Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Campanha autárquica VI


“É proibido entrar bêbado. Sair pode.”

Hoje o dia de campanha foi muito complicado devido à chuva e ao vento e a um cansaço de morte. Feitas as contas já devo ter palmilhado tantos quilómetros como os peregrinos que vão a pé a Fátima, para mal dos meus pecados. Mas há sempre algumas compensações. De manhã, pelas nove horas, fomos à feira semanal. Como chovia que Deus a dava, tive que me abrigar debaixo de uma tenda de comes e bebes. Fiquei ao lado de um assador. O técnico que estava a operar, velho conhecido, olhou para mim enquanto eu olhava para pequenas e amareladas sardinhas. O safado sorriu e disse: - Vai uma sardinha? Provavelmente disse isso na expectativa de que eu recusasse participar neste tradicional mata-bicho. Respondi-lhe: - Só uma? – Mas quer mesmo? – Quero pois! Peguei nos saborosos bichos e, para escândalo dos restantes membros da comitiva, deliciei-me como há muito não fazia, comer sardinhas assadas, mas das pequeninas, saborosas, logo pela manhã. Só não bebi um copito, embora estivesse tentado a fazer, por medo de algum efeito menos positivo. É que o dia tinha acabado de começar e não sabia o que poderia encontrar ao longo da jornada.
A meio da tarde, num pequeno povoado, entramos numa tasca. Recuei cinquenta anos. Alguns beberam água e outros tentaram-se por um copito de tinto, embora já tivessem apreciado a gentileza de alguns eleitores que, assim que eram abordados nas suas habitações, os enfiavam de imediato nas suas adegas, colocando de lado a propaganda. Voltando à tasca – cheia de matéria para escrever coisas interessantes -, não resisti a tirar a fotografia que precede esta crónica. Perguntei ao taberneiro, que fazia jus à sua profissão, se era verdade que saíam mesmo bêbados. Respondeu-me que sim e muitas vezes até já entravam nesse estado.
Passado algum tempo, vi ao fundo de uma estreita vereda uma senhora de meia-idade avançada, com traços de ter sido muito loura e portadora de belos olhos azuis – naquelas bandas é comum este fenótipo a lembrar, muito provavelmente, a passagem dos soldados de Massena há duzentos anos. Éramos um grupo jeitoso. Como eu ia à frente, um pouco destacado, acabei por ser o primeiro a cruzar com a senhora. Esta, para e, ao olhar para mim com aqueles desafiantes olhos, dispara: - Vocês não fazem barulho nenhum! Caramba! Não fazem barulho! Parecem mesmo uns castrados! Os outros chegam aqui e fazem um barulho dos diabos. Eu fiquei de boca aberta perante a forma maliciosa com que disse aquilo e interpretei como um voto mais do que garantido. Ainda lhe respondi que era do cansaço, e até estive tentado a dizer que podia ser mais qualquer coisita... Não disse, porque ainda tínhamos que ir confraternizar a seguir com uma dúzia e meia de eleitores do povoado, num pequeno largo, saboreando uns nacos de boroa e carne de porco, sempre acompanhados pela música de Quim Barreiros e do Rouxinol Faduncho cujas letras já comecei a decorar. E que letras...

6 comentários:

Pinho Cardão disse...

Caro Professor:
Mas isso é campanha eleitoral ou semana gastronómica?
Porque, se é semana gastronómica e me tivesse avisado, aí estaria eu em Santa Comba a fazer-lhe companhia!...

Tonibler disse...

Que grande eleitorado que arranjou. Todos grandes benfiquistas! O mal é darem o direito a voto aos outros, mas esse sempre foi o mal da democracia portuguesa...

Massano Cardoso disse...

Vá lá Tonibler, não seja mau! Tenho aqui uma fotografia do seu "glorioso" tirada na velha tasca.Naquela tasca os símbolos do "glorioso" estavam por toda a parte. Ainda estou tentado a publicar aqui essa imagem. O pior é o Pinho Cardão!

Pinho Cardão disse...

Tivesse eu reparado a tempo nesses pormenores publicitários vermelhuscos e já não teria feito o post de apoio ao Prof. Massano.
Mas, assim como assim, não o retiro.
Não podemos dar importância a pormenores!...

Suzana Toscano disse...

Fez muito bem, fez muito bem, é uma bela e expressiva fotografia,já vi que essa campanha é uma animação de boa gente, bons ares, bons petiscos, bons copos, bons clubes e, claro, bons votos. Bendita peregrinação, mesmo que os seus pecados sejam poucos, que seja em desconto dos nossos!

Bartolomeu disse...

A palavra... sempre e eternamente a palavra.
«Entrar bêbado, pode. Sair é proibido.»
«Bêbado é proibido sair. Entrar pode.»
«Sair bêbado é proibido. Entrar pode.»
«É proibido sair bêbado. Entrar pode.»
«Entrar bêbado é proibido. Entrar pode.»
Os antigos Gregos tomavam vinho por forma a poderem mais fácilmente contactar com os seus deuses. No Cristianismo o vinho simboliza o sangue de Cristo. Santa Comba do Dão, essa bela terra de gente franca e de olhos azuis que vêm provávelmente o interior, a alma, de cada um, acolhe os campanhistas oferecendo-lhes o néctar das suas videiras.
Mas foi prudente não ter bebido, caro Professor Massano Cardoso, não fosse o tintinho fazer efeito e, chegando ao largo, ceder à tentação de prometer, prometer, prometer, como outros que lá foram, terão feito.
O pior era depois cumprir, ou então conciliar-se com a consciência, se o não fizesse.
;)
Ai se eu fosse habitante da Santa Pomba do Dão, ou seja... do Espírito Santo do Dão.