Véspera de Natal. Informaram-me para ir no dia seguinte a casa de uns parentes, porque tinham uma prenda para mim, um livro de Emílio Salgari. Fiquei muito contente, porque adorava ler as histórias aos quadradinhos de Sandokan. Disseram-me que era um livro sobre o futuro escrito há muitos anos. Depois do almoço de Natal fui ter com os meus primos. Deram-me o livro e a primeira coisa que fiz foi ver onde estavam as figuras. Não tinha. Só palavras. Fiquei dececionado. Como é que vou ler tantas páginas sem as imagens? Que chatice. Rapidamente esqueci o livro e fui brincar com os comboios elétricos dos primos, enriquecidos com novas máquinas e carruagens ao redor da gigantesca árvore. Quando a noite começou a invadir o dia agarrei no livro e ala que se faz tarde.
Em casa comecei a folhear “As maravilhas do ano 2000” e, rapidamente, fiquei preso quando soube que dois cientistas foram congelados, despertando no ano 2000, que na altura estava ainda muito longe, maravilhados com as conquistas entretanto produzidas. Comecei a imaginar ser congelado e despertar séculos depois. Deveria ser muito interessante. Ao fim de alguns dias consegui acabar de ler o meu primeiro livro sem figuras. Mas fiquei aborrecido, porque os cientistas enlouqueceram quando chegaram a Lisboa devido aos efeitos da eletricidade. Mas a eletricidade não faz mal às pessoas! Pensei. - Bah! Não gosto. Prefiro o Sandokan. Eletricidade a provocar loucura nas pessoas e logo em Lisboa!
Recordei esta passagem quando li um interessante artigo sobre preservação criónica, em que Robert Ettinger descreve a sua filosofia sobre a conservação dos corpos através do frio, tendo criado para o efeito o Instituto de Criónica que, a par de outras instituições, já têm corpos e cabeças ultracongelados, na expectativa de no futuro poderem retomar a existência, tratando dos problemas de saúde e beneficiando do rejuvenescimento.
O autor do “Prospeto da Imortalidade” abriu uma nova brecha na forma de ver a morte. Diz o longevo cientista que após a morte há três soluções para fazer desaparecer o corpo: enterrar, cremar e congelar. Esta última é para aqueles que não acreditam na vida depois da morte e que querem ter a “certeza” de que podem ressuscitar caso Deus não exista. Independentemente de no futuro conseguirem ou não descongelar os corpos, o que é certo é que se contam por centenas e centenas os que já estão mergulhados num profundo “sono” gelado. No caso de Ettinger, a mãe e as suas duas mulheres já lá estão há alguns anos. Face às inúmeras questões éticas, o “crioterapêuta” responde afoita e atrevidamente a todas sem exceção. Quando confrontado com o facto de esta técnica ser incompatível com o excesso de população, responde que não. Deixaria de haver procriação e umas vezes congelavam-se uns para dar lugar a outros que seriam descongelados e, desta forma, alternadamente, iriam revezar-se. Mas esta é apenas uma das múltiplas facetas ligadas a esta forma de transhumanismo. Por acaso não lhe perguntaram o que é que iria fazer com as suas duas mulheres crioconservadas. Se as descongelava ao mesmo tempo, ou uma depois da outra, qual é que escolheria em primeiro lugar. Enfim, perguntas simples. Não tenho conhecimento da criopreservação das suas sogras. Ter-se-á esquecido? Ou estas não estariam com paciência para o aturar daqui a 100 ou 500 anos?
Eu sei que Ettinger leu tudo, ciência e ficção, sobre congelamento, mas não abordou “As maravilhas do ano 2000” de Salgari. Pode acontecer que enlouqueça com aquilo que irá “ver” e “ouvir” um dia. É o mais certo. Entretanto, pensando bem, não estou muito pelos ajustes em embarcar num negócio destes. Prefiro o calor e as cinzas. Sempre evito qualquer forma de ressurreição. Até para Deus deve ser muito complicado, e trabalhoso, juntar as cinzas e elementos dispersos por tudo quanto é sítio. E também não acredito que esteja muito interessado. Faz muito bem!
Em casa comecei a folhear “As maravilhas do ano 2000” e, rapidamente, fiquei preso quando soube que dois cientistas foram congelados, despertando no ano 2000, que na altura estava ainda muito longe, maravilhados com as conquistas entretanto produzidas. Comecei a imaginar ser congelado e despertar séculos depois. Deveria ser muito interessante. Ao fim de alguns dias consegui acabar de ler o meu primeiro livro sem figuras. Mas fiquei aborrecido, porque os cientistas enlouqueceram quando chegaram a Lisboa devido aos efeitos da eletricidade. Mas a eletricidade não faz mal às pessoas! Pensei. - Bah! Não gosto. Prefiro o Sandokan. Eletricidade a provocar loucura nas pessoas e logo em Lisboa!
Recordei esta passagem quando li um interessante artigo sobre preservação criónica, em que Robert Ettinger descreve a sua filosofia sobre a conservação dos corpos através do frio, tendo criado para o efeito o Instituto de Criónica que, a par de outras instituições, já têm corpos e cabeças ultracongelados, na expectativa de no futuro poderem retomar a existência, tratando dos problemas de saúde e beneficiando do rejuvenescimento.
O autor do “Prospeto da Imortalidade” abriu uma nova brecha na forma de ver a morte. Diz o longevo cientista que após a morte há três soluções para fazer desaparecer o corpo: enterrar, cremar e congelar. Esta última é para aqueles que não acreditam na vida depois da morte e que querem ter a “certeza” de que podem ressuscitar caso Deus não exista. Independentemente de no futuro conseguirem ou não descongelar os corpos, o que é certo é que se contam por centenas e centenas os que já estão mergulhados num profundo “sono” gelado. No caso de Ettinger, a mãe e as suas duas mulheres já lá estão há alguns anos. Face às inúmeras questões éticas, o “crioterapêuta” responde afoita e atrevidamente a todas sem exceção. Quando confrontado com o facto de esta técnica ser incompatível com o excesso de população, responde que não. Deixaria de haver procriação e umas vezes congelavam-se uns para dar lugar a outros que seriam descongelados e, desta forma, alternadamente, iriam revezar-se. Mas esta é apenas uma das múltiplas facetas ligadas a esta forma de transhumanismo. Por acaso não lhe perguntaram o que é que iria fazer com as suas duas mulheres crioconservadas. Se as descongelava ao mesmo tempo, ou uma depois da outra, qual é que escolheria em primeiro lugar. Enfim, perguntas simples. Não tenho conhecimento da criopreservação das suas sogras. Ter-se-á esquecido? Ou estas não estariam com paciência para o aturar daqui a 100 ou 500 anos?
Eu sei que Ettinger leu tudo, ciência e ficção, sobre congelamento, mas não abordou “As maravilhas do ano 2000” de Salgari. Pode acontecer que enlouqueça com aquilo que irá “ver” e “ouvir” um dia. É o mais certo. Entretanto, pensando bem, não estou muito pelos ajustes em embarcar num negócio destes. Prefiro o calor e as cinzas. Sempre evito qualquer forma de ressurreição. Até para Deus deve ser muito complicado, e trabalhoso, juntar as cinzas e elementos dispersos por tudo quanto é sítio. E também não acredito que esteja muito interessado. Faz muito bem!