Há que reconhecer que a política nacional começa a perder a capacidade de nos surpreender.
De facto, se olharmos de repente para os acontecimentos extraordinários com que convivemos nos últimos anos, só nos resta riscar do nosso vocabulário aquela expressão comum "Não é possível!"
Vejamos, muito sumariamente. Em 1999, as eleições deram ao Partido Socialista uma 2ª vitória, desta vez a rasar a maioria absoluta. Estão lembrados de que até estavam já feitos os cartazes a dizer "Obrigado Portugal", tal era a confiança no conforto da vitória? Pois o Governo saído dessa eleições governou metade do mandato e, na sequência da derrota nas autárquicas, o 1º Ministro, num gesto dramático sem precedentes, atirou-se para chão e declarou o país um pântano ingovernável... Não é possível, teríamos dito uns tempos antes se alguém alucinado aventasse tal cenário. Mas foi.
Novas eleições, vitória do PSD, maioria assegurada pela coligação com o PP. Corria o início do 3º ano de Governo, o País vivia a euforia do Euro 2004, distraído por alguns dias da necessidade de trabalhar com afinco para recuperar da grave crise económica. Na Europa, escolhiam-se os novos Comissários e a discussão por cá seguia morna, ainda que com alguns laivos de mistério para os mais atentos.
Eis que, sem aviso prévio, é anunciado que o 1º Ministro português será o futuro Presidente da Comissão Europeia, facto que seria certamente motivo de grande orgulho e honra nacional. Todos os maçadores detalhes daí resultantes teriam que estar resolvidos em poucos dias, para que o candidato pudesse ter tempo de se preparar. Não é possível! dissémos todos. Mas foi.
O Presidente da República, que não se tinha eximido a críticas sobre o eventuais excessos da política de rigor do anterior Governo, dá posse ao novo Governo sob o signo da vigilância apertada em matéria de rigor. O novo 1º Ministro, para calar rumores sobre a falta de legitimidade, consagra-se em Congresso já em exercício de funções, como se fosse de admitir que o próprio Partido derrubasse o seu 1º Ministro. Como foi tudo isto possível?, mas foi.
Mas eis que 6 meses decorridos, o Presidente da República conclui que afinal aquele Governo não servia e decide dissolver o Parlamento sem demitir o Governo, gerando-se um consenso (??) sobre a razoabilidade de, ainda assim, ser apresentado o orçamento para 2005. Alucinante? Não, pois aconteceu.
Temos portanto novas eleições, que deram a maioria absoluta ao Partido que durante os três anos anteriores se disitinguiu por combater tenazmente as políticas de contenção orçamental e de reformas públicas necessárias. Assumido o Poder, o novo ministro das Finanças nãoperdeu tempo: durante dois meses, a catadupa de medidas de carácter restritivo atordoou os portugueses e convenceu-os de que não havia mesmo outro caminho senão o que já tinha sido anunciado pelos Governos anteriores, só que desta vez com cores ainda mais carregadas. Impossível, esta reviravolta política? Não, aconteceu.
Mas eis que, no auge da vaga de medidas e quando se esperava, em suspense, pela sua execução, se demite, sem mais nem ontem, o próprio Ministro das Finanças! Cansado, exausto, ao fim de 4 meses de anúncios. Drama nacional, vergonha pela credibilidade perdida? Não, o melhor é depositarmos todas as esperanças no novo titular e repetir, agora já frouxamente, a bondade das políticas anunciadas. Impossível, isto não pode ter acontecido? Erro, aconteceu.
Mas o País olhava esperançado as eleições presidenciais, saltando agilmente sobre as autárquicas que não parecem oferecer o grau de stress a que já nos vamos habituando. Candidato para aqui, recusas para li, Manuel Alegre diz que não vai, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral dá uma entrevista surrealista e (pouco) cifrada em que diz "Never say Never".
Esta parece ser de facto a frase que mais se adapta à vida política nacional.
Porque o Dr.Mário Soares que, ainda há pouco, ao celebrar 80 anos de idade, tinha esclarecido o povo sobre as sua intenções firmes de dizer "Basta!" à sua intervenção política activa, surge agora, com emoção de comentadores e grande azáfama dos militantes socialista, como o óbvio candidato da esquerda!
Será o Dr. Mário Soares, por mais respeito e consideração que mereça, o Presidente da República que os portugueses precisam? Ou o que interessa é compôr o tabuleiro do xadrez político a curto prazo, resolver um problemazinho de apresentação de nomes, e entreter os jornais com mais uns editoriais e comentários próprios de quem não contava com esta?
Impossível? No reino do Absurdo já nada nos pode surpreender.