Estava aqui a folhear os jornais quando dei com uma entrevista a um “guru financeiro” chamado Jim Rogers (Le Nouvel Observateur, 30 Out), que anda em digressão na Europa a contar os segredos do seu sucesso como investidor. Este milionário americano vive agora em Singapura, para onde transferiu casa, família, fortuna e negócios, ainda em 2007, porque considera que no sex. XXI é aí que se fará fortuna. Diz que, a longo prazo, assistiremos à explosão dos preços do petróleo, do trigo, do milho, da soja e…da água. Considera que a turbulência que afectou no Verão as matérias primas – as comodities – foi “um aperitivo daquilo a que assistiremos”. Previu a falência dos bancos americanos a tempo de retirar todos os seus investimentos para outros mercados e ri-se dos dirigentes do FED, que qualifica de “os maiores cretinos da terra” e do plano Paulson, que considera “uma heresia! Eles não sabem o que fazer, parecem galinhas de pescoço cortado a correr esbaforidas pelo pátio”.
Quanto à crise de fome que a especulação das matérias primas poderá provocar, não se comove. "Até que esse mercado estoire, talvez daqui a dez anos, há muito dinheiro a ganhar. É triste, mas é a regra da oferta e da procura, o problema é que não há suficientes matérias primas para todo o planeta. A penúria do século será a água, que se tornará mais valiosa no mercado bolsista que o petróleo”.
No Dia Mundial Contra a Fome, uma ONG diz que “bastariam “ 30 milhões de dólares para garantir a segurança alimentar no planeta, enquanto 3 000 milhões vão ser injectados nos bancos. Mas, como diz o artigo, “não há índices Dow Jones para os ventres esfomeados”.
Quanto à crise de fome que a especulação das matérias primas poderá provocar, não se comove. "Até que esse mercado estoire, talvez daqui a dez anos, há muito dinheiro a ganhar. É triste, mas é a regra da oferta e da procura, o problema é que não há suficientes matérias primas para todo o planeta. A penúria do século será a água, que se tornará mais valiosa no mercado bolsista que o petróleo”.
No Dia Mundial Contra a Fome, uma ONG diz que “bastariam “ 30 milhões de dólares para garantir a segurança alimentar no planeta, enquanto 3 000 milhões vão ser injectados nos bancos. Mas, como diz o artigo, “não há índices Dow Jones para os ventres esfomeados”.
7 comentários:
Cara Suzana Toscano,
Não comento o Jim Rogers: nos próximos 30 anos muitas fortunas se farão nos Estados Unidos; e essas previsões valem normalmente menos do que o dinheiro que o senhor ganha a expô-las.
Já os "30 milhões de dólares" que, segundo a ONG que cita, "bastariam para garantir a segurança alimentar no planeta" me suscitam um violento repúdio.
Violento porque, ao contrário das afirmações do Senhor Jim Rogers essas não são apenas falsas, ou inócuas: são também perigosas.
Não se trata a fome com dinheiro pela razão talvez não evidente mas para mim irrefutável que ela é um problema político, não é um problema económico. E todas essas ONG que, para dar emprego aos jovens ocidentais, ou saciar a sua mais do que legítima apetência por aventuras e uma vida "diferente" se dedicam a pôr gesso numa perna que está infectada fazem, a meu ver, mais mal do que bem.
NB: Não ponho em causa a dedicação, boa vontade e, nalguns - muito raros, infelizmente - casos profissionalismo e competência desses jovens. Mas mantenho que são mais perniciosos do que úteis. Ou enfim: que devíamos reavaliar mais objectivamente o trabalho, e as suas consequências, da esmagadora maioria dessas ONG.
Em parte concordo com o comentador que me antecede quando diz que a fome é uma questão política. Nalguns casos, naqueles países onde as estações do ano permitem agricultura, assim é. Mas o drama subsiste. Como “obrigar” os governantes desses países a assumirem políticas diferentes quando eles próprios estão preocupados apenas com o seu umbigo? E naqueles países onde as alterações climáticas já se fazem sentir com a ausência de pluviosidade quase total e a consequente erosão dos solos aráveis, qual a política a seguir além da ajuda internacional?
Subscrever a atitude do abutre jim rogers não é, certamente, a política mais correcta…
Se me permitem: "Eles parecem umas galinhas", segundo esse senhor, adivinhem quem é que está depenado... no pátio global!
Caro Luis Serpa, tenho que dizer que hesitei em reproduzir essa parte do artigo, não por descrer dos méritos da acção das ONG, que considero muito positivas em geral, mas porque este tipo de "transferências" financeiras, sempre falando de milhões e milhões, me suscitam logo um grande cepticismo. Não sei o que significa "garantir a segurança alimentar do mundo", por exemplo. Mas sei uma coisa, - e o caro Jotac também a exprimiu com clareza - e essa é que muitas dessas organizações dão de comer a quem tem fome, a quem morreria de fome se elas não lhes chegassem o arroz, ou a massa, ou a sopa todos os dias. É que morrer de fome leva só alguns dias, não dá tempo a que se desenhem as tais políticas económicas de que fala, cheio de razão, no seu comentário. Digamos que as ONG precisam, dizem elas, de 30 milhões, para não deixar ninguém sofrer essa vileza que é morrer por falta de alimento. E, desta vez, resolvi acreditar que, mesmo que não seja exactamente assim, não será de certeza muito diferente.O contraste com o tal JR? É que ele vive para acumular dinheiro, é uma espécie de desporto, uma vitória sobre o mundo, a quem ele troca as voltas porque é muito esperto. O contraste é muito impressivo, acho eu.E estas aves de rapina existem...e engordam, e reproduzem-se.
Cara Suzana Toscano,
A minha opinião sobre as ONGs e os seus efeitos perversos talvez seja um bocadinho excessiva, ou radical. Penso que esse excesso e esse radicalismo servem para mascarar uma dúvida, ou muitas.
Em 1994, durante a crise ruandesa, trabalhei um ano no Burundi, como Logistics Officer do UNHCR. Estava baseado em Bujumbura, a capital, e era responsável ela distribuição da ajuda pelos diferentes campos (tínhamos 7 grandes, com um total de aproximadamente 300,000 pessoas - ou "beneficiários", para utilizar o jargão; e, creio que em 1996 - durante a tomada de poder por Kabyla pai - trabalhei no então Zaire, hoje Congo, para o CICR como Delegado. Baseado em Kindu, primeiro (Sud Kivu) e em Lubumbashi depois.
O meu conhecimento das ONGs foi adquirido no terreno - e o empirismo é necessário, mas não suficiente, para se ter uma opinião aprofundada sobre as coisas (no aspecto técnico. Já politicamente a figura é outra). E curto - um ano e meio não é muito tempo.
Posto isto, creio que posso falar com um certo conhecimento de causa - em primeiro lugar devido à amplitude das duas crises em que trabalhei, em segundo lugar devido a natureza do meu trabalho - como era responsável pela logística (nos dois casos - no Leste do Zaire as nossas missões eram sobretudo de distribuição) e em terceiro devido ao facto de me ter interessado pelo tema - durante um certo período até pensei dedicar-me ao humanitário definitivamente - e ter portanto pensado e lido sobre o assunto.
Temos que começar por segmentar o tema - ajuda humanitária, ou de urgência, e ajuda ao desenvolvimento. A primeira ainda tem bastantes pontos defensáveis. Já a segunda os tem muito poucos.
Mas enfim, peço-lhe desculpa por este arrazoado. É um tema longo e que dá basto pano para vastas mangas.
Caro Luis Serpa, muito obrigada por se ter dado ao trabalho de explicar melhor o que tinha querido dizer. Acho que aprendemos muito com o que aqui nos disse. E fica a minha admiração pelo seu trabalho nas ONG e por não se ter desprendido dele, de certa maneira. Acho que nunca se consegue...
Eu é que lhe agradeço, cara Suzana Toscano, ter-me dado oportunidade de comentar o seu post - e peço desculpa, porque as explicações não me parecem muito boas.
Só ao fim de 10 anos comecei a ser capaz de falar daquilo que vi e vivi no Burundi e no Rwanda; e só agora, 14 anos depois, tenho vontade de o fazer.
Não, não é fácil desprendermo-nos daquilo.
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