Em 1950, um interessante filme japonês esteve na base da designação “Efeito Rashomon”. O título do filme era precisamente “Rashomon” e relatava quatro testemunhos sobre um caso de estupro e de assassinato de um samurai. Cada um descreveu o que viu. O espectador, perante os diferentes relatos, fica sem saber qual a verdade dos factos. Cada uma das histórias contraditava as restantes.
Esta obra-prima teve o condão de mostrar quão difícil, ou mesmo impossível, é encontrar a verdade quando existem conflitos de pontos de vista, ao ponto dos psicólogos passarem a utilizar aquela designação para situações semelhantes.
Afinal, a memória pode atraiçoar-nos ou mesmo atraiçoar os outros através das recordações. A memória não é propriamente um arquivo tipo ficheiro de argolas ou no computador a que nos socorremos para reviver um evento. Não. Nada disso. Quando registamos algo na nossa memória fazemos com que os acontecimentos se “desintegrem” e fiquem “espalhados” pelo cérebro. Depois, ao invocá-los lá vamos juntando as peças de forma a reconstruir os acontecimentos. Reconstruir e não reproduzir. Acontece, no entanto, que no processo de reconstrução são introduzidos elementos provenientes do próprio narrador, fruto das suas vivências, das suas expectativas, dos seus preconceitos, do seu nível cultural, dos seus “esquemas” mentais, ao ponto de omitir parte da informação, que considere irrelevante, dar enfâse ao que é mais significativo, racionalizar as partes que não faziam sentido, tudo isto com o objectivo de transformar a história mais compreensível a ele próprio, ao narrador. Daqui se pode inferir que são introduzidos pequenos, e às vezes grandes erros, que se propagam entre os ouvintes, os quais por sua vez, vão construindo as suas próprias narrativas com as descrições dos outros e com novos elementos. Deste modo, a história pode chegar a um ponto que não tem nada a ver com o original e, consequentemente, provocar problemas muito sérios, nomeadamente quando se trata de uma testemunha judicial, podendo ser razão mais do que suficiente para que alguém seja condenado inocentemente.
A confabulação é uma entidade muito bem definida e está relacionada com lesões cerebrais distintas. Recordo que um dos primeiros doentes que vi, alcoólico, confabulava de uma forma surpreendente. Não sabia e não conseguia responder a nenhuma das minhas perguntas, mas não se calava, construindo histórias e narrativas umas atrás das outras para tentar “fugir” ao que não entendia. Faz parte de uma vasta gama de casos patológicos que afectam, e muito, a memória. No caso vertente, estamos a falar de pessoas ditas normais que, ao recordarem-se de determinados casos, acabam por acrescentar “um ponto”. Se fosse só um, vá que não vá, mas na maioria são muitos, acabando por distorcer a verdade dos acontecimentos.
Esta “intrusão” nos relatos das memórias, devido aos tais esquemas mentais, próprios de cada um, pode não ter nada de especial e, por vezes, até ser musa de inspiração caso seja um escritor ou um poeta, mas o mesmo não se pode dizer quando nos encontramos perante a justiça. Por outro lado é uma fonte de mal-estar e de indignação quando os alvos são cidadãos anónimos e inocentes que assim se vêem expostos a verdadeiras “confabulações”.
Se formos para o campo da política, o “Efeito Rashomon” atinge proporções inacreditáveis. Basta, para o efeito, ver, ou melhor, ouvir os relatos das memórias dos diferentes políticos face aos acontecimentos do passado. Tantas versões sobre o mesmo evento... E a verdade? Onde estará?
Esta obra-prima teve o condão de mostrar quão difícil, ou mesmo impossível, é encontrar a verdade quando existem conflitos de pontos de vista, ao ponto dos psicólogos passarem a utilizar aquela designação para situações semelhantes.
Afinal, a memória pode atraiçoar-nos ou mesmo atraiçoar os outros através das recordações. A memória não é propriamente um arquivo tipo ficheiro de argolas ou no computador a que nos socorremos para reviver um evento. Não. Nada disso. Quando registamos algo na nossa memória fazemos com que os acontecimentos se “desintegrem” e fiquem “espalhados” pelo cérebro. Depois, ao invocá-los lá vamos juntando as peças de forma a reconstruir os acontecimentos. Reconstruir e não reproduzir. Acontece, no entanto, que no processo de reconstrução são introduzidos elementos provenientes do próprio narrador, fruto das suas vivências, das suas expectativas, dos seus preconceitos, do seu nível cultural, dos seus “esquemas” mentais, ao ponto de omitir parte da informação, que considere irrelevante, dar enfâse ao que é mais significativo, racionalizar as partes que não faziam sentido, tudo isto com o objectivo de transformar a história mais compreensível a ele próprio, ao narrador. Daqui se pode inferir que são introduzidos pequenos, e às vezes grandes erros, que se propagam entre os ouvintes, os quais por sua vez, vão construindo as suas próprias narrativas com as descrições dos outros e com novos elementos. Deste modo, a história pode chegar a um ponto que não tem nada a ver com o original e, consequentemente, provocar problemas muito sérios, nomeadamente quando se trata de uma testemunha judicial, podendo ser razão mais do que suficiente para que alguém seja condenado inocentemente.
A confabulação é uma entidade muito bem definida e está relacionada com lesões cerebrais distintas. Recordo que um dos primeiros doentes que vi, alcoólico, confabulava de uma forma surpreendente. Não sabia e não conseguia responder a nenhuma das minhas perguntas, mas não se calava, construindo histórias e narrativas umas atrás das outras para tentar “fugir” ao que não entendia. Faz parte de uma vasta gama de casos patológicos que afectam, e muito, a memória. No caso vertente, estamos a falar de pessoas ditas normais que, ao recordarem-se de determinados casos, acabam por acrescentar “um ponto”. Se fosse só um, vá que não vá, mas na maioria são muitos, acabando por distorcer a verdade dos acontecimentos.
Esta “intrusão” nos relatos das memórias, devido aos tais esquemas mentais, próprios de cada um, pode não ter nada de especial e, por vezes, até ser musa de inspiração caso seja um escritor ou um poeta, mas o mesmo não se pode dizer quando nos encontramos perante a justiça. Por outro lado é uma fonte de mal-estar e de indignação quando os alvos são cidadãos anónimos e inocentes que assim se vêem expostos a verdadeiras “confabulações”.
Se formos para o campo da política, o “Efeito Rashomon” atinge proporções inacreditáveis. Basta, para o efeito, ver, ou melhor, ouvir os relatos das memórias dos diferentes políticos face aos acontecimentos do passado. Tantas versões sobre o mesmo evento... E a verdade? Onde estará?
3 comentários:
Ou seja, é praticamente impossível ser "objectivo", as coisas são o que são ou antes a representação que fazemos delas?, a filosofia tratou largamente esse tema. Em direito penal a prova assenta na "verdade material" e na convicção que se forme no espírito do juíz sobre essa verdade. Há um livro de António Lobo Antunes, chamado "O Auto dos Danados" que é uma história assim, há um crime que é relatado por várias pessoas que assistiram e as versões são completamente diferentes sem que, aparentemente, alguém esteja a mentir. Insondável, a mente humana...pelo menos por enquanto,qual será a "verdade" que os leitores do pensamento do futuro poderão ler?
Resumindo, se é que existe algo passível de ser resumido: Não existe realidade!? Ou seja, a realidade é composta de diferentes e entrelaçadas confabulações!?
Bom, sendo assim, tenho tudo explicado. Quer dizer... não só explicado, como definido e identificado. Causava-me uma enorme confusão, o facto de andar toda a gente a debitar conceitos e opiniões acerca de tudo e mais alguma coisa, sem conseguir perceber que alguma mudança se operasse. Enquanto isto, assistia ainda à confabulação do nosso estimado governo, que sorrindo ía afirmando que não senhor... que o povo é sereno... que é só fumaça...
Concluo assim que no meio disto tudo, quem está errado sou eu, que não consigo compactar a informação.
Será que tenho o disco rígido danificado? Ou será o processador?
Ou a mother bord... talvez a placa gráfica... a RAM!!!!
É isso! preciso de aumentar a RAM!!!!
A influência da subjetividade na interpretação da sensação (da Realidade) já assunto bem conhecido e bem estudado pelos clássicos psiquiatras alemães (Kraepelin, Kretschmer, Kurt Schneider) e franceses. A Realidade (o Mundo Externo) é uma só e é como ela é, nós é que interpretamos conforme nosso patrimônio cultural (cognitivo, afetivo, volitivo, ético, estético). É essa subjetividade que cabe ao perito psiquiatra avaliar nos depoimentos. Como esse filme explora bem esse fenômeno, profissionais da área de Saúde Mental, resolveram batiza-lo com o nome dele.
Victor Leonardo da Silva Chaves Médico CRM-RJ 12223-0
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