A reportagem sobre um leilão, preparado ao ínfimo pormenor por um professor de desenho, nas vésperas da sua morte, despertou-me a atenção. Dizia a jornalista que era um homem banal, de “feitio muito difícil”, “que não fez nada de extraordinário, nem sequer foi um brilhante aluno, ou artista ou escritor. Em abono da verdade, nada do que fez em vida o teria posto nas páginas de um jornal”.
Pois! Fui à página da internet, folheei a lista das centenas de lotes e licitei cinco, referentes a “obras do João”; desenhos, sem os ver. Os valores base eram muito acessíveis, alguns no valor de um euro!
A doença que o minou, durante anos, deve ter sido terrível. De qualquer modo, foi um lutador e um homem cheio de generosidade. Tocou-me uma frase da sua autoria: “Além do ser ou não ser dos nossos problemas, o que importa é isto: penso nos outros, logo existo”.
Foi-me comunicado que tinha que levantar três lotes até Domingo. Sábado à tarde, com um sol radioso, desloquei-me à zona da Ajuda. O apartamento revelava sinais mais que evidentes da passagem dos licitadores. Deram-me uma ficha e fui para aquilo que devia ter sido a sala de estar. Alguns quadros ainda permaneciam na parede a par de inúmeros pregos reveladores de outros espaços de arte que aguçaram a minha imaginação. Chamaram-me e recebi os desenhos. Surpreenderam-me. Revelavam qualidade, dor, provocação e originalidade. Paguei uma quantia não superior ao equivalente a duas corridas de táxi até à Praça de Comércio ou a menos de metade de uma viagem de comboio entre Coimbra e Lisboa! Perguntei se não tinham ainda mais “obras do João”. Tinham. Fui à sala e comprei mais três belos desenhos que ainda estavam na parede e que não tinham sido objecto de atenção. Um deles, pequeno, colocado “em baixo” retratava a face de um homem. Desenho simples. Ao pegar reparei que tinha um pequeno texto debaixo da fácies expressiva: “Não sei quem represento, tão pouco quem me desenhou e porquê a mim, assim. Não sei quem tu és que me vês assim como me vês. É assim que somos, os desenhos; um não ser. Sendo”.
Acabei por aprender com alguém que nunca vi, nem ouvi, adquirindo uma pequenina parte da sua vida. Afinal, mesmo sendo uma “pessoa difícil”, revela dignidade e valor capazes de fazer inveja a muitos que passeiam os seus nomes pelos jornais.
As palavras do texto, em que assenta o desenho a sépia, acompanharam-me durante toda a viagem até Coimbra. Têm um encanto muito especial. O pintor nunca saberá quem eu sou e como eu o vejo. Mas eu sei vê-lo...
Pois! Fui à página da internet, folheei a lista das centenas de lotes e licitei cinco, referentes a “obras do João”; desenhos, sem os ver. Os valores base eram muito acessíveis, alguns no valor de um euro!
A doença que o minou, durante anos, deve ter sido terrível. De qualquer modo, foi um lutador e um homem cheio de generosidade. Tocou-me uma frase da sua autoria: “Além do ser ou não ser dos nossos problemas, o que importa é isto: penso nos outros, logo existo”.
Foi-me comunicado que tinha que levantar três lotes até Domingo. Sábado à tarde, com um sol radioso, desloquei-me à zona da Ajuda. O apartamento revelava sinais mais que evidentes da passagem dos licitadores. Deram-me uma ficha e fui para aquilo que devia ter sido a sala de estar. Alguns quadros ainda permaneciam na parede a par de inúmeros pregos reveladores de outros espaços de arte que aguçaram a minha imaginação. Chamaram-me e recebi os desenhos. Surpreenderam-me. Revelavam qualidade, dor, provocação e originalidade. Paguei uma quantia não superior ao equivalente a duas corridas de táxi até à Praça de Comércio ou a menos de metade de uma viagem de comboio entre Coimbra e Lisboa! Perguntei se não tinham ainda mais “obras do João”. Tinham. Fui à sala e comprei mais três belos desenhos que ainda estavam na parede e que não tinham sido objecto de atenção. Um deles, pequeno, colocado “em baixo” retratava a face de um homem. Desenho simples. Ao pegar reparei que tinha um pequeno texto debaixo da fácies expressiva: “Não sei quem represento, tão pouco quem me desenhou e porquê a mim, assim. Não sei quem tu és que me vês assim como me vês. É assim que somos, os desenhos; um não ser. Sendo”.
Acabei por aprender com alguém que nunca vi, nem ouvi, adquirindo uma pequenina parte da sua vida. Afinal, mesmo sendo uma “pessoa difícil”, revela dignidade e valor capazes de fazer inveja a muitos que passeiam os seus nomes pelos jornais.
As palavras do texto, em que assenta o desenho a sépia, acompanharam-me durante toda a viagem até Coimbra. Têm um encanto muito especial. O pintor nunca saberá quem eu sou e como eu o vejo. Mas eu sei vê-lo...
3 comentários:
Caro Professor Massano Cardoso
Também li a notícia. Comovente a decisão do professor João Gomes que, sendo um homem simples, decidiu que as suas coisas, por modestas que fossem, poderiam ajudar o próximo. Assim, decidiu "doar toda uma vida" à solidariedade (AMI, Acreditar e Casa Sol). Sendo um homem "fechado" e "solitário", abriu-se perante a doença e o sofrimento, mostrando ao mundo ser um homem bonito. Rendo-me ao seu encanto!
É na dor e no sofrimento que nos igualamos. É tambem nesses estádios que ganhamos uma consciência mais precisa da dimensão de um espaço onde os sentidos assumem o papel de vias de recepção e de emissão apurados.
Este post, é uma simpática homenagem a uma pessoa (perssona-máscara) que viveu, sentiu e se entregou, a uma sociedade onde, não se enquadrou plenamente, mas à qual não rejeitou, legando e dedicando a sua obra.
sou do brasil-RJ.
comovi-me muito tambem."penso nos outros, logo existo" fora sempre um valor intuitivo pra mim.
minha mae, jogou na rua, na lixeira mais de 2.000 exemplares de historias em quadrinhos que eu tinha. quando soube que o fruto dessa maldade fez as criancas pobres da rua sorrirem - nao chorei mais. hj me tornei cientista social e fiz um blog somente para ajudar a qualker um se tornar autodidata para ter na arte um oficio, e nos quadrinhos um balsamo benigno. desculpem. esta materia sobre a qual vcs falavam me tocou deveras. mas, depois visitem meu humilde blog e comentem o conteudo. muita paz!
http://www.desenhoarteeoficio.blogspot.com/
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