Mudou a hora, uma prática comum justificada por várias razões. Algumas nunca me convenceram, nem sei se alguma vez convenceram quem quer que seja, falo da "poupança energética", por exemplo, mas há outras mais simpáticas e, até, em certa medida, justificáveis, caso de o dia começar com luz em vez de noite, para quem tem de se levantar cedo é mais agradável. O que é certo é que a alteração de uma hora a mais, ou a menos, tem impacto, durante alguns dias, no comportamento das pessoas e de outros animais, recordo que as vacas ficam também chateadas com a mudança da hora, têm de adaptar-se à hora da ordenha, parece que tem alguma influência na produção do leite. As vacas não me interessam, o que eu sei é que durante uns três dias fico aborrecido com a alteração, mas devo fazer parte das pessoas sensíveis. Uma chatice temporária.
Hoje, toda a gente sabe ver as horas e tem relógio. Mas há alguns decénios não era bem assim. Recordo ter recebido o meu primeiro relógio quando andava na escola primária, um "Hércules", tinha que ser mesmo um hércules para aguentar com as tropelias de uma criança. O relógio aguentava, mas quem não se aguentava era o vidro, que se riscava com muita facilidade chegando mesmo a partir-se o que motivava uma raspadela e uma ida ao relojoeiro para substituí-lo. Tinha de ter o máximo de cuidado. Usava-o com orgulho no meu pulso. As pessoas viam-no, naturalmente, e ficavam surpreendidos como é que uma criança usava um artefacto daquela natureza. Por este motivo era interpelado a toda a hora e instante para responder à pergunta: - Pode dizer-me as horas, se faz favor, menino? Elevava o braço esquerdo, perscrutava com cuidado onde estavam os dois ponteiros, segurando o rebordo do relógio com os dedos da mão direita, e, passado um curto momento, tinha de ter a certeza de que não iria dizer as horas erradas, comentava: - São... Ouvia de seguida um agradecimento sincero e iam à vida, homens, mulheres, velhos, novos, calçados ou descalços, mais estes do que os outros.
Uma vez perguntaram-me as horas. Depois de analisar bem os ponteiros do relógio, disse à senhora as horas. - Obrigado, menino, mas é hora velha ou hora nova? Olhei a mulher, cesto à cabeça, saia rodada e coberta com um avental colorido, descalça, pés encardidos, com sola grossa e gretada, e não soube responder, porque para mim eram as horas que o relógio marcava. - Então, menino, hora nova ou hora velha? Recordei que alguns dias antes o meu pai explicou-me que tinha de mudar a hora ao relógio. Foi então, que, depois de alguma hesitação, respondi: - Hora nova! Se tinha alterado a hora do relógio recentemente, para mim era uma "hora nova". A mulher, sem pressa, agradeceu, voltou a colocar o cesto à cabeça, virou as costas e, saracoteando-se, subiu a velha calçada romana que ia da ponte até à estação.
Foi a primeira vez que ouvi que havia uma "hora velha" e uma "hora nova"...
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