Soube-se hoje que o Governo pondera o fim da dedução das despesas em educação, com lares, prémios de seguros e energias renováveis e demais benefícios fiscais que não sirvam para estimular poupanças para a reforma, com excepção das despesas de saúde, que continuarão dedutíveis. É esta a proposta de um grupo de trabalho especialmente criado para simplificar o sistema fiscal – e que, obviamente, terá que ser validada pelo Governo para poder ser uma realidade. No entanto, como, “onde há fumo há fogo” (lá diz o ditado popular…), julgo que o Executivo passou esta mensagem para a comunicação social para avaliar a forma como seria recebida na sociedade. E, portanto, estamos mesmo perante uma real possibilidade.
A este propósito, cumpre-me, então, comentar o seguinte:
1. Simplificar o sistema fiscal é louvável. É essa a tendência internacional, e Portugal não se deve dela dissociar.
2. Simplificar o sistema fiscal significa, maioritariamente, reduzir e eliminar deduções, benefícios e isenções que são tão numerosas que dificultam a vida aos contribuintes (quer famílias, quer empresas) no pagamento dos seus impostos, como igualmente potenciam a fraude e a evasão, dificultando a tarefa a quem fiscaliza.
3. No mundo globalizado e competitivo de hoje, as principais funções do sistema fiscal são (i) potenciar a obtenção de receita fiscal e (ii) não obstaculizar ou ajudar mesmo a competitividade de uma economia, papel que tem vindo a ganhar uma importância crescente.
4. Esta ajuda à competitividade é feita pela redução de taxas, acompanhando a redução de benefícios, deduções e isenções – em boa parte dos casos, assegurando que se mantém a receita fiscal. Os Governos tiram, assim, com uma mão, e dão com a outra. Qual a vantagem? A simplicidade, que faz com que, mesmo com taxas de imposto mais baixas, seja mais difícil fugir aos impostos e que, portanto, pode assim ajudar à angariação de mais receita – o que é uma boa notícia para as finanças públicas.
5. Até agora, a promoção da justiça social e a redistribuição dos rendimentos tem sido maioritariamente feita através da fiscalidade. Porém, ao enveredar pela simplificação, o que se tem verificado a nível internacional é um caminhar na direcção de promover a justiça social e a redistribuição de rendimentos pelas classes mais desfavorecidas pela via da despesa pública, de forma transparente, através da inclusão de rubricas especialmente criadas para o efeito no Orçamento do Estado.
6. Ora, do que até agora se sabe da proposta do Governo, nada aponta para que (i) as taxas do IRS possam vir a descer, compensando os contribuintes pela eliminação dos benefícios fiscais em já referidos e assegurando a não perda de receita fiscal; (ii) a justiça social passe a ser promovida do lado da despesa pública.
7. Para além disso, não deixa de ser surpreendente que se comece logo pelo IRS, em detrimento da simplificação fiscal no IRC, eliminando benefícios, deduções e isenções, e reduzindo a taxa nominal (sempre não perdendo receita, dado o estado das nossas finanças públicas…), o que sereia ainda favorável ao investimento (nacional e estrangeiro), à atracção de empresas, ao dinamismo da economia à criação de emprego, ao crescimento económico, enfim, à melhoria do nosso bem-estar. Isto é que seria correcto.
8. Começar pelo IRS, que afecta menos a competitividade que o IRC, e logo pela área social, sem sequer promover descidas de taxas é, pois, injusto e errado. Talvez seja mais fácil – mas não é correcto.
9. Finalmente, a forma como o Executivo está a ponderar esta eliminação de benefícios fiscais, sem qualquer compensação via redução de taxas, pura e simplesmente configura um aumento de impostos: no acerto de contas, as famílias que deduziam as despesas em questão deixam de o poder fazer – logo, pagam mais impostos.
10. Quem não se lembra de ver e ouvir o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças garantir que não haveria mais impostos até ao fim da legislatura, para além dos que foram anunciados há um ano atrás?
11. Depois de ter prometido não aumentar impostos na campanha eleitoral e de os ter aumentado logo a seguir a ter tomado posse, José Sócrates prepara-se agora, pelos vistos, para voltar a não cumprir o que tinha afirmado.
Assim, para além de um aumento (errado) de impostos, se o que hoje foi noticiado for por diante, trata-se de mais uma machadada na credibilidade deste Governo em particular, e dos políticos em geral, pois, como sabemos, não foi só o PS que prometeu uma coisa e depois fez outra em matéria fiscal…
De tudo isto, porém, o mais lamentável é que, mais uma vez, vamos em sentido contrário ao que os outros países estão a fazer. E isso, a acontecer, far-nos-á atrasar ainda mais e empobrecer a uma maior velocidade face aos nossos parceiros europeus. O que, obviamente, será lamentável.