mantendo as taxas de juro quando os sinais de abrandamento das pressões inflacionistas são mais do que evidentes tal como são muito evidentes os sinais de abrandamento da actividade económica...
7. Chegados aqui, falta apreciar um aspecto fundamental – e as moedas como estão a comportar-se?
Face ao cenário que nos é vendido, o USD deveria estar em mergulho acentuado, arrasado por um Euro pujante, “robusto”, reflectindo a melhor saúde e resistência da economia e do sistema financeiro europeus...
8. Todavia, quando atentamos nas taxas do mercado, verificamos que o USD valorizou mais de 13% em relação ao Euro nos últimos 2,5 meses e, nesta última semana, em que o sistema de mercado americano pareceu rolar pelo abismo abaixo, o USD valorizou mais de 7%...
Como explicar este paradoxo? Será que o mercado de câmbios ensandeceu?
11 comentários:
Caro Tavares Moreira,
Mas tem que concordar que tem uma certa piada, ver os comentadores/jornalistas económicos a debitar coisas de ouvido.
Na mouche caro Tavares Moreira. De facto ainda há uns tempos estive a ver os gráficos quer da euribor quer do valor do dólar quer de algumas acções do dow jones.
A euribor, diga-se de passagem, está ligeiramente acima dos valores do início de 2001. Toda a gente chora a alta da taxa de juro, mas a euribor apenas "cumpre o seu dever". A pergunta que fica é esta: vai a euribor aumentar mais? Como foi o pico de há 10 meses ultrapassado? Parece-me que com a descida do custo da energia e abrandamento económico (combinação incrível) é claro que o BCE vai ter de descer a taxa.
Quanto ao dólar é outro gráfico incrível. O dólar tem valorizado. Será isto reflexo da quebra do barril do petróleo? Atrevo-me a conjecturar que os custos da especulação do preço do petróleo para a economia como um todo serão superiores à tempestade financeira. Tem números?
Finalmente sobre as acções, apesar de se dizer por aí que a bolsa cai (e de facto é verdade que em *média* está a cair) vi valorizações impressionantes (já vinha acompanhando algumas na bolsa cá do burgo). Há muita gente a ganhar dinheiro *agora* na bolsa, em plena crise financeira, com a especulação do dia-a-dia. É pena eu não ter tempo para "surfar" a onda porque não é só no mar que se saca energia=$$ das ondas...
Tempos muito interessantes.
Cumprimentos,
Paulo
Caro Tavares Moreira, pois é, pois é, o USD devia estar a afundar mas está é a subir e não apenas contra o EUR. É que o mercado de forex está a contar que a Europa esteja vários passos mais atrás do que os Estados Unidos e que a verdadeira dimensão da crise na Europa ainda seja desconhecida, em contraponto aos Estados Unidos onde todo o processo já vai mais avançado e já se interiorizou a crise daí que esteja a ser atacada.
Incidentalmente não deixa de ser interessante observar que na zona EUR cada país faz o que quer e bem lhe apetece (o caso Irlandês com a garantia de depósitos é o mais interessante) e o BCE limita-se a olhar e a injectar liquidez. Este falar a várias vozes também não ajuda muito à confiança no euro... nada mesmo.
Por cá, enfim, e não resisto a enfiar este detalhe ainda que algo a despropósito, o nosso sempre estimado ministro Lino diz que não vê motivo nenhum para o governo parar o programa de obras públicas. É sempre um regalo para os sentidos ouvir o senhor ministro Lino!
Caro Tonibler,
Ás vezes tem piada com certeza, meu Caro...mas outras vezes causa tédio e até um pouco de náusea...
Mas em matéria de piada, não concorda que o nosso inefável MP é imbatível?
Caro Paulo,
Dissertação sempre atenta a sua...repare no entanto que parece haver uma diferença, não despicienda, entre os custos da subida especulativa do preço do petróleo e os custos da crise financeira: enquanto que no primeiro caso se assistiu a um processo de transferência de rendimentos (justo ou injusto não está em causa), no segundo temos uma efectiva destruição de valor, de riqueza e de rendimento - mais uma vez, justa ou injusta não está em causa.
Quanto ao ganhar com operações de bolsa, certamente que este é um tempo propício para ganhar no negócio chamado de "intraday trade"...porque não distrai algum do seu tempo para isso?
Caro Zuricher,
O ideólogo do betão que refere, prima por emitir declarações a despropósito, fora de tempo e não poucas vezes infelizmente usando linguagem típica de "carroceiro"!
Não valerá muito a pena dedicar-lhe atenção.
Quanto à paragem do Programão...é apenas um facto inelutável, as palavras pouco adiantam neste caso!
Caro Tavares Moreira
Apenas algumas notas laterais ao tema, mas que ajudam a compreender a actual história:
a) O actual Presidente do FED, ao contrário do músico seu antecessor, é um especialista do crash de 29, talvez dos maiores conhecedores dessa época e das políticas que escolhidas. Se fosse um conclave, sempre se poderia dizer que o "Divino" tinha iluminado a escolha.
b) A cada nota dissonante, entre a França e a Alemanha, sobre o modo de abordar a crise, faz desvalorizar o euro. Como, nesta crise, já voltaram as três linhas europeias, alemã, frnaçesa e britânica, e o BCE já demosntrou que vai cumprir o mandato, (como disse, deu já um tiro no pé), ou me engano, ou o dólar ainda vai subir mais alguns cêntimos.
c)Os actores do mercado sabem destes factos, pelo que apostam nos cavalos certos, mesmo que se recomeçe a clamar contra o capitalismo e proclamando o descalabro da economia norte americana.
d) Quanto ao Programão, se os juros se mantiverem como estão, que argumentos vai o Governo usar para pedir mais dinheiro para as obras, isto, como tudo indica, os nossos construtores começam a rever em alta os cadernos de encargos e a não querer arriscar se os preços não forem revistos.
e) Por último, quanto tempo acha que vai levar ao Governo, através do seu mais cotado ministro, mudar o discurso de crise suave para crise muito grave? O problema para o Governo é que já não tem margem de complacência por parte do eleitorado.
Cumprimentos
João
Caro Tavares Moreira,
O inefável MP tem de original o tentar ajustar a volatilidade das suas opiniões à volatilidade dos mercados. Se fizermos um gráfico do histórico das opiniões dá um movimento browniano perfeito.
Caro Tavares Moreira,
O nosso governo, como por todos é reconhecido, tem uma maquina de marketing que tritura qualquer um. A crise que começou em Agosto de 2007, foi escondida até Março de 2008. Quando o governo Sócrates viu muito dificultada a tarefa de cumprir o PEC devido ao baixo crescimento (baixa receita fiscal) e às pressões inflacionárias das matérias-primas nos mercados internacionais que provocou descontentamento popular, começou a ouvir-se alguma coisa e pouco a pouco foram mostrando a Portugal que de facto havia uma crise séria do outro lado do mundo, que nos iria afectar a todos. Quanto à asneira que Manuel Pinho proferiu, nada me admira. Depois de o ter ouvido no programa Negócios da semana a dizer que a abertura das fronteiras comerciais à China era uma das principais responsáveis da crise, já acredito em tudo!! A noss economia de robusta tem pouco. O prof. Medina Carreira disse há bem pouco tempo que " Quando a conjuntura internacional cresce, Portugal cresce abaixo. Quando a conjuntura internacional cai, Portugal cai ainda mais.".
Quanto ao modelo liberal, aproveito para relembrar que o neo-liberalismo como bode expiatório é uma invenção de Mário Soares. Senão vejamos, que as revoluções liberais tiveram um papel vital na transição da monarquia para regimes mais livres, até à democracia. Ante o liberalismo temos o colectivismo. Honestamente, sou um opositor assumido de regimes colectivistas. Os regimes liberais permitem-nos uma realização das nossas vontades que não são permitidas em sistemas colectivistas.
Caro João,
Uma pequena idssonância quanto aos efeitos da dissonância franco-alemã: não me parece que daí tenham advindo quaisquer consequências para a relação €/USD...
Antes desta dissonância se verificar já se sabia que a velha Europa não iria falar a uma só voz nesta como noutras matérias...é dos livros meu Caro!
Caro André,
Se a regra de Medina Carreira se verificar este ano e em 2009, vai haver muito choro e ranger de dentes...quero estar bem longe, para não ouvir...
Mesmo a previsão do FMI, hoje divulgada, acabará por mostrar-se sobre-optimista!
Faço aqui um apelo ao Dr. Tavares Moreira, no sentido de nos dizer alguma coisa acerca de um aspecto que me causa estranheza não ver referido nesta problemática do bailout americano. É o seguinte :
Como se sabe, ninguém deita fora dinheiro. As hipotecas do subprime deixaram de ser pagas, mas alguém recebeu o dinheiro pela venda das casas e toda aquela massa anda a circular ou está nas contas de alguém. Se agora são injectados 700 biliões de dólares adicionais, haverá ou não uma desvalorização do dinheiro americano por via desta operação, com efeitos na inflação?
caro Jorge Oliveira,
Esta crise financeira, como outras no passado porventura, acarreta uma significativa destruição de valor que o mercado, pelos vistos mal, tinha atrbuido a certos activos...
Essa destruição de valor acarreta tb uma destruição de moeda, pois se verificou que, como contrapartida da excessiva valorização dos activos activos foi criada moeda que agora desaparece...credores (incluindo bancos, obrigacionistas e outros) que recebem muito menos do que o valor contabilístico dos seus créditos...
Neste sentido, pode dizer-se que se "deitou dinheiro fora", pois há "dinheiro" que desaparece, é destruido.
Agora é bem provável que uma boa parte da contrapartida monetária dos excessos de despesa e da valorização especulativa de certas classes de activos nos USA se encontre nas imensas reservas (triliões de USD) em divisas detidas por países da Asia e da Arábia, que têm mantido, ao longo dos sucessivos anos do boom de despesa americano, enormes excedentes comerciais comos USA (e tb com a Europa, mas esta não vem agora ao caso...).
Ok, caro Dr. Tavares Moreira. Compreendido. Agradeço a explicação. Não tinha pensado nessa forma de destruição de moeda. Estava a pensar apenas na moeda física. Mas, de facto, o volume total de moeda contem outros activos, que nas actuais circunstâncias devem ter-se evaporado. Espero que um dia alguém faça as contas para se conhecer o resultado final desta brincadeira.
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