É claro que nos lembramos todos da Torre de Babel, uma obra bíblica que reuniu todos os homens com o objectivo de chegarem tão alto que atingiriam o céu. Por suas mãos, acumularam pedras e pedras, inventaram engenharias e equilíbrios impossíveis e animaram-se com a altura que ia crescendo aos seus olhos deslumbrados.
Não se detiveram a pensar no que realmente lhes permitia esse acerto, esse trabalho unido, e esse progresso audacioso. O que tornava possível a sua tarefa titânica não era a existência infindável de pedras, nem a sua capacidade de as arrancar dos rochedos, de lhes dar forma, de as colar, ou sequer a sabedoria misteriosa que forneceu os cálculos para que se erguesse em altura, contrariando a lei da gravidade. Não. O que lhes permitia agir como um todo era a capacidade de se entenderem porque falavam uma única linguagem, porque se compreendiam as ordens e se discutiam as dificuldades e porque era na mesma língua que se reviam na obra que crescia para os céus.
Deus não se deu ao trabalho de mandar um raio fulminante para pulverizar as pedras. Não se distraiu a fazê-los errar os cálculos que provocasse a derrocada nem os castigou com mil e um tormentos que falassem durante séculos das maleitas que os iam marcar. Nada disso. Deus limitou-se a mandar que eles passassem a falar línguas diferentes e a obra ficou parada, um destroço que só não seria inútil porque serviu para memória através dos tempos.
Serviu? Quando vemos como se desmorona o mundo globalizado que orgulhosamente construíamos, usando a linguagem comum do progresso sem limites, da competitividade sem fronteiras, não reparámos quando é que deixámos de entender o que nos diziam. Não deixámos que falassem os que sentiam palavras estranhas nos discursos atravessados, nas teorias infalíveis, nas justificações para o que parecia inaceitável. Afinal, eram poucos os que conservavam uma língua comum, mas essa era já um dialecto, uma cifra para iluminados e em breve até esses deixaram de se entender.
Não se detiveram a pensar no que realmente lhes permitia esse acerto, esse trabalho unido, e esse progresso audacioso. O que tornava possível a sua tarefa titânica não era a existência infindável de pedras, nem a sua capacidade de as arrancar dos rochedos, de lhes dar forma, de as colar, ou sequer a sabedoria misteriosa que forneceu os cálculos para que se erguesse em altura, contrariando a lei da gravidade. Não. O que lhes permitia agir como um todo era a capacidade de se entenderem porque falavam uma única linguagem, porque se compreendiam as ordens e se discutiam as dificuldades e porque era na mesma língua que se reviam na obra que crescia para os céus.
Deus não se deu ao trabalho de mandar um raio fulminante para pulverizar as pedras. Não se distraiu a fazê-los errar os cálculos que provocasse a derrocada nem os castigou com mil e um tormentos que falassem durante séculos das maleitas que os iam marcar. Nada disso. Deus limitou-se a mandar que eles passassem a falar línguas diferentes e a obra ficou parada, um destroço que só não seria inútil porque serviu para memória através dos tempos.
Serviu? Quando vemos como se desmorona o mundo globalizado que orgulhosamente construíamos, usando a linguagem comum do progresso sem limites, da competitividade sem fronteiras, não reparámos quando é que deixámos de entender o que nos diziam. Não deixámos que falassem os que sentiam palavras estranhas nos discursos atravessados, nas teorias infalíveis, nas justificações para o que parecia inaceitável. Afinal, eram poucos os que conservavam uma língua comum, mas essa era já um dialecto, uma cifra para iluminados e em breve até esses deixaram de se entender.
Hoje, quando ligamos a televisão ou assistimos às notícias on line na nossa tecnologia tão sofisticada, quando temos em tempo real as imagens da bolsa atarantada ou as hordas de desempregados à porta das fábricas fechadas, hoje reparamos que ninguém se entende. Fala-se em rever os planos da Torre de Babel, em injectar-lhe milhões de cimento e escorar os planos inclinados para evitar a ruína, mas cada dia cai uma parede, desaba um tecto e, das alturas já alcançadas, vê-se já perigosamente descarnada a estrutura virtual que julgávamos invencível. Mas ninguém percebe em que língua se fala, e a confiança desapareceu. A Babel do sec. XXI ainda conseguirá salvar a sua Torre?
9 comentários:
Excelente metáfora prezada Autora, tão excelente quanto aquela expressa no post que publicou no dia 20 de Abril de 2007, intitulada "O condenado".
Juro, não estou a brincar!
É evidente que esta Torre de Babel, construída pela alta finança, está a gora a revelar o seu recheio. E diga-se em abono de algumas vozes que desde sempre se levantaram impotentes, alertando para a falibilidade desta construcção, que se trata de um recheio que de tão podre, inquina tudo o que a rodeia e que dela depende.
Não e difícil perceber a impossíbilidade de algo, mesmo que seja a economia e o capitalísmo, crescerem infinitamente e, tanto uma como o outro só são sustentáveis no crescimento.
Agora percebemos que estamos todos condenados, Quais Sísifos a descer ao fundo da montanha e voltar a empurrar o pedregulho, encosta a cima, enquanto os deuses já se piraram para o olimpo com a saquinha bem recheada, esperando que a construcção se vislumbre para poderem regressar risonhos prometendo édens e sons melodiosos de harpas e trompas celestiais.
Haja Deus Eleónora...
Não foi certamente por acaso que Deus preferiu impor as diferenças linguísticas para provocar o desentendimento entre os homnes. É a mais eficaz.
Repare-se na União Europeia, que é uma das mais fantásticas criações civilizacionais. Aboliram-se as fronteiras, aboliram-se as moedas nacionais. Fez-se o mais difícil, algo que seria impensável até há bem poucos anos. Criou-se formalmente um mercado único, mas manteve-se o que mais dificulta a circulação de pessoas e bens, que é existência de dezenas de línguas diferentes num mesmo mercado.
Nos EUA, que dispõem de uma única língua em todo o território, essa dificuldade não existe. Conviria que também não existisse na União Europeia.
E a única forma de ultrapassar esta limitação é a adopção do inglês como segunda língua oficial de todos os países membros da União.
Suzana
Belíssima metáfora! O problema é que a arrogância financeira da "Torre de Babel" acabou por castigar não apenas os seus militantes mas os cidadãos do mundo e gerou a confusão não apenas no sistema financeiro mas nas economias reais. Ficámos todos, ou quase todos, mais longe da "porta do céu", com excepção, desconfio, para os militantes da "Torre de Babel"...
caro Bartolomeu, o que é muito interessante é a relação que estabelece entre as duas metáforas, lá vai agora o pobre Sísifo a arrastar outra vez a pedra desde o fundo da montanha...Obrigada pela atenção que sempre dá a estas histórias!
Caro Jorge Oliveira, realmente a necessidade de uma língua comum é de primeiro plano, as vantagens são tão grandes que, mesmo sem lei nenhuma que o obrigue o inglês já é praticamente uma língua comum, quem não sabe inglês está quase fora do mundo!
Margarida, a ruína da Torre de Babel também pode ser lida assim, ficamos todos mais longe das "portas do céu" da riqueza dos povos e da esperança de vida melhor para todos os habitantes do globo. Dramático, se não se conseguir "equilibrar" a Torre!
Ora, cara Suzana, interessantes são os posts dos eméritos autores deste blog.
Mas achei que fosse mais interessante a lusão final a Eleonora.
Aquela filha de Guilherme X que por casamento com Luis VII foi rainha de França e, por casamento com o Conde de Anjou, posteriormente Henrique II, rainha de Inglaterra, contra o qual se revoltou, valendo-lhe em seguida a masmorra. Não fosse o filhinho Ricardinho o que tinha um coração de Leão (séculos antes de o Dr. Barnard) e tinha atingido a reforma nos calabouços.
Este é um outro exemplo de uma Torre de Babel...
;)))
Mais um texto maravilhoso, sem dúvida, bem ao estilo da Dra. Suzana Toscano.
E depois quando todos os sábios do universo deram como invulnerável esta torre de Babel, eis que da noite para o dia ela atinge o auge da queda…e os mesmos sábios que ontem falavam sobre a invulnerabilidade da dita, vêm agora falar das areias movediças em que ela assentava…
Poderão ser injectados biliões de sacos de cimento, mas os alicerces continuam a assentar nos mesmos terrenos…
Cara Suzana Toscano
É um facto que a língua inglesa é ensinada nas escolas de todos os países europeus, mas devemos reconhecer que apenas a adopção do inglês como segunda língua oficial obrigará a uma aprendizagem suficientemente profunda e eficaz para que todos os europeus consigam falar entre si de uma forma verdadeiramente fluente.
Mas não se trata aqui de impor uma lei que obrigue a usar o inglês nos países da União Europeia. E também não se trata de acabar com as línguas nacionais. Cada país pode perfeitamente continuar a usar a sua língua materna. A moeda única é que obrigou a eliminar as moedas nacionais. A língua comum seria sempre uma segunda língua, sem prejuízo das línguas nacionais.
Os dirigentes da União Europeia perdem tempo com tratados volumosos, como é o caso do Tratado de Lisboa, um documento extensíssimo que ninguém consegue ler de fio a pavio e que leva os cidadãos europeus a rejeitá-lo, e bem, porque receiam assinar de cruz algo cujas verdadeiras consequências desconhecem.
Seria preferível que os dirigentes da União Europeia revelassem um espírito reformista, decidindo avançar no processo de integração passo a passo, mediante propostas simples, por todos percebidas.
Uma proposta respeitante à adopção do inglês como segunda língua oficial dos países membros constituiria uma medida cujo alcance todos os cidadãos europeus compreenderiam. E com a vantagem de os mais renitentes poderem votar contra sem a isso obrigarem os mais progressistas.
Tenho pena de que o PSD, um partido que se anuncia como reformista, não faça desta proposta uma das suas bandeiras.
Caro bartolomeu, sem a sua explicação não chegaria ao enredo, realmente a Torre de babel está presente em muitas voltas da História :)
Caro Jotac, o seu comentário lembra a parábola outra parábola, se a casa se constrói em terreno firme ou não, mas é claro que é preciso que haja quem se dê ao trabalho de preparar o terreno antes de começar a amontoar as +pedras. Talvez seja por isso que se fala tanto em ganância!
Caro Jorge Oliveira, percebo a sua ideia mas talvez se chegue ao mesmo resultado com o ensino do inglês desde pequenino, como já hoje se faz em muitos países, incluindo o nosso. Creio que chamar-lhe segunda língua oficial era dar-lhe um estatuto igual ao da própria língua, pelo menos em termos diplomáticos, seria suficiente que todos adoptassem a mesma primeira língua estrangeira. Mas, com a Net e com a ciência a adoptar como língua indispensável o inglês, vai-se chegar ao mesmo resultado. Estive uma vez numa reunião do Parlamento Europeu que queria limitar o uso de línguas de trabalho a 6 - ou seja, só essas é que teriam tradução simultânea - e foi uma autêntica Torre de Babel, para voltar ao nosso tema. Não se conseguiu e eu achei muito bem porque era um constrangimento à eleição de deputados nos diferentes países. Como vê, os problemas práticos são mesmo muito grandes...mas acabará por ser como diz, acho eu.
Cara Suzana Toscano
Desculpe prolongar a minha argumentação, mas aprender o inglês desde pequenino, sem a perspectiva de estar a aprender a segunda língua oficial do país, não tem a mesma eficácia. Nem o ensino é tão profundo, como será de exigir, nem haverá argumento para evitar o abandono logo que passem os escassos anos escolares.
Eu sei que existem problemas práticos ao nível das instituições europeias. Um deputado nosso já me explicou a situação. No entanto, continuo a pensar que se trata de vistas curtas dos actuais responsáveis europeus, porque a vantagem de falarmos fluentemente a mesma língua que os nossos aliados (e anjos da guarda em caso de guerra…) do outro lado do Atântico, constitui uma opção de carácter estratégico fundamental. Só não vê quem não quer.
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