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quinta-feira, 23 de março de 2006

Ligar os pontos



Os anos ensinam muitas coisas que os dias desconhecem.
(Autor desconhecido)

You’ve got to find what you love”, é o título do discurso de Steve Jobs, fundador da Apple Computer, quando foi falar à Universidade de Stanford. Nunca tirou um curso e, ao estilo americano, conta como o espantoso sucesso que teve resultou do que parece uma sucessão de acasos mas, olhando para trás, conclui que o segredo foi nunca ter deixado de procurar o que pretendia e ter sabido tirar um sentido útil das suas vivências para aplicar nos seus projectos.
Ler esse texto fez-me pensar em quantas vezes se escreve “Começar de Novo” no cimo das páginas da nossa vida? Se calhar menos vezes do que devíamos. Não porque as coisas não aconteçam, não por falta desse deslizar que vai traçando o percurso e marcando as etapas que reconhecemos quando juntamos tudo em retrospectiva. O mais comum é que os momentos de mudança raras vezes são súbitos e, quando se evidenciam, na prática já aconteceram muito antes.
Acontece-me com frequência falar com pessoas que se queixam da monotonia das suas vidas, parece que estão sempre à espera daquele momento glorioso em que tudo vai surgir como sempre se sonhou. Até lá, não estão atentas aos pequenos sinais, vão resistindo ao que contraria as suas rotinas e acabam por mudar pela negativa, arrastando uma amargura que os cega para a oportunidade de começar de novo.
Uma vez surpreendi-me com o facto de uma garota, com 14 ou 15 anos, estar a ler sofregamente o livro de Coleen McCullough, “Pássaros Feridos” e perguntei-lhe o que via ela de tão interessante num livro que não era para a sua idade. Respondeu-me: “Sabes o que mais me admira? È a quantidade de coisas que ainda podem acontecer aos velhos de 25 ou 30 anos. Julguei que nessa altura já estava tudo decidido mas afinal estão sempre a acontecer coisas que mudam a vida das pessoas e elas quase não dão por isso!”
Pois é. Se não ligarmos os pontos, nunca conseguiremos ver o desenho firme que apenas se deixava adivinhar. So you have to trust that the dots will somehow connect in your future, diz Steve Jobs.

21 comentários:

Anónimo disse...

O post fez-me recordar uma a canção, composta salvo erro por Ivan Lins com uma belíssima letra.

Começar de novo
E contar comigo,
Vai valer a pena
Ter amanhecido.

Ter me rebelado,
Ter me debatido.
Ter me machucado,
Ter sobrevivido.

Ter virado a mesa,
Ter me conhecido.
Ter virado o barco,
Ter me socorrido

(...)

Tonibler disse...

Grande tema, grande texto, grande exemplo. Grande Suzana!...;)

Nos meus treinos de esgrima tenho colegas dos 15 aos 60 anos. A preocupações daqueles que têm entre os 15 e os 18 é o curso que vão escolher. Pelo que perguntam aos de 19 e 20, o que estão a fazer (aos cotas não perguntam nada, acham-nos demasiado velhos...;)).

Numa destas conversas, um rapaz que estuda Farmácia dizia a uma miúda de 15 anos para que é que o curso dele servia. "Investigação, dar aulas, ir para uma farmácia...". Fiquei chocado que um sujeito que devia ambicionar a medalha de ouro olímpica veja o seu futuro a aviar aspirinas, COM NATURALIDADE! Pior fiquei quando a rapariga ouviu aquilo como uma hipótese que até lhe agradava.

Fiquei a pensar nisto, realmente ninguém diz que o curso que está a tirar serve para ganhar o prémio Nobel, para levantar uma Microsoft, uma Apple ou um BCP (que é de cá). "Dá para ir para uma farmácia....", as pessoas não perseguem os sonhos que nunca tiveram. Primeiro é preciso que sonhem, que alguém lhes mostre que o sujeito que está a falar de um púlpito qualquer, que o campeão olímpico, que o prémio Nobel, não passa de uma massa de material orgânico que soube sonhar, insistir e ir em frente.

Mas como nós até temos um sistema educativo cujo objectivo é formar trolhas, empregados de mesa e "aviadores" de aspirinas....

Anónimo disse...
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Anónimo disse...

Belo texto Suzana, belo texto!

Compreendo o sentido do comentário do Tonibler, mas não concordo com a conclusão.
O sonho autista não é virtuoso, mas ocioso.
O sonho pode conviver bem com a realidade.
O sonho em excesso conduz à ilusão e, depois, ao excesso de frustração.
O sonho é um néctar que deve alimentar o espírito, mas não nos devemos esquecer do corpo.
O sonho tem que conviver, de forma saudável e proporcional, com a vontade, a ambição, a criatividade, a iniciativa (hoje, empreendedorismo) e a realidade.
O sonho, aliás, é inerente à condição humana. A vida, por vezes, é que trata de o mitigar.

Não vejo qualquer motivo para criticar o “seu” estudante esgrimista.
Ele deu uma perspectiva correcta, e plural, das saídas profissionais do curso de farmácia.
O Tonibler poderia ter complementado com uma visão mais prospectiva, etérea e entusiasmante. Os jovens necessitam desta unidade dual.
Não é verdade que nós tenhamos um Sistema Educativo “…cujo objectivo é formar trolhas, empregados de mesa e "aviadores" de aspirinas....”.
Antes pelo contrário.
O nosso Sistema Educativo é, isso sim, excessivamente orientado para a aquisição de “competências” de carácter geral e abstracto.
Não só de premiados Nobel, medalhados ou génios vivem as sociedades. Os trolhas, empregados de mesa, etc., também fazem falta. E, muita!...
Em Portugal precisamos de mais massa crítica, é certo. Mas necessitamos, igualmente, de mais pessoas capazes de fazer bem – com autonomia, competência e profissionalismo – as suas tarefas do quotidiano. Falo de trabalhadores qualificados para fazer, e não apenas para “sonhar”…

Na verdade, as sociedades que mais qualidade de vida oferecem aos seus cidadãos foram as que mais competências operacionais lhes proporcionaram. Ou seja, aquelas que melhor conciliaram o saber-pensar, o saber-aprender e o saber-fazer.
O sonho e a ambição são importantes, estamos de acordo! Porém, não mais importantes do que a honestidade, a lealdade, a solidariedade, o rigor, a exigência, o trabalho e todos os outros valores que distinguem, ao fim ao cabo, um ser humano de qualidade de um qualquer outro primata.

Anthrax disse...

Isto agora não tem nada a ver.

Ó Tóni! V.exa. joga esgrima?! Estou com um pressentimento que o mundo é pequeno...

... ou talvez não.

Tonibler disse...

Caro Félix,

Temos uma visão completamente diferente da vida e da educação. Claro que a sociedade não vive só de prémios Nobel, de medalhados ou de génios. Vive, TAMBÉM, daqueles que não ganharam o prémio Nobel, não ganharam a medalha e não atingiram a genialidade. Mas tentaram! É essa a enorme diferença entre um sistema educativo e a porcaria que nós temos.

Só há uma forma de saber-fazer. É ter feito. Essa forma de pensar de que temos que educar uns para ser trolhas , outros para empregados de mesa e outros para doutores, já aplicámos. Dezenas de vezes, há 100 anos! Para quê? Para atingirmos o paradigma da mediocridade. O acesso a saber-fazer é feito pelo conhecimento asbtracto, o resto vem em dois ou três meses, quando se fizer de facto. No dia em que as ruas forem limpas por doutorados em Teoria das Cordas, estamos bem. Ou melhor que hoje, em que temos varredores a estudar a Teoria das Cordas.

O sonho, no sentido em que a Suzana e eu aplicámos, é a fuga ao normal, ao vulgar, ao ser o melhor da minha rua. É dizer que vou ser o melhor do mundo. E vou, um dia! Para isso trabalho, pelo menos...

Tonibler disse...

Caro Anthrax,

Espada. PFC.

Anónimo disse...

Talvez tenha razão, meu caro Tonibler, talvez tenha razão?!
O seu radicalismo não é profundo, é extremista.
Aquilo que para si é a causa do problema, para mim não existe e, a existir, seria o princípio da solução. Divergimos no diagnóstico e discordamos na solução, claro está!
Não, não temos que “educar uns para trolhas, outros para empregados de mesa e outros para doutores”. Não foi isso que eu disse. Não é isso que eu penso.
Todos devem ter, à partida e na medida do possível, as mesmas oportunidades. Aqui parece haver sintonia. A questão é outra: qual o caminho que melhor pode potenciar as capacidades e os talentos individuais?
Temos que educar TODOS para serem alguma coisa. Para acreditarem no seu potencial e para construírem o seu futuro. Ninguém recebe nada à borla. É preciso, sempre, ou quase sempre, dar alguma coisa em troca: esforço, trabalho, talento, “dinheiro”, …
Mas, o caminho não é o conhecimento abstracto… Este é o que tem sido seguido e levado ao abandono e ao insucesso escolares.
O caminho passa por aceder a competências concretas. A experimentar (nisso, parece, estarmos de acordo), na Escola, nas empresas e na vida.
O pensamento crítico e os conceitos devem derivar da experimentação, da descoberta, e não o contrário. A maioria das pessoas aprende melhor da prática para a teoria do que da teoria para a prática. O Sistema Educativo oferece muita teoria e pouca prática. A mudança de paradigma exige algumas alterações logísticas e, principalmente, uma radical alteração dos métodos e estratégias educativas. E isso dá trabalho!
Também não é verdade que “o resto vem em dois ou três meses”. Quando não se começa a treinar precocemente dificilmente nos tornamos bons “atletas”. Não basta querer em abstracto é necessário aprender a fazer. A vida é, aliás, uma aprendizagem permanente, feita de coisas concretas.
Um Eng.º Electrotécnico poderá ser melhor técnico se antes tiver aprendido a ser electricista; um Eng.º Mecânico se tiver previamente adquirido as competências de mecânico; etc., etc.. Não defendo, porém, um devir rígido entre as competências adquiridas no ensino básico e secundário e o percurso académico ao nível do ensino superior. As experiências e as competências têm um valor em si mesmo independentemente das opções futuras.
Todos devem poder ser o que quiserem e merecerem.
Existem, porém, conhecimentos de natureza transversal que devem ser preservados e desenvolvidos: a língua materna e o inglês, a matemática, a história (incluindo a história das ideias ou a filosofia), as TIC e o desenvolvimento pessoal e social (incluindo a cidadania activa).
Por isso, meu caro Tonibler português, desejo que consiga ser pelo menos o melhor da sua rua, quiçá do seu bairro ou da sua cidade. Se conseguir chegar mais longe, parabéns, óptimo para si e, talvez, para todos nós. Porém, em qualquer circunstância, estou sempre disponível para lhe dar um abraço. Não quero que se sinta frustrado caso os seus intentos não se concretizem.

Suzana Toscano disse...

Caros blogusitas, o vosso diálogo mostra bem como este tema é apaixonante e como pode ser visto de modos tão diferentes para levar a conclusões que não diferem assim tanto. O poema que o Ferreira d'Almeida trouxe é de uma simplicidade desarmante porque tem lá tudo o que é preciso ver: dificuldade, coragem, sucesso, derrota, tentar de novo, confiar em si, não desistir...O que acontece muito, e é isso que me impressiona em muitas pessoas que têm valor e que "se deixam ficar" é que ficam à espera que alguém algum dia lhes sirva de bandeja o sonho que acalentam lá no fundo. tiram um curso ou aprendem uma profissão e depois ficam á espera que o fruto caia da bananeira, mesmo que à evidência estejam no sítio errado ou abafem outra potencialidades que lhes dariam bem mais gosto pela vida.Ou o estatuto que não querem perder, ou o ordenado que é garantido, ou a casa que compraram sabendo que os ia prender por uns anos, há mil formas de se ir perdendo a liberdade de mudar e de continuar a procurar o caminho, o pior é que algumas são tão ridículas que faz impressão. Quantas vezes o Tonibler terá ouvido "mas para que é que faz esgrima? O que é que vai ganhar com isso"? Ou porque é que eu gasto horas do fim de semana a tirar ervas do jardim e a plantar bolbos que só vejo 3 vezes porque murcham entretanto?Porque há mil maneiras de tirar proveito de coisas que parece que não se ligam com as outras mas que fazem de cada um uma pessoa diferente,mais capaz de mudar porque já viu que pode fazer o que antes não suspeitava. O sistema de ensino deve abrir esta curiosidade e dar confiança no sentido de os miúdos valorizarem o que estão a aprender e perceberem que é importante o que sabem. Agora, se é para vender remédios, fazer investigação,gerir pessoas ou fazer teatro, isso é o que cada um deles terá que procurar. Até se sentir bem, até gostar de sair de casa todos os dias para ir para a sua ocupação, seja ela qual for.O Steve Jobs aprendeu caligrafia, imagine-se! e isso deu-lhe a ideia de cuidar especialmente do aspecto das letras nos computadores,que foi marca da Apple...
O Tonibler já leu "O Mestre de Esgrima" de Arturo Perez Reverte? Se não, recomendo vivamente!

Suzana Toscano disse...

Olá Jardimdasmargaridas, parece que fora daqui andamos desencontradas!
O que Felix Esménio diz sobre o sonho é bem verdade. Se esquecermos isso, corre-se o risco de andar a somar experiências aqui e ali sem que o pontilhado chegue alguma vez a fazer sentido. As hipóteses de mudança são quase ilimitadas, é certo, mas há que contar com "a insustentável leveza do ser" e avaliar onde queremos realmente chegar...

Tonibler disse...

Cara Suzana e Esménio,

Está na lista, na longa lista de coisas que tenho que ler só por prazer. Como existem mais coisas que só faço por prazer. Mas em nada essas coisas me retiram do objectivo, sempre presente, sempre à vista, de ser o melhor do mundo naquilo que faço. Da minha rua, já passei, do meu país já passei, falta o mundo. Quantas vezes recomecei? Na educação 1 vez, como empregado 2, como empresário recomecei agora a 3ªvez, sem nunca deitar nada par ao lixo. Mas sempre a acumular qualquer coisa.
Ninguém recomeça depois de cumprir os seus objectivos e aquilo que o Esménio me está a falar é uma escala de pequenos objectivos. Vai a mecânico e agora vai ver se consegues se um engenheiro mecânico, vai ver se consegues ser útil. Nem consigo imaginar-me a pensar desta forma e, garanto-lhe, ninguém com esta forma de pensar trabalha comigo. Pensar desta forma é o caminho certinho para o insucesso e para o fracasso. Quem tem grandes objectivos, não se atrapalha quando falha os pequenos. Porque os pequenos são apenas meios, não são fins.

E Esménio, o abandono dá-se porque os professores são uma nódoa e porque os programas são outra. Como quinta é treino de esgrima e tinha escrito isto, juntei-me aos miúdos outra vez para ouvir as conversas. Pois que um, do 10ª ano, me disse que precisava de uma frase para um trabalho de formação cívica(?). "Preciso de um frase que diga para não se discriminar os deficientes", pedia-me ele. Achei aquilo a maior estupidez, mas antes que eu dissesse alguma coisa ele acrescenta "tenho que discriminar os deficientes para dar a mensagem que não se deve discriminar os deficientes. Que estupidez!". Há esperança, porque os miúdos são mesmo muito melhores que o sistema que os quer ensinar.

Concluindo, o problema não é a quantidade de coisas que se pode ser ou fazer, é a forma como limitamos os sonhos, como destruímos os génios, os campeões, os Renoir's, os Bohr's, e lhe dizemos "vai ser útil...". Aquilo que lhe devíamos estar a dizer é aquilo que dizem os escoteiros, "sempre o melhor possível!"

Suzana Toscano disse...

Completamente de acordo, acho que é isso mesmo.

Suzana Toscano disse...

...e prepare-se para ficar uma noite inteira a ler o livro. Eu não percebo mesmo nada de esgrima e não consegui parar de ler!E passei a olhar essa arte com outros olhos, também.

Tonibler disse...

E deveria um dia experimentar. Ficava viciada como todos "os mais maduros", como eu, que lá conheci.

Simultaneamente, ficava a conhecer a obra notável do sujeito que sugeri para o 10/6...;)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Caro Toniber e Suzana

Vejo que o seu ego é abrupto e acutilante.
Porém, o importante é que cada um seja feliz à sua maneira!

Quanto a emprego estou avisado! Felizmente não ando à procura de emprego, pois só o trabalho, e a vida em geral, me realizam plenamente. E, neste momento, estou feliz com o que já alcancei (apesar de não saber, e isso não me preocupa um segundo, se sou o melhor da minha rua…). Mas pretendo continuar a aprender e a evoluir, naturalmente.
Não estou certo, apesar de tudo, de que o meu realismo, banhado pelo sonho, não o ajudasse a potenciar o seu fundamentalismo sonhador. Mas pronto, agora já não estou interessado, a não ser que insista muito. Mas não pode ser de forma vaga e etérea, só aceito convites claros e concretos.

Dizer-se que “o abandono dá-se porque os professores são uma nódoa e porque os programas são outra” é, há-de concordar (ou talvez não…), uma generalização abusiva. Então, TODOS os professores são uma nódoa? Caramba! Não será esta visão “ligeiramente” exagerada?...
E já agora, Suzana, está mesmo COMPLETAMENTE de acordo. O “politicamente correcto” tem limites. Penso que aquilo com que concordou foi, principalmente, com o “devíamos estar a dizer é aquilo que dizem os escoteiros, "sempre o melhor possível””
Não me parece, no entanto, que haja qualquer contradição, mas antes uma desejável e saudável complementaridade, entre a frase “vai ser útil…” e a sentença “sempre o melhor possível”.
Como diz, e bem, o Jardim das Margaridas: “O sonho e a consciência são duas faces da mesma moeda no caminho longo do nosso desenvolvimento”.

A argumentação do Tonibler fez-me lembrar o filme “o clube dos poetas mortos”, de que tanto gostei! O professor era uma irreverente, audaz e criativa lufada de ar fresco num conservador colégio inglês. Os alunos, adolescentes, ficaram com olhos vítreos, os corações quentes e as cabeças agitadas, tanto era o deslumbramento com o conteúdo e a forma desta nova aprendizagem. A sua sede poética, o seu sonho, tornou-se insaciável. Tudo correu bem! Muito bem mesmo, até que um dos jovens se suicidou, por achar que o mundo à sua volta, a família rígida e tradicional, não se compaginavam com a sua nova visão do mundo e da vida. Ou seja, ele convenceu-se, no mais íntimo do seu ser, que o seu sonho era inviável. Desejou mais do que aquilo em que acreditou.

Parafraseando Nietzsche: “ Se lhes ensinardes a voar ensinai-lhes a cair”!
Infelizmente existem quedas sem retorno. Principalmente quando falamos de jovens adolescentes (também eu sou pai de dois filhos, um com quase 3 anos e outro com 15 dias).

O sonho comanda a vida…

Um abraço caro Tonibler e inspirada Suzana.

Suzana Toscano disse...

Caro Esménio, é claro que Tonibler não teria a intenção de ser tomado à letra quando disse TODOS, embora lhe caiba a ele explicitar.É um hipérbole, um modo de enfatizar onde estão repartidas as responsabilidades, nos professores, nos programas, mas também nas famílias, nos programas de televisão, enfim, não há um boxde expiatório nem isso nos levaria a lado nenhum. Por princípio,não procuro bodes expiatórios, muito menos com carácter geral e abstracto, acho que isso só serve para desresponsabilizar toda a gente. Certamente não era isso que Tonibler queria significar e todos os comentários que elaborou mostram bem que tem um pensamento estruturado sobre a questão. A sua visão, Esménio, é mais prudente mas não me parece dissonante e verá, com os filhos pequenos que tem, como é difícil encontrar o equilíbrio entre dar-lhes asas e mantê-los presos à terra, ao mesmo tempo (desculpe este à vontade...). As minhas filhas já são bem crescidas e ainda hoje me confronto com essa dúvida quando tenho que as aconselhar. Imagino as dificuldades de um professor, perante grupos de miúdos, sem conhecerem o seu ambiente, é um risco grande não ser prudente e é uma pena não ousarem. Sempre o mesmo dilema.
Também adorei o filme. E acho que o professor, animado do seu sonho, projectou-se nos alunos como se estes fossem sua obra "exclusiva", esqueceu-se do enquadramento, e nesse ponto foi perigoso. Não foi só abrir-lhes a cabeça, foi subverter todas as regras sem ter avaliado a sua força e a sua capacidade para ir controlando os danos. É um filme notável por isso, porque não dá soluções e deixa-nos a pensar o que faríamos nós se fossemos ele e que faríamos se fossemos aqueles pais que não sabiam nada do que se estava a passar.Os alunos acabavam por se sentir perdidos entre dois mundos.
Enfim, fico por aqui, a conversa é como as cerejas.
Até breve e obrigada!

Tonibler disse...

Caro Esménio,

Existe uma substancial diferença entre um ego acutilante e confiança nos méritos próprios. Ego acutilante qualquer imbecil pode ter.

Se são TODOS os professores que são uma nódoa, se são só alguns, é irrelevante. De acordo com o resultado do trabalho dos professores, os professores são uma nódoa, no seu agregado. Se há bons, que haverá, se há maus, é irrelevante e, francamente, não tenho nada que ver com isso enquanto contribuinte e cidadão. O que interessa é o que fica ao fim do dia e não juízos de valor sobre um ou outro em particular, porque nem os saberia fazer.

Nietzsche não poderia estar mais errado. Como sabe do seu filho de 3 anos e vai reaprender com o de 15 dias, não vai ensina-los a cair quando estiverem a aprender a andar, nem eles vão desistir. Porque o objectivo não é aprender a andar, é aprender a viver. Andar é um passo intermédio, mas o objectivo está tão lá à frente que cair 10 ou 20 vezes não tem qualquer problema e não vai haver dôr que os impeça de andar para poderem viver.

Curioso, mas aquilo que me ficou do filme foi a subida dos colegas do aluno suicida para cima das mesas....

Anthrax disse...

Amigo Tóni,

Por acaso, espada é uma boa arma. Também a usava.

Agora, Nietzsche nunca está errado! Tem apenas uma perspectiva muito peculiar de ver o mundo. Este não é, propriamente, um autor que veja o mundo de uma forma holística. Ele analisa as partes e não o todo.

Anónimo disse...

Este será o meu último comentário sobre esta matéria.
Já chega de argumentos e de contra-argumentos.
No fundo, lá no fundo, penso que a Suzana tem razão. No essencial talvez não tenhamos grandes divergências. Talvez…, sublinho.
Vai aqui uma última picardia. As diferenças mais relevantes serão:
- Para si os grandes desígnios não se compadecem com danos colaterais. Para mim, devem-se evitar, até ao limite do possível, os danos.
- Para si os fins justificam os meios. Para mim os meios determinam os fins.
- Para si os objectivos intermédios são uma treta. Para mim o cumprimento dos objectivos parciais, pelo menos em parte, é uma condição necessária para se atingir os objectivos teleológicos ou as finalidades.
- Para si a parte é irrelevante face ao todo. Para mim as partes podem influenciar de forma determinante o todo, para o bem e para o mal.
- Para si andar é o mesmo que voar. Para mim depende da altura e da largura do caminho, bem como do equipamento. Tenho algumas vertigens, embora seja corajoso quanto baste.
Transferindo as nossas diferenças para o plano político diria (desculpe imitar-lhe o estilo), que o seu pensamento se funda mais no marxismo revolucionário, o meu é mais de inspiração humanista e reformista.
Esta é a minha síntese desta agradável conversa “bloguística”.
Por ora estou satisfeito.

Anónimo disse...

…Ah, já me esquecia…
À cautela, quando o meu primeiro filho, o Afonso, começou a andar, coloquei umas protecções de plástico nos vértices dos móveis mais baixos.
Já nessa altura pensava que há quedas que podem ser fatais.
Mas agora as preocupações já são outras…