É frequente ouvir dizer “Se isto acontecesse durante os Governos de Durão ou de Santana, o que é que não diriam…Cairiam o Carmo e a Trindade…”.
Isto, como é evidente, a propósito de alguns episódios controversos, mais ou menos recentes, envolvendo figuras do Governo e situações ou medidas mais questionáveis.
E acrescenta-se que agora não é assim por causa do apoio que os órgãos de comunicação social dispensam a este Governo, em contraste com a posição muito mais crítica que mantinham em relação aos anteriores.
Aceitando que existe algum fundamento nesta observação, tenho para mim que a complacência ou condescendência (que chegam até à cumplicidade) com que a generalidade dos meios de comunicação e muitos “opinion makers” encaram a actividade deste Governo, em especial grande parte das medidas mais controversas (bem como situações pessoais) tem uma origem e uma justificação mais profundas, que justificariam uma atenta análise social e política.
Vem isto a propósito de declarações do Presidente da República hoje proferidas na sessão solene evocativa do 33º aniversário do 25Abril.
Disse o Presidente que o 25Abril não pertence em exclusivo a certos sectores políticos, não era propriedade de ninguém em particular mas de todos os portugueses.
Tenho as maiores dúvidas de que assim seja, realmente.
Julgo que a percepção que os portugueses em geral têm do 25Abril não é essa.
O 25Abril pertence, no pensamento geral, às chamadas “forças de esquerda”, a que eu chamaria “esquerdas de catálogo”, que têm cada vez menos a ver com uma real defesa dos valores tradicionalmente identificados com a esquerda.
E é por isso, em minha opinião, que existe aquela condescendência e cumplicidade em relação a medidas de política ou situações pessoais mais controversas.
Tomando como o desmantelamento do SNS a que este Governo se vem dedicando com particular obstinação e eficácia.
Este trabalho, se fosse conduzido por exemplo pelo Dr. Luís Filipe Pereira, no Governo Barroso, teria causado um tumulto geral e arrastado com certeza a demissão do Ministro ou mesmo do Governo.
Esse tumulto, no qual o PS se teria empenhado até ao limite, fazendo coro com as demais “esquerdas de catálogo”, fundamentar-se-ia, entre outras razões, nas ofensas à Constituição e a outros padrões herdados da revolução de Abril.
E isto porque a um Governo Barroso – muito menos a um Governo Santana – nunca será reconhecido, pela comunicação social e/ou ”opinion makers”, o direito de mexer, muito menos de destruir, o que não é seu: as chamadas “conquistas de Abril”.
Nas conquistas de Abril só está autorizado a mexer – “maxime” destruir, como parece ser o caso do SNS – quem delas seja “dono”, proprietário, ou nelas tenha uma quota reconhecida, como é o caso do PS.
Ninguém aceita que quem quer que seja venha mexer na sua propriedade, muito menos danificá-la ou destruí-la.
Mas todos aceitam, em princípio, que um proprietário tome a iniciativa de demolir a sua própria casa, por exemplo para construir outra diferente.
E o que é verdade no plano do exercício dos direitos reais, no privado, também será verdade no plano do exercício do poder político.
O Povo é o mesmo. Penso eu de que, Dr. Pinho Cardão...