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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Campanha autárquica II


Mais um dia de campanha. Muita correria e demasiados quilómetros. Reparo que, relativamente às últimas – não esquecer que sou um veterano nestas coisas -, escasseiam as pessoas. Ruas desertas, casas desabitadas e muitas em ruína. Quando alguém vem à janela, ou à porta, é uma festa. Ao olharmos para as suas caras, os sulcos profundos testemunham o envelhecimento demográfico. Penso: - Não vai durar muito esta forma de campanha. O interior morre e desertifica-se rapidamente. De repente vejo quatro pessoas sentadas nas soleiras das portas. Gritei: - Estão ali quatro eleitores! E o pessoal dirige-se em direção a eles, idosos, doentes e incapacitados. Trocamos cumprimentos, falámos, convivemos durante algum tempo, ouvimos histórias, lamentos, tristezas e alegrias. – Então vão logo ao convívio? Bem queriam, mas as pernas não os ajudam, não conseguem dar grandes passadas e alguns veem muito mal. Despedimos e sentimos alguma pena por parte deles. - Ainda passam por cá até às eleições? – Passamos. Respondi. – Então não se esqueçam de nos visitarem e de falarem um pouco connosco. Sim senhor! Mas não esqueçam de ir votar. – Eu não consigo andar. Tenho dificuldade. – E eu vejo muito mal. Sorri e despedi-me enquanto os via a guardar com cuidado os nossos panfletos ao mesmo tempo que se divertiam com os bonés que lhes tínhamos ofertado.

5 comentários:

Suzana Toscano disse...

Bem, a política é sobretudo uma forma de conviver, é bom sinal quando os candidatos são bem acolhidos e gostam da companhia!Pudera, conhecendo este candidato acredito que essas pessoas fatrtas de solidão o vejam chegar com muita alegria!

António Transtagano disse...

Em suma: enfiaram-lhes o boné!

Massano Cardoso disse...

É verdade. Enfiamos-lhes o boné. Em contrapartida, há muitos por aí que andam a enfiar-nos o barrete e que barrete!

Bartolomeu disse...

Parece que recorremos no tema do insecto na veste papal, dando maior importância ao boné que à motivação dos "campanhistas" e menos importância à desmotivação dos "campanhados".
A mim, apeteceu-me "recitar a célebre frase do Vasquinho «... chapéus ha muitos»
não fosse ela precedida do termo "seu palerma" e não me parecer que nem uns, nem outros o merecessem.
Mas a verdade é que sim, ha mesmo muitos chapéus, uns que não servem nas e as, cabeças onde se pretendem colocar, outros que enfiam neles a cabeça de qualquer palerma e outros ainda que sendo colocados com honradez, podem desempenhar perfeitamente a função a que se destinam... proteger o utilizador dos elementos menos favoráveis.
Perante si, caro Professor Massano Cardoso, retiro o meu chapéu.
Mas antes de me retirar... às arrecuas, de chapéu na mão e a calva a descoberto, ainda vou deixar uma breve história... uma vez que aprecia histórias, nanja a mim.
Ha uns anos decorreu um campeonato mundial de trial (uma modalidade do desporto motociclístico) na serra da Lousã e eu, que ainda era motard nessa altura, lá fui assistir. Percorri várias estradas de terra batida, vendo os concorrentes num e noutro local, até que fui desembocar num lugarejo perdido nas faldas da serra. Era um aglomerado de não mais de 4 casas, em muito mau estado, duas delas habitadas, ambas por 2 viúvas. Anafadas, desdentadas, mas com um sorriso do tamanho do mundo.
Bastou que lhes perguntasse se existia por ali uma fonte, para que se encadeasse uma conversa que passando pelos tempos em que eram raparigas novas e a serra era uma fonte inexgotável de recursos, acabou inevitávelmente por ir caír na triste e dura realidade dos tempos modernos.
«Ainda é bem que estas corridas aconteçam» dizia-me uma das idosas, talvez não tão idosa quanto parecia, talvez mais jovem que as rugas teimavam em fazer parecer.
-Sabe? Quando era nova, era danada para o bailarico. Quando havia festas ai nos povos à volta, íamos ranchos de raparigas para ver os rapazes e dançar. Não havia cançasso que nos chegasse. E íamos com carregos de milho à cabeça pela serrábaixo inda mal o dia nascia, até ao moínho e depois esperávamaos para trazer a farinha, serra acima, sempre a pé, que nesses tempos não havia carros nem nada. E olhe, íamos sempre em grupos e cantávamos pelo caminho e balhávamos, quéra uma alegria. Hoje estamos práqui, que se passam tempos infinitos sem que se veja vivalma. Podemos morrer que ninguem dá pela nossa falta.
Confesso-lhe caro Professor, engoli muitas vezes em sêco, e emocionei-me frequentemente com os relatos daquelas duas "prendas" que o acaso me ofereceu. Digo-lhe mais, apeteceu-me ficar ali para sempre, bebendo delas a essência da vida.
Bom, acabei por beber, é verdade. Beber e comer. O tinto que elas pisaram, a choiriça que elas fumaram e o pão que elas amassaram. E repetidas vezes as ouvi teimar: coma pra baixo, quinda vai pra Lisboa na mota e depois dálha fraqueza pelo caminho.
No fim, paguei-lhes com um grande abraço e um bem afinfado beijo (uma delas piacava, tinha barba).
Ha grandes mulheres!!!

Ilda Massano disse...

As pernas, a idade e olhitos não ajudam, mas ainda lá vão...