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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Natalidade: quadratura do círculo?


A natalidade é um assunto de interesse nacional. É um assunto importante. São décadas passadas em que os poderes políticos positivamente ignoraram a crise da natalidade, pela ausência de políticas adequadas que ajudassem a contrariar e inverter a tendência dramática do declínio de nascimentos.
Mas não foi apenas o poder político que andou distraído, a sociedade civil pouco ou nada se mobilizou para discutir o assunto, andou preocupada com outras conquistas.
Uma espécie de "suicídio" colectivo, confortado pela modernização económica e a sociedade de bem-estar que trouxe legítimas ambições e esperanças e algumas conquistas que fazem parte do aquis civilizacional do desenvolvimento.
Há muitas vozes que entendem que não vale a pena a discussão, alegando que a baixa fecundidade é o preço do desenvolvimento e que não há nada a fazer porque as mentalidades mudaram. Já lá vai o tempo em que um filho era um “investimento”, agora passou a ser uma “despesa”!
Mas a verdade, é que pese embora o desenvolvimento económico, as mentalidades e a crise que vivemos, o inquérito do INE publicado no final do ano passado revela que 70% das mulheres e dos homens têm menos filhos do que aqueles que desejariam ter e que a maioria das pessoas entende que deve haver incentivos à natalidade, designadamente aumentar o rendimento das famílias com filhos (ex. redução de impostos), facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos sem comprometer a carreira profissional e perda de regalias (ex. trabalho a tempo parcial, flexibilidade de horários) e alargar o acesso a serviços para ocupação dos filhos durante o tempo de trabalho dos pais (ex. acessibilidade a creches e jardins de infância).
Estes incentivos confirmam as dificuldades concretas com que os pais se confrontam no acompanhamento e educação dos filhos e mostram que os pais valorizam a sustentabilidade das condições económicas e dos apoios vários, ou seja, a capacidade de manter condições que não se esgotam nos primeiros meses de vida dos filhos, evidenciando que não são meras medidas administrativas do tipo cheque-bebé, as promessas vãs envelopadas num marketing político atraente ou uns slogans bem falantes que determinam a decisão de ter um filho.
A crise da natalidade é muito anterior à crise das finanças públicas e no, entanto, fomos fingindo ou ignorando a sua existência. Chegamos a 2013 com um grave défice de nascimentos. A última vez que Portugal assegurou a renovação de gerações foi em 1982 (com 2,08 filhos), de lá para cá a descida tem sido vertiginosa com 2013 a bater um novo recorde de apenas 82.538 nascimentos. Em apenas três anos, o número de nascimentos caiu 14,8%.
Por tudo isto, a bandeira da natalidade agora estiada pelo primeiro-ministro é bem-vinda. Vem com décadas de atraso, mas mais vale tarde do que nunca.
Que medidas serão essas capazes de pôr os portugueses a terem filhos?
Não serão com certeza os cortes nos abonos de família, nos subsídios de maternidade e nos benefícios fiscais da educação e saúde, os aumentos dos impostos, o aumento do horário de trabalho na função pública, a redução de dias de férias e feriados,  e  o desemprego jovem em níveis impróprios e a imigração em grande escala de jovens, apenas para dar alguns exemplos bem conhecidos. Certo também é que não se decretam filhos por lei e que sem aumento  do rendimento mais filhos significaria para muitos pais aumentar a pobreza.
Aguardemos com expectativa os trabalhos da comissão da natalidade bem entregue ao Professor Joaquim Azevedo. Não tem tarefa fácil, faz-me lembrar uma quadratura do círculo…

A inutilidade de um comando de televisão

Palavra que pensei que tivesse carregado num botão qualquer do comando da televisão que tivesse bloqueado o programa e aparecesse sempre o mesmo. Eu bem insistia no comando, SIC-notícias, futebol, TVI-24, futebol, rtpi, futebol, procurava o que teria dado uma ou duas horas antes e lá ia parar a futebol. O mais estranho é que não eram sempre as mesmas pessoas mas eram sempre mesas redondas a falar da mesma coisa, futebol e mais futebol, todo o santo dia ao que parece, ontem também, o mais certo é que amanhã também. Quando me convenci de que não era avaria do comando nem inépcia no seu manejo, fiz zapping a ver o que diabo poderiam tantas almas ter a dizer sobre o futebol num só dia, lá percebi que o Benfica ganhou ao Paok por 3-0 num campeonato que, pelos vistos, ainda agora vai para as oitavas de final e que tanta verborreia abrangia também a análise minuciosa, microscópica e muito opinativa sobre todos os outros jogos que correram ao mesmo tempo da dita Liga Europa ou qualquer coisa assim. Ao serão, vi o dirigente do Benfica responder, aí uma meia hora bem medida, em todos os canais, perguntas de alto interesse desportivo, não sei se chegou a dissertar sobre a importância da cor das meias de cada jogador mas pouco terá faltado, a curiosidade dos jornalistas, em várias línguas, era insaciável. Ganhou o Benfica, é certo, mas francamente, dias a fio de mesas redondas, análises, directos, indirectos, repetições de golos, ângulos, estratégias, hipóteses, azares, colisões, perspectivas, clima, estados de espírito, ambições, intenções e previsões, é um bocado demais. Será que todos os canais se conluiaram para decretar a inutilidade de um comando de televisão? 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A banalidade do pontual...

Nos últimos dias temos tomado contacto com histórias que nos deveriam envergonhar e tirar o sono. Os casos vão-se repetindo. Há sempre quem queira justificar estas tragédias de vida com o rótulo de pontual. É uma desculpa que nada resolve. Não tem desculpa. 
No fim-de-semana um homem jogava golfe, sentiu-se mal, começou a fazer um enfarte cardíaco, esperou duas horas e meia por assistência médica. Morreu. Um homem entre a vida e a morte viu-lhe recusada por três hospitais uma cama nos cuidados intensivos. Morreu. Uma senhora idosa foi asfixiada e atirada pelo filho da janela do oitavo andar de sua casa, foi vítima da sua parca pensão social. Morreu. Estes são os casos rotulados de pontuais. 
Que país estamos a construir? É esta sociedade em que queremos viver? A pergunta não deveria ser colocada, mas lamentavelmente é preciso fazê-la. E já agora deveria ter resposta…

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Famílias continuam a dar a mão ao Estado, em grata retribuição...

1. Dados da execução orçamental de Janeiro deste ano, ontem divulgados pela DGO, revelam que o saldo orçamental da Administração Central + Segurança Social foi positivo, de € 535 milhões, sendo o saldo primário (sem juros e outros encargos da dívida) ainda mais expressivo, de € 634,8 milhões.

2. Tratar-se de uma boa entrada em 2014, sem dúvida, que contrasta com o saldo negativo de -€26,4 milhões que tinha sido registado em Janeiro de 2013 (o saldo primário foi positivo, mas apenas de € 82,3 milhões).

3. Quando se olha para as várias componentes da receita (+6,2%) e da despesa (-4,4%) em Janeiro deste ano, salta à vista, no caso da receita, o forte aumento da cobrança de IRS, que foi de 24,2% (mais € 240 milhões), e que vem em cima de um aumento de 35,5% em todo o ano 2013...

4. Concretamente, a cobrança de IRS foi em Janeiro de € 1.231,2 milhões, conseguindo superarclaramente a receita do IVA, que apesar de ter crescido 4,2%, ficou em € 1.038,7 milhões (IRS = 118% IVA)...

5. No que se refere à despesa, a redução de - 4,2% resultou essencialmente da menor despesa com juros e encargos da dívida (-8,2%), com transferências correntes (-4,4%) e também da menor despesa de capital (-9,3%)...enquanto que as despesas com pessoal, não obstante o forte aumento verificado em 2013 (+10,4%), continuam a aumentar em 2014 (+0,6%)...

6. Em conclusão, lá temos novamente as Famílias a dar a mão ao Estado, em grata retribuição, certamente, do tanto que este tem feito por elas - aumento de impostos, agravamento das condições financeiras, aumento do desemprego, emigração em massa...uma relação saudável, equitativa e solidária, em suma, dirão muitos comentadores de serviço (e Crescimentistas) que tanto estimam a intervenção do Estado...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Deixar de viver

Há momentos que são irrepetíveis, momentos pessoais, momentos esperados e nunca desejados. O dia de hoje termina numa aura de memória antecipada, uma data que vou viver e nunca mais esquecer. As datas de dor não têm cor, transformam-se em mantos diáfanos de tristeza.
Sempre me questionei como é que encararia os momentos finais da vida com a cabeça a funcionar em toda a plenitude. Deveria ser uma tragédia para ele e para mim. Cuidava-se, cumpria escrupulosamente com a medicação e era frugal na alimentação, exceto aos sábados quando ia almoçar connosco. Não tinha falta de apetite. Os anos acumulavam-se e os dias desapareciam como gotas de água nas areias. Ficava apreensivo quando passava uma semana ou um mês, porque era sinal de que o fim se aproximava a uma velocidade assustadora. Gostava de viver, confessou-me vezes sem conta à sua maneira. Assustava-se com a passagem do tempo. Eu desvalorizava o fenómeno e apontava para a coleção de anos que já levava nas pernas, e ainda por cima com saúde. Calava-se. Eu sabia que gostava de viver. Uma vez disse-me de forma muito direta, o que não era muito habitual, que tinha pena de deixar de viver, não disse morrer, foi mesmo assim, "deixar de viver". Hoje deixou de viver oficialmente, mas já tinha deixado de viver há treze dias. Treze, um número de que gostava muito, talvez por ter nascido num dia treze. Andava há algum tempo a ficar um pouco alquebrado e eu muito preocupado. Instintivamente desvalorizei. Depois adoeceu com evidência indiscutível. À distância fiz pela segunda vez o mesmo diagnóstico. À noite fui vê-lo e fiz-lhe a barba. Tinha um cuidado muito especial com a aparência. Foi a primeira vez que fiz a barba ao meu pai, e usei a minha máquina. - Boa máquina. Disse. - Gostas? - Gosto. - Então eu empresto-ta. - Obrigado. Coloca aí na minha mesa-de-cabeceira. - Olha lá, sentes-te muito mal ou tens dores? - Não. Sinto-me apenas triste. A forma como confessou o seu estado de espírito perturbou-me, não fazia parte da sua característica mostrar este tipo de faceta. Fiquei com a certeza de que se tinha apercebido da gravidade do seu estado. Tentei desviar a conversa e assumir uma natural superioridade, que ajuda muito quem se encontra em estado de angústia. Depois foi a confirmação do diagnóstico, a hospitalização e o telefonema, o último, a dizer-me que não se sentia bem, que tentei compensar com a minha presença ajudando a inquietude da sua alma através da manipulação dos músculos. No dia seguinte, inesperadamente, deu-se o apagamento da vida de relação. Um momento que complicou a situação para nós, clínicos, mas que lhe anestesiou a angústia dos dias finais que se lhe seguiriam. Uma bênção para quem sofre mas um terrível sofrimento para quem tem de se confrontar com a ausência da dignidade da morte anunciada, uma estranha e incompreensível forma de se mostrar.
Hoje libertou-se sem saber e sem dor. Eu também me libertei mas com dor e fiquei a saber o sabor amargo da existência.
É estranho morrer. Mas viver é ainda mais estranho.
Tinha um sorriso encantador, belo e sedutor.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Uma democracia do maduro!...

Mandei prender o general na reserva Angel Vivas, proclamou Nicolás Maduro, acabei de ver e ouvir na televisão.
Ora aí está um Presidente democrata. Não gosta, prende, assunto arrumado!...
Mas acontece que deve ter razão, já que, segundo o nosso democrático PC, as manifestações na Venezuela são acção golpista de grupos fascistas. E Maduro por certo que usa o fascistómetro, para medir o nível fascista de cada qual. Assunto arrumado, também. 
Por lá, o governo é democrata, mas reprime manifestações e manda prender quem não gosta de ouvir, mas por cá é fascista, mesmo que manifestações e greves sejam o pão nosso de cada dia.
Por lá, as manifestações são fascistas; por cá, são um grito do povo.
Mais uma vez, assunto arrumado. 

Famílias e Empreas resolvem tudo: desequilíbrio da economia, défice orçamental e o + que se verá...

1. Já não bastava que os enormes sacrifícios e o imenso ajustamento dos balanços das Famílias e das Empresas (privadas) – de que têm sido manifestação mais expressiva a forte subida do desemprego, a emigração em massa e a redução drástica dos saldos do crédito bancário à economia – tivessem contribuído, decisivamente, para a impressionante correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa...

2. ...permitindo que se tenha passado, em pouco mais de 3 anos, de um défice da Balança Corrente superior a 10% do PIB para um superavit de 0,5%...forçando os credores internacionais a reconhecer, mais uma vez, que esta correcção excedeu largamente as suas expectativas (para quem tiver dúvidas, sugere-se leitura do relatório FMI, 10ª avaliação do PAEF)...

3. Ficamos também a saber, em função dos dados preliminares da execução orçamental de 2013, que foram mais uma vez as Famílias e as Empresas que ajudaram o défice das administrações públicas a ficar bastante aquém do limite de 5,5% do PIB que havia sido negociado com os credores internacionais, não tendo excedido, ao que parece, 4,3% do PIB...

4. Com efeito, segundo os dados divulgados pela DGO, o desempenho melhor do que o previsto ficou a dever-se, em boa parte, aos fortes aumentos das receitas de IRS (+35,5%) e de IRC (+18,8%), representando, no seu conjunto, mais de 10,5% do PIB e 131,3% da receita de IVA...

5. Segundo a mesma fonte de informação, as Administrações Públicas (Estado+Seg. Social) portaram-se lindamente, com aumentos da despesa global de 3,8%, da despesa corrente de 5,9%, da despesa corrente primária de 7,1% e das despesas com pessoal, de 10,4%...esta última em grande parte, como se sabe, graças ao forte sentido magnânimo da jurisprudência do TC...

6. Felizmente, tudo isto se passou, como bem sabemos, com escrupuloso respeito dos princípios constitucionais da equidade e da proporcionalidade na distribuição dos sacrifícios entre os portugueses.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Uma iniciativa interessante, sem direito a noticiário...

Aqui está uma excelente notícia. Encontrei-a por acaso. Pouco divulgada, não atraiu as televisões. Não vende dramas, nem demagogias, não se presta a conjecturas políticas. Está, como em muitas outras coisas, explicado o silêncio.  
São iniciativas destas - especialmente porque nascem da sociedade civil - apostadas no trabalho em rede, na escala e na partilha do conhecimento, que promovem o encontro entre a investigação científica e a inovação empresarial. É por aqui que podemos ambicionar ganhar competitividade.
Chama-se Plataforma de Materiais, reúne sete universidades, dezoito laboratórios e dez centros tecnológicos.

Domingo à tarde

Um dos meus passatempos favoritos é sair de casa sem destino. Saio. A minha mulher pergunta-me, sabendo antecipadamente a resposta, para onde vamos? Respondo, não sei. Começo a andar e deixo o destino às mãos do próprio. É a melhor maneira de fugir à depressão de um domingo à tarde. Acabei por entrar numa autoestrada à beira de casa. Novinha em folha, mais uma a somar a tantas outras. Entrei e andei. Vamos a Tomar. Entretanto fiz um desvio em Alvaiázere. Nunca tinha ido aquele local. Lembrei-me dos chícharos. É pena ser domingo. Gostava de os comprar. Fazem bem à saúde. Lá estás tu, com as tuas manias. Qual quê! Os chícharos são uma maravilha gastronómica para quem é diabético. Temos de começar a comê-los. A par dos feijões, das favas e do grão-de-bico é muito saudável para nós, para nós e para qualquer um. Entretanto retomámos a autoestrada. Sabes, somos um país muito rico. Penso não estar errado, li em qualquer lado que nós, portugueses, somos o segundo povo do mundo com mais quilómetros de autoestradas por habitante. Ai sim? E quem é o primeiro? O Canadá! O Canadá? Sim, mas é um país muito grande e com pouca população. Somos um povo muito curioso, pobre, em vias de nos transformarmos num país miserável, mas ricos em autoestradas. Claro que não estão pagas, nem sei quem vai pagá-las. Às tantas os nossos netos, não? Os nossos netos? Qual quê, os netos dos nossos netos. Credo! Não me digas. Digo, digo. Os nossos bisnetos é que vão pagar isto tudo? Não, os nossos trinetos. Valha-me Deus! Graças a Ele já não vou ver nada disso. A conversa continuou ao redor desta "riqueza" louca e de outros temas até chegar à entrada de Tomar. 
Olha, disse-lhe, parece que conheço esta curva. Conheces? Sim conheço. Conheço esta e mais esta. Há cerca de trinta e sete anos fazia este trajeto quando ia para Tancos, para a tropa. Lembras-te? Claro que me lembro. Gosto muito de Tomar. Temos de vir aqui passar uns dias. Chegámos, passeámos, entrámos num velho café que não mudou nada, rigorosamente nada em quase quarenta anos. Entrei na igreja, esbafori-me de beleza, de recordações de amor e de muitas outras coisas que afluem ao espírito sem esforço, mas com prazer e determinação. Gosto de viajar no meu país, gosto de recordar velhas histórias e lembranças arquivadas, dispostas a libertar odores inesquecíveis. Subi ao castelo, passeei e recordei o que é meu e o que é do mundo. Gosto de recordar, adoro imaginar, sinto que vale a pena representar. Sentir a vida e dar-lhe significado é viajar pelo nosso passado, passado individual e coletivo, sentir o amor desejado e o esquecido. Dar sentido à vida, através da beleza, do encanto e da esperança de novas lembranças, seduz-me. Entrego-me às suas mãos. Não me importo de morrer desde que possa inebriar-me de felicidade ao som dos seus cantos. É tão estranho e tão simples viver uma tarde de domingo em que consegui afugentar o meu amigo e triste fantasma. Não sei o que é que ele andou a fazer durante todo este tempo. Talvez tenha sentido alguma sensação de felicidade com a viagem que fiz. Espero que esteja bem. Eu fiz o meu possível, dentro da natural impossibilidade...

Olhos de amêndoa


Domingo de manhã, período sedutor, tempo de descanso, reina o sol de esperança, um momento curto mas simpático, ainda não senti nenhum sinal de tristeza, tristeza que vai inundar a minha alma mas só lá para o meio da tarde. Aproveitei a tranquilidade da manhã e fui tomar um café. Levei uma revista para ler, sabendo que não iria ler grande coisa, mas apeteceu-me, apetece-me sempre levar qualquer coisa para ler, ou fingir que vou ler. O café soube-me bem, sabe-me sempre bem beber o meu café da manhã. Comecei a ler algo que já tinha começado a ler. Interessa-me muito este assunto, algo relacionado como "destruir a reputação de alguém". A força do poder e dos interesses económicos é verdadeiramente destruidora. Tenho pano para mangas, uma história que me irá permitir conhecer não a natureza humana, mas sobretudo o peso e a capacidade de destruir qualquer ser humano que se aventure na denúncia de crimes e más práticas ambientais e sociais por parte de certas empresas a nível mundial. Entretanto, uma criança, pequenina, acabada de aprender a dar os primeiros passos, irrequieta e indefesa, andava a bambalear-se pelo espaço. O irmão, mais velho, acompanhava-a, pegava-lhe e protegia-a, e a menina de olhos de amêndoa protestava contra os cuidados à sua maneira. Aproximou-se de mim, era mesmo miudinha, e espreitava o que se passava na superfície por debaixo da mesa. Olhava de baixo para cima. Olhou-me e ficou ali, tempos infinitos, sem se mexer, tentando equilibrar-se, já que de tempos a tempos ameaçava cair. Mas não, aguentava-se, exercitando-se no equilíbrio da vida. Um equilíbrio complicado para ela que não tirava os olhos de mim. Fixava-me, baixava os olhinhos, voltava a olhar, não dizia nada, e eu não sabia o que fazer ou dizer. Sorria-lhe e tentava transmitir-lhe confiança. Via que não se afastava nem se assustava com a minha presença. Ficou, contrariando todas as regras de liberdade infantil, a olhar para mim durante muito tempo, a ponto de me perturbar. Tentei imaginar o que é que estaria a pensar. Não consegui imaginar. Consigo "ver e saber" o que se passa na cabeça de muitas pessoas. Não é difícil, é um exercício que pratico há muitos anos, mas perante aquela imobilidade e forma de olhar não consegui ver e nem saber o que a menina de olhos de amêndoa estaria a pensar. Seria tão útil "ver e saber" qual o pensamento de uma criança que recentemente aprendeu a andar. Eu, pela minha parte, dei-lhe a entender que estava a protegê-la, e assim foi. Ao ir-se embora ia batendo com a  cabeça no bico da mesa. Instintivamente coloquei a mão de forma a não se aleijar. Olhou-me novamente e não disse nada. Olhou-me com uns profundos e belos olhos negros de amêndoa, olhos enigmáticos que me confundiram mais uma vez. 

Fiquei a saber que se chamava Maria. Nunca mais vou esquecer tão belos, profundos e enigmáticos olhos.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Empresas prepotentes e arrogantes

Hoje fui a casa do meu pai. Tinha uma carta da OPTIMUS a dizer que o pedido de cessação de contrato que tinha enviado, conjuntamente com um atestado médico passado por mim, a justificar a razão do cancelamento, não foi aceite! Depois vêm com um arrazoado jurídico que me pôs os cabelos em pé com as exigências. Fiquei incomodado e telefonei mais uma vez a mostrar o meu desalento e tristeza pela prepotência, arrogância e a total falta de respeito pelo cidadão. Sou eu que pago, não é um ser em estado vegetativo. Mesmo anteriormente, quando a sua cabeça funcionava a 100% aos 90 anos, era eu que assumia financeiramente as suas obrigações, embora não necessitasse do telefone, mas há que respeitar certos hábitos e condutas dos mais velhos. Sou eu que assumo e assumi muitos compromissos como, naturalmente, compete a um filho. Falei durante muito tempo, com calma, fazendo das tripas coração. Do outro lado o interlocutor ouvia-me e tentava justificar o que para mim não tinha justificação. Chegou a perguntar-me, muito admirado, porque razão não tinha uma procuração. Expliquei-lhe que não tinha porque isso poderia ser incómodo para quem tinha uma memória e capacidade de argumentação capaz de fazer inveja a qualquer pessoa dotada de inteligência. Falei, expliquei, mostrei o meu mais profundo desagrado, não por causa dos 11 ou 12 euros que pagava pela linha, que o meu pai praticamente nunca usava, eu tinha-lhe oferecido um telemóvel há muitos anos, sabia lidar bem com as novas tecnologias apesar dos seus 90 anos, mas por causa da prepotência, arrogância e a falta de respeito por um cidadão, neste caso, dois, o meu pai e eu. 
A conversa continuou e o meu tormento e tristeza aumentou. 
Falei com o meu advogado e coloquei-lhe a situação. Agora espero que faça uso de todos os instrumentos legais para por cobro a esta falta de respeito que, confesso, é muito doloroso para mim, não pelo que tenho de pagar, mas pelo sentimento de humilhação e de impotência face a gigantes prepotentes, arrogantes e não respeitadores dos direitos humanos. Cheguei a dizer-lhe que podia deixar de pagar e depois que se "entendessem" com ele. Claro que não o faço, porque aprendi o significado da honestidade com o meu pai e até uma máxima, podemos morrer a qualquer momento, mas quando morrermos não devemos ter dívidas para com ninguém. Ele não tem, e não terá, nem agora, nem depois de morrer. O senhor, do outro lado, ficou admirado e disse-me: - Não tinha pensado nessa hipótese, não pagar. Olhe, então fica cancelada a assinatura por três meses e durante este tempo tem que entregar os documentos legais. - Três meses? Nesse caso posso enviar-lhe apenas a certidão de óbito? Chega para cumprir as vossas exigências? É que na missiva que me tinham enviado não estava contemplada esta hipótese ou solução. Do outro lado ouvi apenas silêncio. Fui ter com o meu advogado e coloquei nas suas mãos a solução deste problema. Não aguento mais. Não quero falar mais. Não quero ouvir mais nada vindo daquela empresa. 
Quanto à outra empresa, aguardo o resultado do envio de alguns documentos que tenho ali em cima da minha secretária para tentar a cessação do contrato da televisão com a ZON. Segunda-feira vou enviar a carta, mas, atendendo a este comportamento da OPTIMUS, pedi ao advogado que fizesse o mesmo com aquela empresa, porque deve rezar pelo mesmo missal. O que é certo é que tenho de pagar este mês, depois de ter pedido o cancelamento do contrato seguindo as instruções do operador. Não serviu de nada, pelos vistos. E a conversa de ontem, meu Deus, não vou esquecê-la, nunca mais. Quem paga esta conta, e outras, sou eu, não é o meu pai. Hoje, em Santa Comba Dão, já lá estava para pagar a dita conta da ZON. Vou pagá-la, obviamente. Não sei durante quanto tempo é que terei de pagar, mas vou "alimentar", pelo menos mais um mês, uma poderosa, prepotente e arrogante empresa.
É preciso, urgentemente, travar e limitar a prepotência, a arrogância e a falta de respeito pelos cidadãos por parte destas empresas. Invocam preceitos legais e os definidos pela ANACOM. Mas há outros valores que têm de ser respeitados. É preciso que se produza legislação nesse sentido transferindo o poder para quem o merece e necessita, o cidadão.

Assim, meus caros amigos, comentadores e leitores, faço a atualização destes episódios.

Os novos oráculos


Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo 
(Inscrição no oráculo de Delfos) 

As pitonisas de Delfos faziam profecias que eram consideradas verdades absolutas. É claro que exigiam decifração, os oráculos sempre gostaram de enigmas que punham à prova a inteligência dos intérpretes e, sobretudo, que livravam de responsabilidades os conselhos dados a quem se lhes dirigia. Os oráculos nunca se enganam, senão os deuses entrariam em descrédito.
O reboliço interpretativo que o relatório da avaliação da troika provocou lembra em tudo o oráculo das pitonisas de Delfos, convidando a um exercício cabalístico a que todos se dedicam entusiasticamente, acabando por discutir as interpretações de uns e de outros porque o texto todas acolhe e corrige. O País está melhor? Sim, está. O País melhorou? Hum, a ver vamos, há muito para andar. As exportações cresceram? Sim, foi notável. As exportações são a prova do bom caminho percorrido? Depende, depende mesmo muito. As reformas foram feitas? Sim foram. As reformas não foram feitas? Pois, há que fazê-las e muito mais. Os impostos são altos? Sim, altíssimos. Os impostos devem descer? Não, nem pensar. A retoma precisa de consumo? Sim, precisa, mas cuidado com as importações. A austeridade pode abrandar? Não, mas cuidado com as clivagens sociais. O programa foi um sucesso, Portugal está em risco, grandes sacrifícios, sacrifícios maiores. Tudo depende de tudo e não se percebe de que é que afinal depende. 
Os novos oráculos são muito parecidos com os antigos, querem ficar para a História sem se comprometer com o rumo dos homens para a ir construindo. Mas não os dispensam dos seus conselhos cabalísticos, que cada um decifra conforme lhe interessa, invocando a sabedoria dos deuses fingindo desconhecer-se a si próprios.

A suprema arte de ludibriar e perder tempo

Depois do julgamento nos Tribunais, o PS quer um novo inquérito parlamentar sobre os submarinos. Creio que nunca um inquérito parlamentar concluiu mais do que aquilo que a maioria parlamentar de momento quis que concluísse. Pelo que as minorias logo vêm apresentar as suas conclusões alternativas. O absoluto aviltamento dos inquéritos deveria levar, se houvesse algum resto de vergonha, a fechar o instrumento por uns tempos e repensar a reabertura com novos princípios e, já agora, com nova gente.  
Em matéria de inquéritos parlamentares, o tão apregoado apuramento da verdade é o que menos interessa aos ilustres deputados. Numa versão optimista, a chicana política é o seu objectivo mais nobre. Que alegremente convive com um resíduo inquisitorial que está na alma de muitos dos proponentes. No fim, eles acabam por ser uma prova de (má) vida e única justificação para muitos dos deputados terem alguns momentos de (má) glória na comunicação social. 
Com o picante de que se levam muito a sério. E o ridículo de que só os jornalistas é que os ouvem. Também muito a sério!... 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

"FDP"

Gosto de cumprir com certas formalidades. Tive necessidade de entrar em contacto com duas empresas de telecomunicações portuguesas, explicando-lhes a necessidade de cancelar dois contratos, um de televisão e outro de telefone. Disse quais as razões, o titular das mesmas é um familiar que não necessita, nem nunca mais vai necessitar, daqueles serviços. Explicaram-me o que deveria fazer, e fiz. Enviei os elementos necessários ao cancelamento. Quanto à outra, foi um desatino o diálogo com o interlocutor. Um desatino que me pôs meio louco. Expliquei vezes sem conta as razões e recebi em troca pedidos impossíveis quase a raiar a obscenidade. Fiquei de boca aberta. Expliquei-lhe novamente as razões, mais do que pertinentes, quase que me apetece dizer, fatais, mas, do outro lado, o discurso parvo e sem sentido continuava em estado de puro anedotário. Fiquei com a sensação de que estão instruídos para evitar a todo o custo o não cancelamento dos contratos, mesmo quando as razões apontadas atingem o limite máximo do impedimento. Cretinos. Pensei. Fiquei com uma urticária a ponto de não conseguir ouvir o nome da empresa. Escrevi, juntei a documentação, e enviei uma carta de protesto à direção da dita. Pensei, não passam de uns filhos da puta!  
Quanto à segunda fiz tudo direitinho de acordo com a informação de um colaborador. Enviei o pedido com os elementos de identificação e até fui mais longe ao descrever a razão da cessação. Hoje, telefonaram-me. Queria falar com o titular. Não sei se devia rir ou chorar. Expliquei-lhe que o mesmo não podia, nem nunca mais vai poder. Entrou de seguida a perguntar o motivo do pedido de cessação, se era por causa de alguma insatisfação ou outro motivo relacionado com a empresa. Fiquei estupefacto e tentei controlar-me, dizendo-lhe novamente o que tinha dito logo de início. Um diálogo doloroso a raiar a obscenidade e a faltar ao respeito de um cidadão. As coisas não ficaram por aqui. Queria que o titular assinasse. Fiquei com um aperto e uma vontade de o mandar ao sítio mais adequado. Tentei controlar-me perante tão lamentável comportamento. Expliquei que tinha feito tudo certinho de acordo com as informações da sua empresa. Nada feito. O tolinho, estúpido ou a fazer-se de estúpido, cumprindo naturalmente ordens para dificultar ou, quiçá, impedir a cessação do contrato continuava na sua estranha, complexa e ridícula exigência. Respirei fundo e com os dedos a tremer registei os dados solicitados. Afinal o que tinha enviado não era suficiente. Para cancelar um contrato é preciso certas formalidades que são a antítese das facilidades inerentes à sua realização. Ainda cheguei a perguntar se não quereria esperar mais uns dias para poder enviar a certidão de óbito, entretanto ainda podiam mamar mais alguns euros. Pensei. É um horror dialogar com certas empresas. Um tormento. Uma ofensa. Um sentimento de humilhação invade-me com frequência. Fiquei com um amargo na mente onde espetei um placa com os seguintes dizeres, "filhos da puta". Nunca mais vou conseguir tolerar ou ouvir os seus nomes. Foi duro. Foram cruéis, indelicados, despropositados e, até, mesmo ofensivos.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sete anos perdidos

Entrou. Não falou de imediato. O olhar revelava incerteza e atribulações quanto à dureza da vida. Foi o marido que tomou a dianteira. Explicou sem rodeios o que estava a acontecer. Tinha a certeza de saber qual o diagnóstico da situação.
- Há sete anos que cortámos relações com a mãe da minha mulher. Agora está gravemente doente. Tem um tumor maligno, está cheia de metástases, e a filha - que a seu lado ouvia sem dizer uma palavra, começou a relacionar-se intensamente com a mãe. Tão intensamente que não dorme, não come e só fuma. Assim, direto, sem meias palavras, sintetizou um quadro familiar, o aparecimento da doença e o viver amargurado da mulher. Olhei-a e pedi-lhe com o meu habitual silêncio que dissesse qualquer coisa. Mas não disse nada. Fiz duas ou três perguntas circunstanciais, de rajada, sem lhe dar tempo para responder, até que me centrei apenas numa, convicto de que já estaria a tomar qualquer coisa. O que é que está a tomar? Mostrou-me, uma bordoada química à maneira, daquelas que nos fazem sentir como mortos-vivos. O marido interrompeu. - Passa o dia a dormir e sem reação. Confirmava-se a minha suspeita. Não quis entrar em pormenores, limitei-me apenas a aconselhar o que se deve fazer naqueles casos, casos que conheço bem demais. Antes não os conhecesse. Tentei criar uma aura de superioridade para garantir a eficácia das minhas palavras. Ouvia-me esperançada, sim, esperançada, porque julgava que os fármacos seriam uma qualquer solução milagrosa. Não são, nem para lá caminham. Mesmo assim expliquei-lhe o que fazer, e por que razão deverá proceder naturalmente perante a morte que se avizinha. Claro que compreendeu, mas quem não compreende estas coisas quando elas nos batem à porta? O pior era o resto, aquilo que não tinha sido explicado, mas que já tinha passado pela minha cabeça, sentimento de culpa. Pareceu que leu a minha mente e antecipou-se dizendo que não era uma questão de sentimento de culpa, até porque a mãe já tinha confessado a terceiros a sua responsabilidade. Não dei motivos para continuar a expressar-se daquela maneira, embora o marido tivesse traçado algumas características que imediatamente ignorei. Avancei com mais uns comentários e expliquei-lhe como proceder, tentando eliminar o passado e fazendo-lhe ver que o que importa é o presente. 
- Viva o tempo que lhe falta, viva, sejam sete meses, sete semanas ou sete dias, mas viva-os separado dos sete anos em que estiveram ausentes. Baixei os olhos, fiz a medicação que melhor lhe servia, se é que servia para alguma coisa, mas levou na alma conselhos, opiniões e a forma de encher corações despedaçados pelo tempo e pela incompreensão. O amor emerge nas mais estranhas ocasiões como é o caso da morte anunciada, e do sofrimento que lhe serve de muleta. Nestas alturas, o despertar de emoções únicas fazem-nos ver realmente o que somos e o que desperdiçámos ao longo da vida. 

Sete anos de vida perdidos, sete semanas de esperança.

Contas Externas de 2013: pontaria afinada do BdeP e avisos do FMI...

1. No Post editado na última 3ª Feira, com que regressei ao “trabalho” no 4R, referi –me à elevada probabilidade de virem a confirmar-se as estimativas do BdeP, divulgadas há mais de 1 mês, no Boletim Económico de Inverno, relativas ao desempenho das contas com o exterior: saldo conjunto das balanças Corrente e de Capital de +2,5% do PIB, saldo conjunto das balanças de Bens e Serviços de +1,7% do PIB.

2. Pois bem, na edição do Boletim Estatístico de Fevereiro esta manhã divulgada, ficaram a conhecer-se os resultados das contas externas para o conjunto de 2013: saldo conjunto das balanças Corrente e de Capital, + € 4.293 milhões, ou seja 2,6% do PIB; saldo conjunto das balanças de Bens e Serviços, + € 2.845 milhões, ou seja 1,7% do PIB...pontaria afinada, do BdeP...

3. A significativa melhoria das contas com o exterior é extensiva a todas as rubricas, com a curiosa excepção da balança de Capital, em que o saldo positivo, de € 3.412 milhões, ficou aquém do registado em 2012, de € 3.870 milhões...

4. ...e com relevo para a melhoria da balança de Serviços, cujo saldo positivo passou de € 8.867 milhões em 2012 para € 9.925 milhões em 2013 (+14,25%), bem como para a redução do ainda muito elevado défice dos Rendimentos, reflexo do imenso nível de endividamento acumulado pelo País nos 15 anos que precederam o acordo com os credores internacionais, tendo esse défice passado de € 6.938 milhões em 2012 para € 5.925 milhões em 2013 (uma queda de 14,6%).

5. Uma nota também para a balança comercial de Bens, cujo défice de € 7.080 milhões caiu quase 20% em relação ao défice de 2012, que tinha sido de € 8.835 milhões, graças ao crescimento das exportações de 4,9% e à prática estagnação das importações, com uma variação de +0,1%...

6. ...curiosamente, será este “forte” recobro das importações de bens que parece justificar alguns avisos do FMI no tocante à sustentabilidade da retoma da actividade económica nesta fase de ajustamento da economia...

7. ... Avisos que, na minha opinião e apesar desta aparente manigância dos números, não devem ser subestimados, saliento...

8. Uma última nota para registar que o total das exportações de bens + serviços ascendeu em 2013 a € 68.218 milhões, equivalendo a cerca de 41,3% do PIB, contra cerca de 28% há poucos anos atrás...

Diferenças

Assisto numa das TV ao depoimento do filho de um ilustre que emigrou. Compreendo o seu desgosto. Compreendo que diga que o pai fez muito pelo seu País e que o País não restituiu o que ao longo da vida lhe deu. Compreendo bem porque também sou filho de um pai que lutou uma vida inteira para sustentar a sua família. Também serviu o País, lutando para dar aos seus filhos as oportunidades que não teve. Superou-se, separou-se dos seus pelo menos duas vezes para juntar uns míseros tostões a mais. O País devolveu-lhe as décadas de esforço pagando-lhe uma cada vez mais magra pensão de reforma. A diferença entre o pai ilustre que emigrou e o meu pai não está no desgosto, está na capacidade de emigrar e na atitude. O meu pai não conseguiria emigrar, infelizmente o corpo não lho consente. Mas a atitude também não o deixaria. Se bem o conheço, preferiria a provação maior do que reformar-se de Portugal.

Antes heróis que vilões


O Finantial Times publicou um artigo em que classifica Portugal de "vedeta da Europa" por causa do crescimento da economia que, ao que parece, apanhou toda a gente de surpresa. Mesmo assim, multiplicam-se em palpites que alternam entre a "devastação" e a "transformação", detetando causas e efeitos como quem lê num livro aberto. Ainda há pouco tempo, mesmo quando eram já visíveis os sinais da enchente turística, ainda há bem pouco tempo nos olhavam com desdém e descrédito e parecia inevitável um segundo resgate, mas eis que a nossa estrela volta a brilhar no firmamento europeu. De vilões a heróis? Aguardemos, a volubilidade das opiniões dos analistas é tão insondável como a sensibilidade dos mercados aos sinais dos sedutores políticos.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Contra a corrente!...

Na continuação do último post do Tavares Moreira… 
Os macroeconomistas académicos analisam os macro-dados, procuram interpretá-los e daí retirar conclusões sobre a evolução da economia. Geralmente erram. Por desonestidade intelectual, ou por incompetência, mesmo que catedráticos. Erram por desonestidade os que torturam os dados de forma a confirmar as conclusões lógicas dos seus pressupostos doutrinários, ideológicos ou partidários. Não são economistas, nem académicos, são comissários.
Erram os incompetentes, porque, inseridos em ambientes fechados e académicos liofilizados, não conseguem sentir o pulsar, as sensibilidades e variações do universo micro, sempre em ebulição. Como é este universo que comanda a economia, essa espécie de macroeconomistas anda sempre atrasada. Lamentavelmente, a desonesta e a académica incompetente são as espécies que fazem doutrina nas Universidades e nos media e têm formado legiões de opinadores. Eles fazem a corrente e afastam quem está contra.
É por isso que não conseguem agora explicar que Portugal tenha invertido, nos últimos tempos, a dita espiral recessiva (que era suposto continuar indefinidamente...), aumentando os níveis da actividade económica e do emprego e gerado superávites nas balanças com o exterior. Não conseguem explicar e, por não se conformar com os seus princípios, recusam uma realidade que se vai impondo e começa a estar à vista.
Dizia alguém, em modo caricatural, que existem duas espécies de economia, a micro e a má economia. É talvez por isso que, académicos ou curiosos, tantas vezes caem em erros grosseiros. Esquecem que, bem lá no fundo, onde nunca conseguirão chegar, há milhões de cidadãos e empresários, pequenos, médios e grandes, que procuram contrariar adversidades, atingir objectivos, seguir determinadamente um caminho, ultrapassando obstáculos e políticas públicas adversas e, quantas vezes, erradas. É por isso que a nossa economia, se caiu devido às irracionais e insustentáveis políticas públicas de Sócrates, também se levantou por si só. E que faria ela, se pudesse beneficiar de políticas públicas mais ajustadas! Acontece que a corrente impede os bons economistas de se fazerem ouvir. E o governo de os escutar. 
Nota: Uma palavra para os macroeconomistas da OCDE. Através dos seus indicadores avançados, conseguiram há muito prever o que tem sido a evolução da nossa economia. Negando a tal perpétua espiral recessiva. Os nossos catedráticos podiam aí aprender alguma coisa.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Economia recupera, juros e desemprego baixam, como é isto possível?!

1. Boa tarde a todos!

2. Foi notório o desconforto (para dizer o mínimo) com que uma boa maioria dos comentadores e opinion-makers de serviço acolheu a divulgação dos dados referentes ao desempenho do PIB no 4º trimestre de 2013: já não bastava uma variação em cadeia positiva e bem superior ao esperado (0,5%) como desta vez também a variação homóloga foi positiva, pela 1ª vez desde o 4º trimestre de 2010 (+1,6%).

3. Compreende-se o desconforto generalizado: para quem sustentou, nestes últimos 3 anos, de forma sistemática e axiomática, que as políticas NEO-LIBERAIS em vigor iriam impor aos portugueses uma recessão indefinida e um aumento contínuo e irreversível do desemprego – enquanto tais políticas não fossem radicalmente alteradas, é óbvio – estes dados do PIB, acrescendo ao comportamento do desemprego nos últimos meses, representam uma contrariedade insuportável...

4. A expressão “espiral recessiva”, tantas vezes utilizada para caracterizar a consequência fundamental das referidas políticas NEO LIBERAIS, está posta completamente em crise e as explicações possíveis para este novo cenário são motivo de pesadelo...

5. Para agravar este cenário já tão negro, as taxas de juro implícitas na cotação da dívida pública portuguesa (yields) não param de baixar, sendo que no caso da dívida a 10 anos a yield se aproxima do famoso “nível Machete”, como referia a imprensa desta manhã quando a yield tocou os 4,8%, sugerindo que uma saída do Programa da Ajustamento “sem mais” pode vir a ser uma real alternativa...

6. E já nem vale a pena falar da espectacular melhoria das contas com o exterior que se tem verificado e cujos números, até Novembro último, sugeriam elevada probabilidade de se virem a verificar em 2013 as estimativas do BdeP, divulgadas no seu último Boletim Económico (do Inverno): superavit de 2,5% do PIB para o saldo conjunto das balanças Corrente e de Capital, e superavit de 1,7% do PIB para o saldo conjunto das balanças de Bens e de Serviços...

7. Com efeito, das duas, uma: ou há que reconhecer que as políticas em vigor não são, afinal, NEO-LIBERAIS – e não sei quem se atreverá a proclamar tal blasfémia – ou então, pior ainda, será forçoso concluir, ao contrário da Teoria Geral com que fomos bombardeados durante estes últimos 3 anos, que as infames políticas NEO-LIBERAIS são não só capazes de estimular crescimento e emprego...

8. ...como, no caso vertente, até terão sido capazes de resolver a situação financeira catastrófica para que o PAÍS foi arrastado por força da teimosia irresponsável de políticas Parvo-Keynesianas.

9. A minha sugestão vai no sentido de que se encarregue o “diabo” da arriscada missão de escolher, entre as duas hipóteses contempladas no nº4 supra, qual a que melhor se aplica ao que se está a passar na economia portuguesa...





Rumo a uma saída favorável do PAEF

Saída limpa ou saída com programa cautelar?... A cerca de 3 meses da conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a que Portugal se encontra submetido desde 17 de Maio de 2011, o debate está instalado na sociedade portuguesa – mesmo sabendo-se, como se sabe, que é grande o desconhecimento sobre as condições subjacentes a um programa cautelar. E que podem fazer toda a diferença para a decisão a ser tomada nesta matéria.
Prós e contras: resumidamente, a favor da saída limpa (isto é, sem qualquer apoio adicional no regresso ao financiamento em mercado) conta-se uma suposta maior vitória política (nomeadamente para consumo interno) de quem, com as agruras resultantes da dureza, da má concepção inicial do PAEF, e da sua insuficiente adaptação à realidade ao longo do tempo, conduziu os destinos de um país; e também uma suposta menor condicionalidade (balizada pela normal monitorização europeia e pelos objectivos do Tratado Orçamental Europeu); contra, a exposição total (sem qualquer rede protectora) aos humores dos investidores e dos mercados. A favor do programa cautelar vale, precisamente, o facto de ser visto como um seguro que protege o país em questão contra as oscilações dos mercados (via Mecanismo Europeu de Estabilidade – o fundo de resgate europeu – e Programa OMT de compra de dívida pública por parte do BCE), e reforça a sua credibilidade junto dos investidores (que podem, assim exigir juros menos elevados); contra, uma suposta condicionalidade mais estrita e mais dura, implicando maior austeridade futura e menor liberdade de actuação para cumprir os objectivos europeus. Um ponto adicional de muitos a favor de um programa cautelar reside no facto de poder refrear eventuais ímpetos eleitoralistas futuros, que poderiam deitar, novamente, tudo a perder (leia-se, encaminhar-nos, novamente, para uma posição de resgatados). A esses receios contraponho que, mesmo com saída limpa, estaremos sujeitos a condicionalidade estrita e a uma monitorização regular (semestral) por parte da Comissão Europeia e do BCE até que reembolsemos... 75% do montante dos empréstimos oficiais – o que sucederá já depois de 2030...
É possível que Portugal possa vir a ser empurrado para uma saída limpa, sem grande margem de manobra para poder optar. Empurrado por quem? Pela própria União Europeia e, nomeadamente, pelos países contribuintes (líquidos) do Norte e do Centro da Europa – Alemanha, Áustria, Finlândia e Holanda – que, no dealbar de umas eleições europeias que se antevêem particularmente complexas para os que acreditam no projecto europeu, podem ter grandes dificuldades em explicar aos respectivos eleitorados que continuarão comprometidos com uma ajuda financeira a um país... do Sul tão endividado como Portugal. E empurrado como? Pela imposição de condições explícitas de tal forma duras e exigentes que, na prática inviabilizariam a escolha de uma saída com programa cautelar... Nada que, afinal, já não tenha sido visto com a saída da Irlanda do seu PAEF – e sabe-se que a Irlanda dispunha de condições económicas e financeiras bem mais favoráveis do que as actuais de Portugal (mesmo admitindo, como creio que sucederá, que conseguiremos construir uma “almofada financeira” que nos garanta as necessidades públicas de financiamento de 2014 e 2015).
Tudo somado, na posse da (ainda insuficiente) informação hoje conhecida, tendo a valorizar mais a protecção e os previsíveis menores encargos financeiros associados a um programa cautelar, uma vez que, como atrás deixei subentendido, acredito que a condicionalidade implícita não variará muito entre um e outro tipo de saídas.
Agora, o que me parece irrefutável é que, com ou sem saída limpa, iremos evitar um segundo resgate – e que, portanto, nos encontramos rumo a uma saída do PAEF que, quer em termos políticos, quer práticos, só pode ser vista como favorável. Porquê? Porque
(i)       a dívida pública portuguesa estará sempre a ser financiada em mercado (e não a partir de verbas oficiais disponibilizadas pelo fundo de resgate europeu – o que, se acontecesse, configuraria uma situação de... segundo resgate)[1];
(ii)      um segundo resgate era tudo o que ninguém queria, seja em Portugal (por maioria de razão: são bem conhecias as nefastas consequências que um segundo resgate teve para a Grécia, onde um terceiro resgate está já a ser discutido), seja na Zona Euro (quaisquer duplos ou triplos resgates, para além do da Grécia, vista como caso excepcional, poderiam ser muito perigosos para o projecto da moeda única europeia).
Sem margem para dúvidas, não concorda caro leitor?...


Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em 18 de Fevereiro, 2014.

[1] Mesmo com programa cautelar, as verbas a disponibilizar pelo fundo de resgate europeu funcionariam como seguro para o caso de alguma coisa correr mal no financiamento em mercado... ao qual é suposto Portugal regressar depois de concluído o PAEF (e que já está progressivamente a acontecer).

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O quadro



Foi há muitos anos. Encontrei este quadro perdido no meio de umas velharias. Sujo, a própria moldura, esburacada, transpirava serradura molhando o preto e a própria tela com um amarelo escuro. Lembro-me de ter espirrado e ficado com algum ardor nos olhos. O dono da loja olhou-me com algum espanto e perguntou-me o que é que tinha achado. Estava um pouco afastado e mostrei-lhe ao longe numa zona escura da loja. É pena estar nestas condições. Já deve estar aí há muito tempo, já nem me recordava. É pena estar nestas condições, repeti, porque gostava de o adquirir, mas parece-me que se desfaz todo. Coloquei-o no chão entre uma amálgama de ferros e de outras porcarias que deitaria fora no primeiro contentor. Olhe, mesmo assim, se quiser ficar com ele só tem que pagar cinco contos. Naquela altura, cinco contos já se tinha quase transformado numa ninharia. Fiz de conta que não estava interessado, mas estava, claro. O quadro emanava tanta coisa, era tão belo e ainda por cima "cubista" e tinha decidido não o perder. Mas mesmo assim, ao contrário do que era habitual, mostrei um certo desinteresse. Quis ver se conseguia obtê-lo por uma quantia mais baixa, não porque fosse caro, mas queria testar se tinha algum jeito para regatear, coisa que não abunda nos meus genes e muito menos na minha região frontal. É caro. É pena estar neste estado. Olhe que é bom, o autor até vem num livro de pintura, quer ver? O safado sabia o que tinha e abriu um grosso volume de pintores portugueses e mostrou-me, este é o autor. Tinha o nome e um outro pequeno comentário sobre o seu estilo. Está bem, levo-o. Desisto de regatear, pensei. Ia a retirar uma nota de cinco mil para pagar quando o dono me disse, bom, vai levá-lo apenas por dois contos e meio, de facto está sujo e em mau estado. Paguei e saí com o quadro embrulhado em duas folhas de jornal debaixo do braço. Ia muito bem-disposto, porque tinha a certeza de ter feito uma bela compra. Durante o curto tempo em que estive a analisá-lo na loja fiquei perturbado com os olhares tristes e sem esperança do casal de meia-idade. A mulher, com um olhar longínquo a ver se encontra explicação para a sua prisão e tristeza, deixa transparecer o vazio da existência. O homem, mais afoito e desprendido, denota no seu olhar uma raiva contida pela perda da liberdade. Ele sabe que tem direito à liberdade e por isso questiona e desafia os adeptos da opressão. O cigarro pendente dos seus lábios testemunha o calor que incendeia a sua alma. As barras da pequena gateira deixam antever o brilho do sol livre e quente, do sol da vida, que um dia prometeu que seria igual para todos. A estrela vermelha traduz o sangue da dor dos que foram privados da liberdade.
Adoro este quadro, talvez um dos que mais me tocou ao longo da vida. Belo, expressivo, doloroso e que faz pensar o que é o sofrimento humano na sua expressão mais pura, a perda da liberdade. Uma bela obra de arte encaixada numa moldura carunchosa. 
A minha filha mais velha mostrou um dia interesse nesta obra de arte. Ofereci-lhe com muito agrado e sempre que vou a sua casa vejo-o, vejo-o com olhos da alma e da estética, e cada vez mais me convenço de que é uma obra de arte e fonte de permanente reflexão. 
Não o regateei, acabou por me ser oferecido. Por vezes até me convenço que foi ele que me escolheu. Mesmo que não tenha sido, gosto de acreditar que sim. 
Gosto da liberdade.
Viva a liberdade. O maior bem do ser humano. Basta olhar para este quadro para compreender o significado da sua ausência.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Direito especial de saque...à moda de Capucho!...

António Capucho queixa-se de ter sido saneado do PSD. Ironicamente, ao abrigo de uns Estatutos que ele próprio propôs, fez aprovar e é dos principais responsáveis. 
Ninguém obriga um sujeito a entrar para uma agremiação partidária; mas, se entra, e quer permanecer, sujeita-se às normas; se não quer sujeitar-se às normas (no caso, que ele próprio aprovou), sai de mansinho ou batendo a porta. Mas sai. 
Porque o Partido é dos militantes, não é para conveniência de cada militante, por mais notável que seja. E fazer toda uma  vida à sombra do partido não dá nenhum direito especial de saque, e muito menos, perpétuo e exclusivo, sobre futuros cargos partidários. 
Hoje, em entrevista no Expresso, Capucho declara-se simpatizante de Guterres e Costa. Nada a opôr. Pois não foi o Partido Socialista a abrir a porta às novas oportunidades? Capucho mostra estar atento. 

Desacordo nos critérios de despedimento: consensual?

Uns dizem que o governo falhou por não ter sido capaz de obter consenso social no diploma que fixa os critérios de despedimento por extinção do posto de trabalho. Não só não gerou consenso como ficou sozinho na defesa do diploma. Patrões e sindicatos não concordaram com a proposta do governo. Uniram-se nas suas diferenças. Outros consideram, no entanto, que a proposta do governo é equilibrada por não ter, justamente, recolhido o consenso de uns e de outros. Quem tem razão?
Mas indo à substância dos critérios, a avaliação de desempenho - o primeiro critério da escala hierarquizada dos critérios aprovados pelo governo - levanta perplexidade quanto à exequibilidade da sua aplicação, é que a maioria das empresas não tem sistemas de avaliação de desempenho. Não há aliás informação sobre esta realidade: quantas empresas têm estes sistemas implementados, quantas não têm, que dimensão têm estas empresas, que modelos estão instituídos, como funcionam, que efeitos têm produzido, etc. Segundo o critério da avaliação de desempenho os trabalhadores com pior classificação serão os primeiros a ser despedidos. Não vejo como pode a lei obrigar as empresas a terem um sistema de avaliação de desempenho para permitir a aplicação do critério. Este critério corre o risco do vazio da sua aplicação ou de dar lugar a abusos. Parece-me consensual...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

"Maresia"



Receber uma prenda é um sinal de respeito, de amor, de atenção ou de agradecimento. Quem o faz, faz por gosto e impregna o objeto com sentimentos, emoções e recordações.
Olho-o e vejo uma paisagem que faz parte do meu imaginário. Recordo, ou julgo recordar, a primeira vez que vi aquele espaço. Foi há muitos anos, era pequeno, muito pequeno, mas fiquei com uma vaga ideia do local que, depois, ao longo do tempo, se foi transformando em belos quadros, cheios de vida, de cor, de brilho, de sons e de cheiros. Sempre que passava naquele local ficava deslumbrado pela sua beleza em que pontuavam barcos, sobretudo coloridas traineiras. A azáfama dos pescadores, a vozearia de aves boçais, loucas nos seus propósitos, o tremelicar de lingotes de prata debaixo da água a revelar como se transformam raios de sol em brilhantes espelhos, aliados a um odor único capaz de inebriar o mais sensível dos humanos, provocavam-me estranhas emoções a ponto de querer ficar tempos infinitos naquele espaço. Tudo me seduzia naquele lugar. Pedia para ir até lá e ficava absorto com as formas sensuais das traineiras. Parecia que tinham anquinhas, prontas para bailar e rodopiar no mar calmo. Quando a maré vazava, adormeciam de lado como se fossem animais cansados de tanto lidar. A água começava a subir e elas, meio adormecidas, acabavam por estremecer e sair daquele estranho sono ficando direitas e cheias de vida. Gostava tanto de as ver a endireitar-se ao som do barulho das águas e do cheiro do perfume das algas. Um cheiro subtil que me persegue desde então. 
Um dia, como gostava daqueles barcos, deram-me uma pequena traineira de lata, verde, vermelha e amarela. Brinquei muitas vezes com ela, no tanque da minha casa, nos carreiros feitos pelas carroças dos bois nos terrenos encharcados em frente da fábrica ou na ribeira que corria aos pés da cozinha da minha avó. Adorava a minha traineira de lata, verde, vermelha e amarela, igualzinha às que via na doca, quando ia à praia. Trocava o incómodo das areias e o espumar de um mar assustador pela beleza daquele espaço. Pedia para ir para lá. Depois, mais tarde, já não pedia para ir. Ia sozinho. Ficava, durante muito tempo,  a ver aquele quadro de sons, luz, efeitos, cheiros e azáfama dos animais, humanos e voadores. 
Recebi a prenda anunciada. Entregaram-me a meio da tarde. Saí tarde, já de noite. Sabia que o mar não estava longe, não o via nem o ouvia, mas, subitamente, debaixo de intensa chuva, senti o perfume da maresia a inundar-me os sentidos. Fiquei na dúvida se o perfume vinha do mar ou do meu quadro. Voltei a olhá-lo e vi um dos mais belos espaços que perduram na minha mente e que agora se materializou numa delicada aguarela. Olho e não encontro a minha traineira de latão, verde, vermelha e amarela. Não faz mal, saiu, foi passear, bambaleando-se sensualmente, à procura do seu amor. A minha traineira, verde, vermelha e amarela é muito bela e agora já sabe que pode voltar. A minha aguarela está à espera dela...

Pior do que está...com Seguro seguramente fica!...

Já vai sendo hora da complacência para com a incompetência de António José Seguro acabar de uma vez por todas, incluindo por parte dos jornalistas que lhe põem o microfone à frente para as suas não-declarações, e que não podem achar normal um partido político com ambições de governo recusar-se a entrar no debate sobre o futuro do país. De outra forma, de cada vez que Seguro abre a boca é a democracia portuguesa que continuará a ficar um pouco mais pobre.
João Miguel Tavares, em artigo no Público, A Picareta Bocejante
Diz constemente Seguro que o governo é mau. Mas sendo mau o governo, fácil seria apresentar alternativas. Não se conhece nenhuma.
Por muito mau que seja o governo, Seguro é seguramente muito pior. Parafraseando o Titirica: Com Seguro, pior do que está seguramente fica!... 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A primazia dos procedimentos administrativos...

Leio estas notícias e fico arrepiada: O gabinete de comunicação do  Centro Hospitalar de Lisboa Central respondeu que se dá prioridade absoluta ao tratamento e que, como o doente tinha documentos que permitiam identificá-lo, a regra é esperar que algum familiar apareça até ao final da hora da visita do dia seguinte ao internamento. Caso ninguém apareça, tentam então contactar a família. A excepção só acontece se o doente tiver morrido ou se precisarem de informação clínica.
O que é relatado nesta história triste pode acontecer a qualquer pessoa. Não há dúvida que o socorro de cuidados de saúde perante uma situação de emergência é uma prioridade, é a prioridade. O que não se compreende é que o socorro tecnicamente competente prejudique uma relação humana e respeitosa dos hospitais para com o próprio doente e a sua família. Esta relação não pode ser reduzida a um mero procedimento administrativo. Mas é assim que funciona. Pelos vistos os hospitais dignam-se avisar as famílias dos doentes que lhe são confiados numa situação de emergência se estes morrerem ou se precisarem de informação clínica. No entretanto, doentes e famílias ficam mutuamente abandonados, sem saberem uns dos outros. Há aqui uma grande falta de sensibilidade, as pessoas são tratadas como máquinas, não é bom caminho. A tecnocracia só por si não chega, o desenvolvimento humano exige muito mais...

"O melhor da vida todos os dias"




O dia foi longo, duro, cheio de trabalho e tenebroso com tanta chuva. Terminei cansado. Fiz a viagem sem chuva mas debaixo de pingos duros e secos da escuridão, também tenebrosa, a querer perpetuar o dia que acabava de finar e da noite que rompia a soluçar. Subi a escadaria, passei no corredor, evitando olhar ou ser olhado com receio de ter conversar e de justificar a minha presença. Dois, três, quatro breves cumprimentos, traduzidos num formal boa-noite ou num aceno de cabeça e mergulhei no quarto. O silêncio escuro, entrecortado pelo respirar suave, baixo, tranquilo e esperançado na morte que se atrasa, contra o que é habitual, feriu-me os olhos e impediu-me de o ver. Imaginei como estaria. Para confirmar acendi o candeeiro de parede, não com receio de a luz o incomodar, não incomoda, nem a luz, nem a sombra, nem a escuridão, nem nada. Acendi o candeeiro de luz fraca apenas para me proteger. Tudo na mesma, ou pior, as carnes começaram a volatizar-se. Sentei-me, aproximei-me, voltei a sentar-me, e continuei neste ritual sem sentido durante alguns minutos, para poder ter a certeza de que o tinha visitado. Queria pensar e não conseguia. Falar não podia. De repente olhei para o lado, na escuridão protetora, e vislumbrei na mesinha de cabeceira uma flor com uma tira de papel presa. Comecei a pensar e a falar para mim. Interroguei-me sobre a sua presença e significado. Peguei e li o que estava escrito na folhinha, "o melhor da vida todos os dias" - Dia Mundial do Doente - 11 de fevereiro. A Liga dos Amigos dos Hospitais da Universidade de Coimbra passou por ali e deixou uma mensagem que o doente nunca irá ler. Li-a eu e nunca mais vou esquecer este dia...

Formação para novas oportunidades

Hollande visita Obama.
Curso de formação acelerada, em busca de novas oportunidades. Com mestre acima de toda a suspeita.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O PS e a estratégia da preguiça

O PS recusa; o PS rejeita; o PS discorda; o PS opõe-se; o PS desdiz; o PS nega…
O PS não aceita; o PS não admite; o PS não aprova; PS não reconhece; o PS não se presta a …
Se o PIB vai crescendo, o PS diz que diminuiu
Se o desemprego vai decrescendo, o PS diz que aumentou
Se os yields da dívida pública vão diminuindo, o PS diz que a dívida aumenta
Se diminui o défice, o PS diz que não se cumpriu o orçamento
Se aumentam os impostos, o PS diz que se devia cortar na despesa
Se se corta na despesa, o PS diz que se devem é aumentar os impostos  
O PS não afirma, não propõe, não tem estratégia, nem rumo. Ou melhor, tem: limita-se a dizer que não e adoptou a preguiça como lema.
Só se lhes reconhece uma única afirmação: dizem, muito enfatuados, que querem ser governo!...