O escritor norte-americano William Faulkner afirmou em tempos que “para trabalhar precisava apenas de papel de escrever, tabaco, alimentos e um pouco de whisky”. Talvez esta afirmação justifique a sua iniciativa de protesto contra o facto de no seu condado, e na maior parte dos condados do seu estado, Mississípi, a venda de bebidas alcoólicas ser muito limitada ou mesmo proibida. Mississípi foi o primeiro estado a ratificar a Proibição. Mesmo depois de ter sido levantada arranjaram maneira de impedir ou limitar a venda. Cerca de um terço dos condados continua, ainda hoje, a “seco”. Apesar de a cerveja não estar incluída na mesma categoria do vinho e bebidas espirituosas, continua banida em muitas áreas.
No ano em que recebeu o prémio Nobel, Faulkner criticou os “religiosos” que comandam esta cruzada que, nalgumas confissões, chegam a usar sumo de uva em vez de vinho! Na penúltima vez em que o assunto foi a votação, em 1977, ganharam os fundamentalistas. Agora a votação foi a favor. Mas os abstémios profissionais, talvez antecipando o resultado, venderam cara a derrota, impedindo que o comércio seja feito em garrafas (só é permitido mercadejar caixas) e à temperatura ambiente, porque vender cerveja gelada é um convite ao pecado, ao torná-la mais saborosa. Se Faulkner fosse vivo, decerto que iria comprar uma caixa de cervejas, colocá-la-ia dentro de um frigorífico e depois convidava uns amigos para celebrar esta “vitória”.
Este comportamento, curioso, e não muito compreensível nos nossos dias, fez-me lembrar um episódio que tive a oportunidade de viver há cerca de vinte anos.
Fui participar numa reunião científica na cidade de Birmingham, Estado do Alabama. Nesse encontro estiveram presentes colegas da América Latina. Conhecia alguns de outras andanças científicas.
“Aterrámos” num sábado e combinámos jantar e conviver um pouco. Quando pretendíamos escolher o restaurante disseram-nos que, como era fim de semana, não podíamos ter acesso a bebidas alcoólicas, porque a Lei do Estado assim o determinava. Foi-nos dito, igualmente, que, durante a semana, só muito poucos locais disponibilizavam bebidas com álcool, porque as licenças para o efeito eram astronómicas. Estas informações, prestadas por um colega português, que ocupava um alto cargo na Organização Pan-Americana de Saúde, surpreendeu-nos a todos, à exceção de um mexicano muito castiço. O pessoal não estava interessado em jantar e conviver com água ou Coca-Cola. Enquanto fazíamos as nossas críticas, o mexicano, já batido por aquelas bandas, sorriu e disse que havia uma solução. Perguntei-lhe de imediato qual era. - Então não é proibido consumir bebidas alcoólicas ao fim de semana? Foi então que nos explicou que se jantássemos num clube privado podíamos beber umas cervejas. – Mas nenhum de nós é sócio de qualquer clube! Ripostei de imediato. – É fácil! Muito fácil! Vamos a um clube, um de nós faz-se sócio e depois convida os restantes para jantar. – Hum! Pensei eu. Não deve ser assim tão simples. Qual quê! Sempre com aquele sorriso à mexicana, telefonou a um colega da Universidade solicitando indicações sobre clubes privados que tinham restaurantes ou um que fosse mesmo bom. Lá lhe indicaram, presumo, o melhor da cidade.
Em poucos minutos batemos à porta e um senhor conduziu-nos para um simpático átrio perguntando se éramos sócios. O mexicano disse-lhe que não, mas era nossa intenção jantar. Para isso, informou que um de nós teria de se inscrever como sócio e depois poderia convidar os amigos que quisesse. Fiquei de boca aberta. Afinal é mesmo assim! O mexicano olhou para o grupo e piscando o olho mandou-me avançar. – Eu é que vou ser o sócio?! – Claro! Respondeu-me o colega. - Eu já sou sócio de tantos clubes que, desta vez, é melhor indicar o português. Vem do outro lado do Atlântico!
Automaticamente apresentei o passaporte, preenchi a ficha, paguei a joia e a quota daquele mês (até nem era nada de especial), recebi o cartão de sócio e a seguir o senhor fez-me a pergunta: - O senhor é sócio deste clube? Posso ver o seu cartão? – Tinha acabado de o receber há meia dúzia de segundos - nem tinha lido bem o que lá constava, à exceção do meu nome -, e já estava a mostrá-lo. Perguntou-me se as pessoas que me acompanhavam eram meus convidados. Disse, titubeando, que sim e, de imediato, com muita deferência abriu-me a porta de um belíssimo restaurante. Cheiinho!
Comemos, bebemos umas cervejas (não muitas!) e passámos uma bela noite em amena cavaqueira.
Se a “ASAE” lá do sítio entrasse no estabelecimento só tinha que mostrar o meu cartão de sócio e dizer que as pessoas do grupo eram meus convidados.
Sócio de um clube norte-americano por uma noite. Palpita-me que Faulkner também deveria conhecer este expediente...
No ano em que recebeu o prémio Nobel, Faulkner criticou os “religiosos” que comandam esta cruzada que, nalgumas confissões, chegam a usar sumo de uva em vez de vinho! Na penúltima vez em que o assunto foi a votação, em 1977, ganharam os fundamentalistas. Agora a votação foi a favor. Mas os abstémios profissionais, talvez antecipando o resultado, venderam cara a derrota, impedindo que o comércio seja feito em garrafas (só é permitido mercadejar caixas) e à temperatura ambiente, porque vender cerveja gelada é um convite ao pecado, ao torná-la mais saborosa. Se Faulkner fosse vivo, decerto que iria comprar uma caixa de cervejas, colocá-la-ia dentro de um frigorífico e depois convidava uns amigos para celebrar esta “vitória”.
Este comportamento, curioso, e não muito compreensível nos nossos dias, fez-me lembrar um episódio que tive a oportunidade de viver há cerca de vinte anos.
Fui participar numa reunião científica na cidade de Birmingham, Estado do Alabama. Nesse encontro estiveram presentes colegas da América Latina. Conhecia alguns de outras andanças científicas.
“Aterrámos” num sábado e combinámos jantar e conviver um pouco. Quando pretendíamos escolher o restaurante disseram-nos que, como era fim de semana, não podíamos ter acesso a bebidas alcoólicas, porque a Lei do Estado assim o determinava. Foi-nos dito, igualmente, que, durante a semana, só muito poucos locais disponibilizavam bebidas com álcool, porque as licenças para o efeito eram astronómicas. Estas informações, prestadas por um colega português, que ocupava um alto cargo na Organização Pan-Americana de Saúde, surpreendeu-nos a todos, à exceção de um mexicano muito castiço. O pessoal não estava interessado em jantar e conviver com água ou Coca-Cola. Enquanto fazíamos as nossas críticas, o mexicano, já batido por aquelas bandas, sorriu e disse que havia uma solução. Perguntei-lhe de imediato qual era. - Então não é proibido consumir bebidas alcoólicas ao fim de semana? Foi então que nos explicou que se jantássemos num clube privado podíamos beber umas cervejas. – Mas nenhum de nós é sócio de qualquer clube! Ripostei de imediato. – É fácil! Muito fácil! Vamos a um clube, um de nós faz-se sócio e depois convida os restantes para jantar. – Hum! Pensei eu. Não deve ser assim tão simples. Qual quê! Sempre com aquele sorriso à mexicana, telefonou a um colega da Universidade solicitando indicações sobre clubes privados que tinham restaurantes ou um que fosse mesmo bom. Lá lhe indicaram, presumo, o melhor da cidade.
Em poucos minutos batemos à porta e um senhor conduziu-nos para um simpático átrio perguntando se éramos sócios. O mexicano disse-lhe que não, mas era nossa intenção jantar. Para isso, informou que um de nós teria de se inscrever como sócio e depois poderia convidar os amigos que quisesse. Fiquei de boca aberta. Afinal é mesmo assim! O mexicano olhou para o grupo e piscando o olho mandou-me avançar. – Eu é que vou ser o sócio?! – Claro! Respondeu-me o colega. - Eu já sou sócio de tantos clubes que, desta vez, é melhor indicar o português. Vem do outro lado do Atlântico!
Automaticamente apresentei o passaporte, preenchi a ficha, paguei a joia e a quota daquele mês (até nem era nada de especial), recebi o cartão de sócio e a seguir o senhor fez-me a pergunta: - O senhor é sócio deste clube? Posso ver o seu cartão? – Tinha acabado de o receber há meia dúzia de segundos - nem tinha lido bem o que lá constava, à exceção do meu nome -, e já estava a mostrá-lo. Perguntou-me se as pessoas que me acompanhavam eram meus convidados. Disse, titubeando, que sim e, de imediato, com muita deferência abriu-me a porta de um belíssimo restaurante. Cheiinho!
Comemos, bebemos umas cervejas (não muitas!) e passámos uma bela noite em amena cavaqueira.
Se a “ASAE” lá do sítio entrasse no estabelecimento só tinha que mostrar o meu cartão de sócio e dizer que as pessoas do grupo eram meus convidados.
Sócio de um clube norte-americano por uma noite. Palpita-me que Faulkner também deveria conhecer este expediente...
6 comentários:
Eu poderia ter lido este texto e não dizer nada. Mas seria difícil conter-me! ( terá isto a ver com o transtorno obsessivo-compulsivo?! : ) Então, opto por sucumbir!
- Foi um prazer ler esta crónica e, mais uma uma vez, obrigada por compartilhar connosco.
Tudo certinho e direitinho, como mandam as regras, sim senhor!
Só encontro paralelo em Portugal para esta "matemática" eficiência, nas nossas repartições de finanças.
Ha uns 10 anos vendi o apartamento onde residia e empreguei o produto da venda, na aquisição de um terreno e construção da moradia onde resido. Na declaração de rendimentos do ano seguinte, incluí o valor da venda e o funcionário muito solicito informou-me que se o reaplicasse na compra de habitação própria, não estaria sujeito ao pagamento de mais-valias, desde que o valor da nova residência fosse igual ou superior ao da venda.
E assim aconteceu, o valor da nova casa, superou o da venda.
Quando obtive a licença de habitação, fiz os competentes registos, predial e nas finanças. Na próxima apresentação de rendimentos deveria ter apresentado um anexo onde declararia que reinvesti o dinheiro da venda. Como não o fiz, recebi 2 anos depois um aviso para pagar nas finanças as tais mais-valias. Barafustei com o chefe das finanças e mais o diabo-a-sete, demonstrei-lhe que tinha reaplicado o dinheiro, que se não o tivesse feito, de que forma é que poderia ter construído a nova casa e mais os registos e nada conseguiu fazer aquela cabecinha entender que, salvo o dinheiro me ter caído do céu...
Pelo menos já fiquei a saber que em situação semelhante não poderei esquecer da tal declaração-anexo do reinvestimento das tais mais-valias.
Convem, caro Professor Massano Cardoso.
É que, apesar de o crusamento de dados informáticos, funcionar para apanhar aqueles que, por malandrice, desconhecimento, ou esquecimento, não declaram, deveria funcionar também para os que declaram e provam que não lesaram o estado, mas... faltou-lhes um pequeno nada que não acrescenta ou diminui seja o que for às obrigações fiscais.
Pois, caro Bartolomeu, por cá nem se admite a hipótese de a pessoa ser séria, nem vale a pena programar a máquina para essa possibilidade!
Caro professor, esta estória é girissima, veja lá o sentido prático dos americanos, salvam o negócio, porque o clube estava a abarrotar, servem bebidas alcoólocas a quem as quer beber, tudo dentro da lei e com a maior simplicidade, veja só as trapalhadas que por cá tem havido com a lei do tabaco... O pior é se o meu amigo já ficou referenciado nas bases de dados como um bebedor de cerveja!
Enviar um comentário