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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Uma Nova Ordem Mundial?...

Como a História bem mostra, depois da tempestade segue-se sempre a bonança – isto é, depois de tempos difíceis, períodos de dinamismo e prosperidade têm sempre lugar. Também agora assim sucederá, ainda que estejamos a viver a pior crise financeira desde a que originou a Grande Depressão de 1929-33, e cujos efeitos (negativos) na economia real ainda estão para ser sentidos na sua grande maioria – podendo admitir-se, face à informação hoje existente, que a situação só melhorará, provavelmente, para lá de 2009.

Assim sendo, ao contrário do Ministro da Economia, Manuel Pinho, não consigo descobrir razões para que o mundo da prosperidade, que marcou os últimos 10 a 15 anos, tenha terminado (céus!...).

Contudo, já consigo encontrar motivos que podem levar a que, sobretudo em termos de poderio económico e financeiro, o mundo a que estamos habituados possa levar uma grande reviravolta. Explico porquê a seguir.

Apesar da crise que estamos a viver estar a afectar todo o globo, os efeitos são bem mais devastadores nos EUA e na Europa. De facto, as perdas assumidas pelo sistema financeiro mundial até ao fim de Setembro, atingem quase USD 600 mil milhões – mais de EUR 420 mil milhões, ou cerca de 2 vezes e meia o valor do PIB português em 2008 (!) – dos quais cerca de 57% tiveram lugar nos EUA, 39% na Europa e apenas 4% na Ásia.

A vulnerabilidade do “Ocidente Industrializado” é, assim, evidente – como notória é a baixa fragilização do Continente Asiático, muito menos exposto ao subprime.

Ora, em minha opinião, esta situação não é alheia ao facto de os aumentos de capital e as entradas de novos accionistas nas instituições financeiras mais afectadas pela crise estarem a ser protagonizados, maioritariamente, por países do Extremo Oriente, como Singapura, China ou Japão, e por estados árabes, como Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos (destacando-se, entre estes, o Emirato Abu Dhabi), Qatar ou Kuwait (e isto excluindo, claro, as “nacionalizações” e salvamentos levadas a cabo pelos Governos dos EUA e de diversos países europeus).
De facto, ao todo, ao longo do último ano, já entraram mais de USD 47.5 mil milhões (ou cerca de EUR 35 mil milhões) provenientes do Extremo Oriente – a partir, nomeadamente, de fundos soberanos, mas também de instituições financeiras – em bancos como UBS, Citigroup, Morgan Stanley, Merrill Lynch, Blackstone, Fortis, Barclays, ou mesmo do Bear Sterns (absorvido pelo JP Morgan Chase) e do Lehman Brothers (este depois da falência, com a venda de várias das suas unidades de negócio); no mesmo período de tempo, os países árabes acima citados, também através de fundos soberanos, entraram em bancos como UBS, Citigroup, Merrill Lynch ou Barclays, disponibilizando para o efeito pouco menos de USD 25 mil milhões (ou quase EUR 18 mil milhões) – e compraram verdadeiros símbolos ocidentais como o Edifício Chrysler em Nova Iorque, ou o Manchester City, clube desportivo inglês que todos conhecemos.

Está, pois, a assistir-se a uma verdadeira transposição do poder económico e financeiro do Ocidente para a Ásia, em consequência quer do dinamismo do Extremo Oriente (do qual a China tem sido, nos últimos anos, o expoente máximo), quer das receitas provenientes do petróleo (no caso dos países árabes). Ironias da globalização: os outrora países considerados pobres estão a socorrer os “ricos” e as nações emergentes estão a converter-se em credores do mundo “dito” industrializado!...

E então aí sim, aí encontro razões mais do que suficientes para poder pensar que o Mundo que conhecemos e a que estamos habituados, com preponderância dos EUA e da Europa, esteja a dar lugar a outro, bastante mais equilibrado, e em que a Ásia deixará de desempenhar um papel secundário.

Uma nova ordem mundial pode estar a despontar.


Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Outubro 07, 2008.

5 comentários:

Rui Fonseca disse...

A história não teria nada de novo se contada da forma como a conta: o marçano, a quem o patrão delega o governo da loja, acabará, mais tarde ou mais cedo por comprar o estabelecimento.

Acontece, no entanto, salvo melhor informação, que o dinheiro que o marçano entregava ao patrão foi por este utilizado na produção de fogo-de-artifício em tal quantidade que acabou por lhe rebentar nas mãos.

Que a acumulação de petrodólares e chíndiadólares em volumes piramidais acabaria por comprar os estabelecimentos à mercê dos marçanos, não é surpresa e já tinha acontecido várias vezes no passado.

O que é novo (ou mais flagrantemente novo) nesta crise é a derrocada decorrer de uma implosão. As transferências dos estabelecimentos poderiam ocorrer sem desmoronamento dos edifícios. Foram as acções dos ratos que lhes fragilizaram as paredes até ao desmaio.

Sem que os vigilantes dessem pela acção dos roedores ou, até, fizessem por isso.

Mudará esta crise o mundo? Oxalá.

Mas para mudar teria de mudar-se muita coisa, os offshores, e o controlo das aplicações de fundos pensões pelos subscritores, por exemplo. Mudará tanto? Duvido.

Quanto aos fundos soberanos, o caso é mais bicudo porque implicaria a blindagem à entrada desses fundos (quando os cofres estão vazios e ávidos deles)ou o retrocesso no processo de globalização. É possível? É, mas teria custos tremendos para a paz global. O rearmamento militar seria a resposta ao rearmamento das fronteiras alfandegárias. A guerra seguiria dentro de momentos.

Não há escapadela: Ou a democracia funciona e o capitalismo funciona vigiado, ou a democracia soçobra ainda mais e não se sai do atoleiro tão cedo e sem mazelas graves.

A ascenção do Oriente não implica a queda do Ocidente se, e só se, este não se deixar dormir abanado por aquele.

Rui Fonseca disse...

Adenda:"A ascenção do Oriente não implica a queda do Ocidente se, e só se, este não se deixar dormir abanado por aquele",
enquanto os ratos fazem o trabalho que a sua natureza lhes destinou.

É preciso ter muita atenção aos ratos.

Carlos Sério disse...

Pois eu digo-lhe, meu caro Miguel Frasquilho, que o mundo neoliberal em que vivemos não tem sustentabilidade. Leia e veja se não concorda comigo:

Na verdade no actual estágio do sistema capitalista verifica-se que embora ele represente um bom instrumento de organização da produção, constata-se que não sabe distribuir, organiza muito precariamente a absorção produtiva dos recursos humanos, e desvia para actividades especulativas a já precária poupança da população.

O essencial é que o ciclo de reprodução social exige não só a produção, mas também a distribuição para que haja consumidores, e os empregos para que haja massa salarial e um mínimo de estabilidade social e política. Essencial também é o financiamento dos produtores, viabilizando os investimentos e as transformações estruturais de médio e longo prazo, a chamada construção da economia.

Estas três grandes fragilidades do sistema neoliberal, nos planos da distribuição, do emprego e de recursos, viram-se dramaticamente agravadas nos últimos anos.

No plano da distribuição, o liberalismo havia gerado, com Keynes, um subsistema social-democrata. Frente aos dramas do desemprego e subconsumo dos anos 30, Keynes mostrou que frentes de trabalho e apoio financeiro aos desempregados, gerando uma massa salarial e maior capacidade de compra, dinamizaria o mercado, provocando uma recuperação da conjuntura capitalista via procura. Em outros termos, Keynes demonstrou aos ricos que a miséria é ruim para os ricos, e não apenas para os pobres. No entanto, o sistema proposto supunha uma forte capacidade de Estado, que cobraria impostos das empresas para financiar a redistribuição e a dinamização económica. Hoje, com a globalização, qualquer reforço de impostos leva as empresas a emigrar para regiões onde se produz mais barato. Em outros termos, a economia se globalizou, enquanto os instrumentos de política económica, essenciais para uma política keynesiana, continuam sendo nacionais, e portanto de efectividade cada vez mais limitada. Como não há governo mundial, que possa retomar o mecanismo já no nível planetário, regrediram as políticas de redistribuição, e voltamos a um capitalismo selvagem próximo do antigo liberalismo: o neoliberalismo.
No plano do emprego, as transformações recentes são igualmente profundas, na medida em que a revolução tecnológica gera uma redução absoluta do nível de emprego. Estima-se hoje que, em média, um crescimento de 5% ao ano seria necessário para manter o emprego no nível existente A simultânea redução do ritmo do crescimento económico e da capacidade de criação de emprego das unidades produtivas, leva a uma situação que se acentua, ano após ano, de redução do emprego.
Em termos de recursos, as tendências recentes, com a globalização financeira, tornaram a situação particularmente dramática, na medida em que se retiram recursos da área dos investimentos produtivos e se transferem para a especulação financeira.

Adriano Volframista disse...

Dr Miguel Frasquilho

Apenas uns pequenos comentários:

a) Está bem acompanhado na sua análise, o Vice Presidente para a Ásia do Salomon há alguns dias avisava da necessidade de mobilizar os 20 triliões, (americanos), que estavam nos países do G 21. O Secretário Paulson, ontem, propôs uma reunião desse grupo até ao final da próxima semana.
b) Mais depressa do que se esperava, vamos ter, nos próximos 5/7 anos um cenário mundial semelhante ao de 1400: China e India partilhando poder com a Europa/EUA.

Não vai ser melhor nem pior, será sempre diferente

Cumprimentos
João

Suzana Toscano disse...

A verdade é que é difícl raciocinarmos fora dos modelos que conhecemos, a nova ordem mundial, tal como as anteriores ordens mundiais, foram-se afirmando, modificando e dando lugar a outras. A nossa, a era da tecnologia e da informação, da mudança quase brusca do sistema produtivo, até da geopolítica, já tem pouca semelhança com a que existia há apenas 40 anos atrás. Talvez a América deixe de ser o centro do mundo, tal como a Europa já deixou e, dentro da Europa, o império britânico...O que nos assusta são os movimentos bruscs, os "terramotos" que acomodam os espaços que se foram cavando. O mundo já mudou, e muito, agora está a ajustar-se no que falta.Será melhor, será pior, será sempre melhor para uns, que ganham poder, e pior para outros que o perdem ou não sabem reconstruir o seu espaço. E, pelo menos por enquanto, há paz mundial, em sentido global, esperemos ao menos que esse bem não esteja em causa. A permanente mudança do rumo da história é inevitável, duvido que fosse possível corrigir a sua rota em grandes dimensões.