1. Um dos factores que mais condicionam as perspectivas de crescimento no final de 2008 e em 2009, segundo a análise do FMI no seu World Economic Outlook (WEO) de 3 de Outubro - reafirmada no update do WEO divulgado a 6 do corrente - consiste no processo de “deleveraging” das instituições de crédito que se tornou inevitável por força da crise financeira que abalou os mercados.
2. Esse processo traduz-se numa alteração estrutural dos balanços das instituições, com reforço dos capitais próprios ou/e redução das posições de risco.
3. Dada a dificuldade conjuntural (pelo menos) em conseguir reforçar os capitais próprios – por isso as “ajudas” dos Estados sob múltiplas formas, desde a subscrição de aumentos de capital até à renascida nacionalização, passando pela aquisição dos famosos activos “tóxicos” – os bancos, muitos bancos, terão de reduzir as ex/posições de risco, apertando no crédito – quantidade e preço.
4. Curiosamente, enquanto isto sucede, as taxas euribor continuam a baixar, desde meados de Outubro, tendo, a esta data, reduzido cerca de 1% nos prazos de 6 meses e 1 ano em relação aos valores mais altos registados em Outubro.
5. Perante este cenário – em que se misturam um processo caracterizado por um forte aumento da aversão ao risco de crédito e uma redução significativa das taxas de juro – cabe perguntar, naturalmente, quem beneficia com a descida das taxas.
6. Tenho a percepção de que os grandes beneficiários desta situação são e serão os agentes que menor risco oferecem aos bancos – os Estados e outras entidades da administração pública, central ou local, as empresas públicas ou participadas pelo Estado, as empresas monopolistas ou quase-monopolistas – em suma a artilharia pesada dos sectores protegidos da nossa economia...
Do outro lado, ou seja dos que vão suportar os custos do processo de “deleveraging” e da muito maior aversão ao risco por parte dos bancos – sofrendo cortes no crédito e/ou pagando “spreads” bem mais elevados sobre a euribor, estarão as PME’s, as empresas expostas à concorrência externa, as famílias endividadas...
7. Estamos assim correndo o risco de se cavar um fosso ainda maior do que o que tem existido no processo de afectação de recursos e que sistematicamente favorece os sectores protegidos em detrimento dos sectores mais dinâmicos e concorrenciais – com as inerentes consequências no agravamento dos desequilíbrios estruturais da economia...que não se admirem, depois...
8. O exemplo do Programão é gritante...os imensos recursos que está absorvendo e que ameaça absorver vão faltar necessariamente às PME’s e às Famílias, os bancos preferem racionalmente os projectos em que o risco é, directa ou indirectamente assumido pelo Estado, por muito maus que esses projectos possam mostrar-se...
9. Não se justificará, nestas circunstâncias, um extenso programa de ajudas públicas às PME’s e ao investimento privado em especial, sob a forma de provimento de capitais próprios e de garantias financeiras - muito para além dos complexos, burocráticos e pouco eficientes sistemas em vigor - que protejam este universo empresarial das inexoráveis consequências da aversão ao risco?...Porque se espera?
5 comentários:
Caro Tavares Moreira,
Os apoios às PME sempre foram uma forma de premiar quem tem cunhas porque a lei que acaba por sair com um título qualquer do tipo "Programa Integrado de Apoio" exige um tal trabalho administrativo que, no fim, o programa só serviu para os funcionários públicos andarem a vender aprovações. Por outro lado, a ajuda a quem tem amigos nos sítios certos traz problemas concretos de concorrência e, por isso, um problema económico mais grave, ao fim do dia, que aquele que pretendia cobrir. A lógica diria o contrário mas, pela lógica, seríamos espanhóis. Não fazerem programas de apoio seria uma grande ajuda a quem tenta trabalhar.
O programão é tudo isto mas em grande. O tipo de amigo que é preciso ter tem que ser muito amigo.
E que tal o Estado arrecadar menos impostos e dar liberdade (e responsabilidade) às pessoas para tomarem as suas próprias opções? Porque razão a opinião instalada acha que o Estado/governo é que sabe onde o dinheiro deve ser investido e quem está a trabalhar no terreno deve seguir o que for ditado por meia dúzia de engravatados que raramente saem dos seus gabinetes ministeriais?
O mais estranho é que as próprias associações representantes dos empresários estão sempre com a boca cheia a pedir ajudas do Estado e com a mão estendida a ver se cai o esperado.
Não seria melhor pedir que o Estado reduzisse o seu peso na economia, bem como a carga legislativa que esmaga qualquer livre iniciativa que queira vingar no mercado? Se calhar estes empresários dão-se muito bem com o estado das coisas, pois já sabem a que portas bater ou que telemóveis contactar para receber o sempre tão desejado (e vital) subsídio.
Será pedir muito um pouco mais de liberdade?
Caro Tavares Moreira,
A questão é muito pertinente, a resposta não é fácil.
De qualquer modo, sou mais inclinado a estar do lado dos que pensam que, se o Estado deve apoiar as PME, o deve fazer do lado da (des)carga fiscal. E do emprego.
O apoio do Estado através da bonificação dos juros acabará sempre por beneficiar afilhados e conhecidos e desvincular os bancos de uma obrigação que é só deles: analisar o risco do crédito que concedem.
Percebe-se que os bancos, sobretudo na situação actual, tendam a privilegiar ainda mais os que têm mais dimensão ou as costas aquecidas pelo Estado.
E não vejo meio de contrariar essa
crença natural sem efeitos perversos.
Poderia a CGD transgredir e arrepiar do caminho do rebanho? Agora que a construção declina e o crédito para habitação afrouxa, a CGD poderia, se tivesse capacidade para isso, apoiar com lisura as PME sem trair os interesses do Estado.
Mas, como gato escaldado de água fria tem medo, recordo-me de uma experiência que há 28 anos me fez passar a desconfiar da CGD para toda a vida.
E volto a pensar que o apoio fiscal e ao emprego seria bem mais fácil de controlar que qualquer redução nos "spread" que é uma coisa que quem está aflito nunca chama à discussão.
O prometido pagamento das facturas vencidas também teria efeitos directos e em cadeia importantes.
Assim o governo passe das promessas ao pagamento delas.
Dr. Tavares Moreira,
Antes demais faço as palavras do Tonibler e rxc, minhas também.
Nós sabemos que o discurso redondo de apoio ás PME’s passa bem. Toda a classe política estará de acordo e repetirá até à exaustão. Mas realmente, temos tido todos os apoios e programas possíveis e os resultados são escassos. E não é uma questão de eficiência dos organismos que tem a cargo esta tarefa de encaminharem, aconselharem, delinearem mesmo o caminho dos potenciais empreendedores. É uma questão de falta de vocação. Até podemos tirar a conclusão, a meu ver precipitada, de que as PME’s não aproveitam porque não sabem ou porque não têm visão. Quem acaba por beneficiar são as empresas que adequam os seus produtos ou serviços aos programas gizados pelos iluminados dos gabinetes que nunca seriam ou serão capazes de pôr em prática aquilo que debitam, e com grande fervor. E essas empresas acreditam essencialmente na vantagem dos apoios e não dos seus projectos. Provavelmente não os levariam em frente sob outras condições. Mas se fosse o caso então teríamos os projectos e as empresas que o País precisa. Concluindo, os apoios são realmente, a meu ver, contraproducentes ao surgimento de um tecido empresarial de qualidade. Quanto à actividade dos bancos, estes teriam de se ajustar ao tecido empresarial. Quanto à capacidade financeira das PME’s, “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, o tempo é, aliás, necessário para avaliar a qualidade do tal tecido empresarial.
Agora, relativamente ao “Programão” e o facto do mesmo ter por base endividamento contraído pelas empresas sempre com as garantias do estado, e correndo o risco de entrar por um tema para especialista que não sou (mas o Dr. Tavares Moreira fará o favor de complementar ou corrigir o meu raciocínio), preferia que os investimentos fossem feitos com verbas do orçamento do estado. Parece-me completamente desadequado para o estado, as concessões aos privados que vêm estado na moda desde que o Eng. Guterres quis executar o Plano Rodoviário todo em 3 ou 4 anos. Foi a maior asneira e agora querem repeti-la em todas as frentes possíveis.
Caros Comentadores Tonibler, rxc, Rui Fonseca e Agitador,
Quero em 1º lugar confessar-lhes que partilho muitas das vossas preocupações...
Também eu duvido da capacidade dos nossos organismos para gerir sistemas de incentivos e das empresas os utilizarem de modo eficiente...
A tendência generalizada e ancestral para a empatocracia e a utilização da velha "cunha" de parentes ou amigos da política fazem com que estes sistemas de incentivos se transformem em máquinas emperradas e viciadas...
Quanto a reduções da carga fiscal, já sabemos o que aí vem...nada ou agravamentos mais ou menos disfarçados...
E o que se sabe da aplicação das medidas fiscais que discriminam positivamente as PME's do interior? Nada ou quase nada, não existe informação e a percepção que se tem é de que essas medidas se não foram ineficazes pouco mais terão sido...
Seria necessário, para termos um esquema de apoio eficiente, que este fosse extremamente simples, universal, quase sem intervenção burocrática...será possível?
Admito que apenas uma entidade na administração publica tenha condições para administrar esse esquema: a AICEP.
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