1. Um dos fenómenos curiosos destas últimas semanas – mais um subproduto da celebrada crise financeira, mas não só... – tem sido um rápido alargamento dos “spreads” da dívida pública entre os países da Zona Euro.
2. Com efeito, os últimos dados conhecidos mostram, com especial destaque em relação a 4 países – Grécia, Itália, Irlanda e Portugal – que os “spreads” se têm agravado fortemente, situando-se agora a níveis nunca vistos desde a criação da Zona há 10 anos.
3. Concretizando um pouco mais, à data de ontem e para o "benchmark" dos 10 anos, mais representativo, os “spreads” sobre a taxa (yield) da dívida alemã, eram os seguintes: 153 basis points para a Grécia, 118 para a Irlanda*, 108 para a Itália e 94 para Portugal.
4. Num segundo grupo, aparecem a Bélgica com 73, a Áustria* com 70 e a Espanha com 69.
5. Percebe-se que os mercados acordaram para o problema do diferente risco que os vários Estados do euro representam em matéria de dívida, independentemente do facto de essa dívida estar expressa na mesma moeda e de os Estados se encontrarem sujeitos, por força do famoso Pacto de Estabilidade e Crescimento, a uma disciplina financeira comum.
6. Este fenómeno reflecte uma preocupação há muito tempo relevada por alguns analistas mais atentos aos problemas estruturais da Zona Euro e à dificuldade em gerir uma moeda comum com políticas financeiras e fiscais largamente independentes não obstante o dito Pacto.
7. Os mercados começam agora a perceber que vai ser muito difícil a alguns países do Euro resolver seus problemas estruturais e que essa resolução pode exigir períodos de recessão bastante longos, com implicações económicas e políticas extremamente complexas.
8. É neste ponto que encaixam questões que ganharam especial acuidade entre nós (só) recentemente, como é o caso do endividamento excessivo – nomeadamente o externo – e do nosso muito “querido” Programão.
9. O formidável desequilíbrio externo que não só não temos sido capazes de resolver como nestes últimos anos se agravou fortemente – sendo este para mim um enorme enigma de uma política económica que se tem auto afirmado de sucesso – constitui, neste contexto, um pesado risco de contínua deterioração das nossas condições de acesso a financiamento externo.
10. É preciso recordar que a deterioração das condições de emissão de dívida pública se propaga, com prémio agravado, para as dívidas de outros emitentes não soberanos - nomeadamente bancos... – constituindo um ónus acrescido para uma economia já tão depauperada.
11. É nisto que deveríamos pensar, parece-me, quando se equaciona a aventura muito mal calculada do Programão...mas afigura-se que, como sempre, preferimos esperar pelo sinistro para então procurar cobrir o risco...por este andar, vamos encostar-nos à Grécia, não tarda...
* Os benchmarks para a Irlanda e Áustria são mais longos que os dos seus parceiros - em igualdade de condições, a dívida da Irlanda cotaria igual ou melhor que a da Itália e a da Austria melhor que a da Belgica e da Espanha
18 comentários:
Caro Tavares Moreira, boa tarde!
Tenho acompanhado desde há muito tempo a sua veemente chamada de atenção para a carga que podem representar os investimentos públicos de grande escala, nomeadamente o TGV e o aeroporto.
E, no essencial, compreendo as suas preocupações.
Penso, contudo, que sendo investimentos de realização que se prolonga durante vários anos, o seu adiamento "sine die" ou o seu cancelamento total, poderia ter efeitos negativos futuros, que teremos de comparar com os custos do esforço financeiro que eles impõem.
Eu não sei se o TGV tem mérito económico suficiente para prosseguir viagem. Se não tem, o problema deveria resolver-se, cancelando-o, antes de colocarmos a questão do seu financiamento.
Se tem mérito, a prova ácida passa pela sua concessão à iniciativa privada. Se alguém lhe pegar, é porque tem mérito e não vejo razão porque não prossiga.
O Ministro M Lino disse muitas vezes que estes programas seriam entregues à iniciativa privada e, portanto, aos seus recursos.
Nada que nos afecte a nós, cidadãos comuns, nem na dívida nem nos impostos. Teremos, os que usarem o TGV que pagar o bilhete e embarcar.
Quanto ao aeroporto, podem colocar-se alguns problemas específicos de interesse nacional mas, mesmo neste caso, nada melhor que ouvir as partes privadas interessadas.
Dir-me-á: O Ministro gosta de dizer coisas. Pois que diga e peguem-lhe na palavra. A discussão acerca do faz porque tem de ser feito ou não faz porque não há dinheiro, pode resolver-se pondo a palavra do senhor ministro à prova.
Quanto aos "spread" serem diferenciados, parece-me a coisa mais natural do mundo. Os banqueiros sempre usaram cobrar mais a quem oferece menos garantias. E, já se sabe, se sobe o endividamento reduzem-se as garantias de o poder pagar.
Até ao dia em que não emprestarão mesmo, qualquer que seja o "spread" considerado. Mesmo entre banqueiros. Ouvimos falar disso bastante nos últimos tempos.
Há ainda um aspecto que pode não ser totalmente irrelevante nos tempos que correm, embora eu não lhe veja pessoalmente grande interesse. É da sabedoria popular que tem um problema quem deve mil ao banco; se deve um milhão o problema é do banco. Nos tempos que correm, receio que um dia destes as vantagens estejam do lado dos devedores.
Que lhe parece?
Caro Rui Fonseca,
O que me parece? Parce-me óptimo, com duas ou três pequeníssimas ressalvas que passo a enunciar.
1ª) Não estou nada preocupado, ao contrario do que o meu preclaro sugere, com o acrescimo de endividamento a que assisto...até reputo de algo divertido o ar de satisfação com que muitos dos meus compatriotas vão participando neste espectaculo de asneira em cima de asneira que nos vai atirando para uma situação de enorme aperto, com o ar mais descontraído deste mundo...
2ª) Não percebo, confesso, o que tem a ver o longo prazo de realização destes investimentos/Programão, com os custos do seu eventual adiamento - até penso, talvez por ignorância admito, que o longo prazo de realização e os elevados custos de capital inerentes a essa característica deveriam constituir motivo para uma reflexão mais ponderada, antes de tais investimentos se iniciarem...
3ª) Admiro muito sua postura, quanto mais endividados mais descontraídos, só temo que a mesma não seja compatível com a nossa "filiação" no famoso Pacto...
4ª) Quanto à subida dos "spreads", registo sua indiferença e tranquilidade perante o fenómeno- que reconheço serem coerentes com a despreocupação quanto ao agravamento da dívida.
E é tudo, mande sempre meu Caro!
Caro Tavares Moreira,
Quer dizer, então, que não estamos em último no risco de crédito? Mas isso é fantástico porque dá-nos margem para construirmos um túnel de ligação entre o aeroporto do Porto e o NAL! Porque sermos os últimos em tudo, menos na dívida, configura-se como uma situação de desequilíbrio estrutural que há que resolver rapidamente.
Caro Tavares Moreira,
Volto só para precisar que também eu estou preocupado com o endividamento, do Estado, das famílias, dos bancos. O que referi foi a possibilidade, em que não estou pessoalmente interessado, disse, de a evolução da crise poder favorecer os que devem e prejudicar os que pouparam. Já estamos a assistir a exemplos destes.
E gostaria ainda de comentar "Não percebo, confesso, o que tem a ver o longo prazo de realização destes investimentos/Programão, com os custos do seu eventual adiamento"
Como comentei, se os projectos têm mérito económico, isto é, se apresentam níveis de rentabilidade bastante para justificarem o investimento, o seu retardamento pode atrasar as vantagens da sua existência. Se essas vantagens existirem.
É, claramente, o caso do aeroporto.
Eu não sei se o novo areoporto se justifica ou não desde já. Mas se essa justificação existe, o adiamento tem de ser confrontado com os custos financeiros que isso implica, spreads agravados considerados.
Salvo melhor opinião.
De qualquer modo, a confrontação com as palavras de Mário Lino de que o investimento público seria reduzido deveria ser levantada.
Porque não se desfia o Ministro a esclarecer se avança no sentido que disse estar aberto?
Leia pf. "desafia" e não que lá está.
Caro Tonibler,
De todo pertinente a sua observação...não pode ser, temos de fazer mais um esforçopara conseguir ultrapassar a Grécia e ficarmos com o spread mais elevado na dívida pública!
Felizmente esse esforço está ser feito e vai certamente prosseguir de forma persistente e consistente, para isso contamos com uma das melhores equipas da Europa em cultivo de endividamento público!
Caro Rui Fonseca,
Eu desafiar o MOP a esclarecer o que quer que seja?
Meu Amigo toma-me por lunático ou emestado demencial? Olhe que disso já gosto pouco, não lhe acho muita graça...
Quanto à história do investimento privado, desde que conte com garantia do Estado para assegurar uma dada rentabilidade, como sucede nas actuais SCUT's (por falar nisso, quando são introduzidas as portagens prometidas há dias pela 54ª vez?) - é investimento sem risco para esss investidores mas com enormes custos para o Estado.
É esse modelo que meu Amigo preconiza?
"É esse modelo que meu Amigo preconiza?"
Caro Tavares Moreira,
De modo algum. Por isso lhe chamei "prova ácida". Se um investimento tem mérito, terá financiamento, sempre ouvi dizer.
Ora, quem melhor do que a iniciativa privada para avaliar esse mérito?
Mas se, eventualmente, uma parte desse mérito resida no interesse público, avalie-se esse interesse e o custo do mesmo. É uma questão de contas, suponho.
Ora o que vejo é uma discussão acerca do "fazemos porque sim", não fazem, não senhor "porque não há dinheiro". Parece-me pouco consistente mas muito frequente neste país.
Aproveito para clarificar que estava muito longe da minha ideia atribuir-lhe a si, meu Caro Amigo, a incumbência de desafiar o Ministro. Quando escrevi "Porque não se desafia o Ministro..." interrogava-me, em voz alta por isso o meu Amigo ouviu, porque razão não confronta a oposição o governo em sede própria?
Ouvi ontem a intervenção do líder da bancada do PSD acerca dos grandes investimentos, tendo o minstro para os assuntos parlamentares interrogado em seguida, que "investimentos cortaria o PSD" para compensar os aumentos de despesa resultantes das suas (do PSD) propostas".
Respondeu Rangel que necessitava, para responder, de saber valores que o governo não disponibilizara à AR.
E, mais uma vez, me interrogo: Porque não confrontou Rangel o governo com as palavras do ministro das obras públicas acerca do investimento privado no aeroporto e no TGV? E, interrogo-me ainda,que AR temos nós que aceita discutir o OE sem os elementos que reputa importantes para a sua análise?
Trata-se de uma exigência excessiva ou de uma recusa imperdoável?
Interrogo-me.
Caro Rui Fonseca,
O que adianta a iniciativa ser privada, como sustenta, se o risco do negócio fica ou corre por conta do Estado? Como nas pobres SCUT's?
O Ilustre Rui Fonseca não esclareceu aliás quando é que as portagens serão introduzidas em SCUT's, depois dessa introdução ter sido reiterada há cerca de 2/3 semanas, pela 54ª vez...
Os debates na AR não servem para esclarecer o que quer que seja meu Caro, aquilo funciona em regime de encenação permanente, a ver quem consegue arrancar a melhor tirada do dia que é isso - e só isso - que os jornais publicam no dia seguinte!
peço-lhe assim que esqueça o contributo possível da AR para o esclarecimento deste tipo de problemas.
Surpreende-me um pouco, confesso, a sua relativa indiferença "en ce qui concerne le probleme du choix des investissements"...quando os recursos próprios são inexistentes e os projectos terão se ser financiados externamente a 100% ou quase...
Que se passa com o competentíssimo e respeitadíssimo Rui Fonseca que conheci?
"quando os recursos próprios são inexistentes e os projectos terão se ser financiados externamente a 100% ou quase..."
Mas estes investimentos do "programão", como lhe chama, podem ser realizados por investidores externos, se , repito, os investimentos têm mérito
bastante.
Porque se não têm, e só se sustentam com o Estado a servir de tutor, deveriam ser esquecidos.
Parece-me que não estamos tão em desacordo quanto isso. A diferença está em que o meu Amigo alerta que não há meios; eu, salvo melhor opinião, penso que o que eles não terão é mérito suficiente para avançarem pelos seus (deles) pés.
Caro Rui Fonseca,
Verifico, com agrado, que nos encontramos numa convergência de trajectórias dialéticas...
A insuficiência de recursos financeiros e as dúvidas quanto à bondade intrínseca destes projectos devem, no mínimo, impor uma pausa para reavaliação - da qualidade dos projectos e dos meios a mobilizar.
Falta ainda saber quanto à introdução de portagens nas SCUT's - que me lembre só MFL fez isso, na CREL em 2002, com o alarido de que certamente se recordará, em grande parte alimentado pelo grupo da rosa...
Mas convenhamos que prometer pela 54ª vez e não cumprir - não será demais?
Ou será que o grupo da rosa terá receio de um alarido similar ao de 2002?
"Ou será que o grupo da rosa terá receio de um alarido similar ao de 2002?"
Caro Tavares Moreira,
Os alaridos tenho-os ouvido, enquanto cidadão apartidário, de todos os lados. O mais memorável terá sido o buzinão na ponte, apoiado descaradamente pela oposição da altura.
Neste momento há uma forte razão para que as Scut sejam portajadas mais dia menos dia: as receitas serão cada vez mais escassas e as despesas mais prementes.
As crises também têm alguns aspectos positivos.
Penso eu, que sou optimista.
Caro Rui Fonseca,
"Mais dia menos dia"...importa-se de ser um pouco mais preciso?
Estaremos a falar em alguns dias, dezenas de dias ou centenas de dias?
Não menos de 365, depois de evitar o assunto durante o período eleitoral?
Quer dar um pouco mais de luz a esta sua visão (confessadamente) optimista?
Será que essa crise de que fala terá mesmo este aspecto positivo - ou será exactamente ao contrário?
Caro Tavares Moreira,
A minha convicção não é inabalável mas escora-se naquele princípio filosófico que garante que quando não há dinheiro não há vícios.
E parece que ele (o dinheiro) se está tornar escasso.
A menos que uma súbita abundância o desvalorize. É por causa de uma subida inflacionista, possível ainda que improvável, suponho, que lhe referi as vantagens que dela poderão retirar os devedores.
As complicações começam a ser tantas que as tentações para "resolver" as dívidas através de um processo inflacionista podem ser muitas.
Receio meu, que estou reformado.
Caro Rui Fonseca,
O FMI, no update do World Economic Outlook ontem divulgado, aponta um valor para a inflação na Zona Euro inferior a 2% em 2009, podendo mesmo vir a ser da ordem de 1% lá para o final do ano,em termos homólogos...
Como explica meu Ilustre Amigo essa hipótese inflacionista para "ajudar" a resolver dívidas?
Olhe que um cenário "debt-deflation" não é tanto de excluir - "but it is a plague to be avoided at all costs", nas sábias palavras de Martin Wolf, no seu comentário da pág. 2 da edição de hoje do Financial Times...
Caro Tavares Moreira,
Nenhuma das hipóteses é boa, mas eu também referi como improvável uma situação de estagflação.
Que, no entanto, não será impossível.
Temos assistido nos últimos tempos a uma autêntica montanha russa com picos altíssimos das commodities (petróleo, bens alimentares, sobretudo) e depois quedas bruscas.
Ninguém nos garante que o caroussel não possa inverter a tendência dentro de algum tempo.
Mesmo contra as previsões do FMI.
E em situação de estagnação inflacionária, alguns devedores, se os seus rendimentos acompanharem o nível de preços, nas suas dívidas (empréstimos para habitação, por exemplo) verão as suas prestações sensivelmente minoradas, e tanto mais se o crescimento dos juros ficar aquem dos níveis de inflação.
Caro Rui Fonseca,
Estou curioso para perceber como é que me Amigo concebe, numa hipotética situação de estagflação - estagnação inflacionária, para usar sua formula - que um numero significativo de devedores consiga obter um crescimento dos seus rendimentos igua ou acima da inflação...
Olhe que nem todos os cidadãos são deputados, membros do(s) Governo(s), autarcas, gestores ou qadros superiores de empresas publicas, empresas municipais, altos quadros da administração publica, regional ou local, titulares de outros importantes cargos publicos, etc...
Bem sei que esses são muitos, admito por isso que esteja a contar fundamentalmene com esses...será?
Caro Tavares Moreira,
Chegado aqui, tenho que começar por agradecer-lhe a sua imensa paciência.
Quanto à questão que me coloca, e tendo eu começado por dizer que considero improvável mas não impossível o cenário de estagflação, o exemplo mais imediato que me ocorre é o que irá acontecer no próximo ano: o governo aumenta os salários dos funcionários públicos em 2,9%, acima da infação prevista.
É claro que, como não há milagres, esse aumento redundará em pressoes inflacionistas, sobretudo se os movimentos sociais empurrarem os salários em geral no sentido ascendente.
Cria-se um caldo propício a um processo inflacionista promovido pela antecipação do crescimento dos salários.
Dir-me-á, R Fonseca, isso era no tempo da moeda macaca, o meu Amigo não se esqueça que agora estamos na Europa.
Ora, repetindo que creio e que quero acreditar, que se trata de uma situação improvável, nada impede que o mesmo processo se alastre mesmo a países com mais juízo que o nosso.
Nos tempos que correm anda muita insegurança e falta de confiança à solta. Se, como dizem, o pior está ainda por vir, as convulsões sociais poderão forçar a adopção de políticas de emergência que, como se sabe, acabam por ter custos elevados mais tarde.
Fantasias minhas, por ouvir tanta gente a falar da crise? Oxalá.
Caro Rui Fonserca,
Ao cabo de uma longa maratona de comentário e contra-comentário em que o fair-play foi nota dominante (como não podia deixar de ser entre pessoas que se respeitam), julgo estar em condições de concluir que o melhor será aguardar para ver...
É uma conclusão tipicamente la-palissiana, mas julgo não serem poucas as vezes em que seguir a esteira de Mr. de La Palisse se revela opção sensata e segura...
Enviar um comentário