Portugal viveu, na semana
passada, o mais grave desacordo político no seio da coligação PSD/CDS que governa
o país desde Junho de 2011.
Deixando de lado
considerações sobre a política caseira – que não cabem no âmbito deste texto –,
creio que este episódio (tal como casos anteriores) acaba por estar também
relacionado com a aplicação de um programa de ajustamento mal desenhado desde o
seu início na sua vertente orçamental – e que nunca foi corrigido de forma
certeira e adequada. E a verdade é que, olhando para o espectro político em
Portugal, não acredito que fosse possível encontrar outro Governo mais
cooperante com um programa da natureza daquele a que estamos sujeitos (apesar
de ele ter sido maioritariamente negociado com a Troika pelo anterior Governo
Socialista).
Tenho para mim que o garrote
e a fadiga da austeridade – é disso que se trata – está a tornar-se insuportável,
não apenas em Portugal, mas em boa parte do espaço da Zona Euro, o que poderá
gerar revoltas sociais e, no limite, colocar em causa a própria democracia
europeia e… o projecto da moeda única europeia.
São conhecidos os resultados
eleitorais na Grécia, em 2012, que reforçaram forças políticas radicais de
esquerda ou de direita (respectivamente, Syriza ou Aurora Dourada, este de
inspiração nazi); e em Itália, já em 2013, que viabilizaram o regresso de
Berlusconi (!) ou o nascimento de fenómenos “contra tudo e contra todos”, como
o liderado pelo comediante Beppe Grillo, cujo partido, Movimento 5 Estrelas,
foi a força política individual mais votada. E deve notar-se que estas
tendências se sucederam depois das soluções tecnocráticas impostas por Bruxelas
(ou Berlim), como Lucas Papademos na Grécia, ou Mario Monti em Itália (a
coligação por si liderada teve uns esclarecedores 10% de votos…), provando-se
que, mesmo que tenham sido úteis na altura, não podem ser a regra porque não
são democráticas – e é na democracia que o projecto europeu assenta. Espantoso,
mesmo, é que estes resultados eleitorais não tenham feito tocar todas as
campainhas de alarme ao mais alto nível europeu… Até porque o que se vai
conhecendo mais recentemente é revelador: em Espanha, o PP e o PSOE juntos não
chegam sequer a 40% nas sondagens; em França, Marine Le Pen, presidente da
Frente Nacional (de extrema direita) já liderou alguns estudos de opinião
recentes. Ao contrário do que alguns poderão pensar, o problema não é
português, nem grego, nem irlandês, nem cipriota: é europeu. Com projectos
radicais e nacionalistas a alastrar, é a Europa que sai enfraquecida.
Sucede que, na Troika, até agora,
apenas o FMI parece ser capaz de reflectir sobre eventuais erros cometidos nos
programas de ajustamento; ao contrário, CE e BCE (sempre sob a omnipresente
sombra da Alemanha) insistem na mesma receita, independentemente dos resultados
à vista de todos, e de estudos que vão sendo conhecidos (publicados pelo FMI em
Outubro de 2012 e, recentemente, pelo Banco de Portugal) e que indiciam que, em
tempos de crise, o impacto recessivo da austeridade pode suplantar em muito o
impacto em tempos, digamos, “normais”.
A este propósito, ainda na semana
passada tive a oportunidade de participar no encontro de economistas promovido
pelo Presidente da República destinado a analisar o “pós-Troika”, do qual
saliento as palavras de Marco Buti, Director-Geral para os Assuntos Económicos
e Financeiros da Comissão Europeia – que me deixaram siderado: resumidamente,
Buti considerou inquestionável a continuação da aplicação do programa português
como até aqui, e a manutenção das metas orçamentais que estão estipuladas. Isto
com o argumento de que, se assim não for, perde-se a credibilidade.
Tenho a opinião exactamente
oposta: tornar o programa realista através de uma flexibilização adequada das
metas orçamentais que deixem, de algum modo, respirar a economia – e,
consequentemente, desanuviar o ambiente social e político –, é que traria
credibilidade. Nestas condições, Portugal continuaria a cumprir o programa (como
até agora) e poderia, portanto, continuar a beneficiar do apoio do BCE (através
do seu programa de compra de dívida pública OMT) – o que, estou convencido,
mesmo que a dívida pública aumentasse mais do que o previsto no curto prazo,
tranquilizaria os investidores e permitiria o desejável regresso ao financiamento
em mercado.
E é isto que, creio, seria
adequado para os restantes países com problemas: o seu endividamento tem, obviamente,
que ser reduzido – mas com programas realmente exequíveis e realistas que
minorassem as terríveis consequências sociais da (necessária) austeridade, e
apoiados pelo BCE, cujo papel como lender of last resort sujeito a
condicionalidade é imprescindível. E, nos restantes países (“sem problemas”),
as orientações devem ser simétricas: políticas expansionistas, que acabarão por
favorecer a procura externa dos países endividados, atenuando as suas
dificuldades… e beneficiando o projecto da moeda única.
Se o (nosso) episódio político da semana passada tiver
servido para abrir os olhos aos nossos parceiros e à Troika – que, até agora, e
como já referi, parecem ter ignorado o que se passa em vários países europeus –,
e levar a uma alteração das actuais orientações, então, de indesejável e
dispensável, ele passará a… ter valido a pena. E – quem sabe?... – pode ser que
assim seja: afinal, Portugal tem cumprido tudo o que se lhe pediu e, depois do
fracasso na Grécia, é o país do Sul da Europa em que todos (nós, portugueses,
por maioria de razão, mas também os líderes políticos europeus e a Troika)
desejam (e precisam...) que o programa de ajustamento termine bem.
Alô Berlim, Bruxelas, Frankfurt e Washington – alguém
está a ouvir?...
Texto publicado no Jornal de Negócios em Julho 09, 2013.