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terça-feira, 30 de janeiro de 2007

“Affluenza”

Em Hamlet, a frase, “Há algo de podre no Reino da Dinamarca”, proferida por um dos oficiais de guarda, aquando da aparição do fantasma, traduz a existência de um mistério que ameaça a sobrevivência do Reino. Hoje, podemos afirmar que “Há algo de podre fora do Reino da Dinamarca”! Enquanto a organização social na Dinamarca é mais equilibrada, menos desigual e, consequentemente, mais feliz, noutros povos é precisamente o contrário. Um novo e terrível “vírus”, denominado “affluenza”, está a atingir as pessoas de muitos países ricos. A sua virulência não se compara, em termos de mortalidade, com a “futura” variante humana do vírus de influenza H5N1, mas, em contrapartida, é altamente contagioso, levando as pessoas a um consumo patológico. Nesses povos, as pessoas são convidadas “a ganhar mais, a gastar mais, a querer mais”. Querem ser mais ricos que os vizinhos. Olham permanentemente sobre o ombro para saberem se já foram ultrapassados. Começam a sofrer doenças do foro comportamental cada vez mais graves, entre as quais se conta a depressão. Inicialmente surgem o descontentamento e a inveja. Depois emerge a patologia social e, nas situações mais graves, explodem graves patologias mentais.
Nos países desenvolvidos, há uma nítida correlação entre as doenças mentais e as elevadas disparidades dos rendimentos económicos. Quando aumenta o gradiente socioeconómico, aumenta a patologia mental. Os mais jovens são mais sensíveis ao “vírus da affluenza”. Em contrapartida, as comunidades rurais são menos propensas que as urbanas, assim como as comunidades não industrializadas versus as industrializadas.
Muito provavelmente, o vírus provoca desequilíbrio entre o “Ter” e o “Ser”, a favor do primeiro, confundindo o querer com as necessidades.
O endividamento patológico das famílias portuguesas é uma realidade, denunciando que o “vírus da affluenza” está de pedra e cal na nossa sociedade. Os comportamentos de muitos responsáveis, apelando ao consumo desenfreado numa perspectiva hedonística e ao criar estereótipos sociais, favorecem o propagar desta pandemia.
As preocupações com a prevenção de várias doenças constituem uma realidade, embora muitas vezes sem aplicação prática, ficando-se pela simples retórica.
A vacinação contra o vírus da influenza – falando apenas da gripe “banal” – é uma forma muito eficaz de prevenção. As autoridades promovem-na e ainda bem! Agora, gostaria de ver um bocadinho de mais atenção para a vacinação contra o “vírus da affluenza” por parte dos nossos responsáveis. Não deve ser muito difícil encontrar vacinas eficazes. O mais complicado é desenvolvê-las, ou melhor, ter vontade nesse sentido.
O desenvolvimento cultural, o combate ao abandono escolar, o estabelecimento de novos valores sociais, o combate aos novos preconceitos consumistas e a manutenção de velhos-novos valores éticos e comportamentais são urgentes, são vitais para evitar que este nosso pobre reino apodreça ainda mais...

7 comentários:

Suzana Toscano disse...

Caro Professor,parece-me que deve ser mesmo muito difícil encontrar vacinas eficazes contra esse terrível mal, que é muito contagioso e que ainda por cima agrada aos contagiados. Além disso, já não há fronteiras, era preciso vacinar uma vasta área...

Bartolomeu disse...

hehehehe
Sem dúvida, este texto é excelente, pela semântica e pelo convite à reflexão. É verdade também aquilo que é comentado anteriormente, o "mal" foi tão bem "administrado" que agrada aos infectados. Autorizem-me a proferir uma sentença, que acredito ir ferir alguns entendimentos - o problema reside em dois factos: o de já sermos muitos e o de estarmos muito concentrados (apeteceu-me escrever compactados).
A minha família materna è de Seia, não è longe de Santa Comba (terra de mães fumadoras, perdão pela gracinha)ali exercia medicina um phísico, do qual já não recordo o nome e que atendia os pacientes a qualquer hora, em qualquer lugar.No largo das 7 bicas, encontra-se um busto em sua memória. As pessoas, das aldeias, naquele tempo, eram paupérrimas, possuíam apenas os produtos que cultivavam e os "vivos" que criavam e com que pagavam a consulta. Como na pharmácia, não aceitávam galinhas ou coelhos para pagamento dos medicamentos, os mesmos eram frequentemente pagos pelo médico.
Vamos agora ao contraste.
Hoje Seia possui um hospital onde exercem diversos clínicos, alguns dos quais especialistas, espalhados pela cidade, ha consultórios particulares, onde è cobrado um valor de consulta, em dinheiro, atenção! não se aceitam, galinhas, coelhos, ovos, borregos ou cabritos (não é por mais nada, é só porque obrigava a construir instalações próprias para receber os animais e a contratar um técnico formado na àrea da zoologia, blaaahg). Mas...subjacente a esta minha parôla observação, está a constatação sem interesse, que as pessoas são as mesmas. Ou não?

Pinho Cardão disse...

Caro Professor:
Fala no que é vital para evitar o apodrecimento do reino. E tem toda a razão no elencar dos remédios. E se há alguns que o tempo trará, outros são mais difíceis de alcançar, como o "estabelecimento de novos valores sociais" ou a "manutenção de velhos-novos valores éticos", num tempo em que muitas lideranças, nomeadamente políticas, mas não só, se afirmam precisamente negando na prática esses valores.

Anónimo disse...

Pois eu também estou de acordo que a vacina contra a doença seria ineficaz. Porque por um lado quem está por ela está afectado deseja-a ardentemente. Depois porque, como muito bem dizem, dificilmente se encontraria tanta vacina para tamanha pandemia...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Temo mesmo que a epidemia já esteja instalada! A vacina teria que ser muito forte porque o vírus está fortíssimo.
Acha que a medicina consegue descobrir a cura?

Massano Cardoso disse...

A affluenza é um problema social e, como tal, deverá (ou deveria) sujeitar-se a terapêuticas sociais e politicas. Mas como uma grande parte dos responsáveis não passam de meros “curandeiros”, e charlatães, capazes de envergonharem os “médicos naturalistas” de Vilar de Perdizes, não me parece que sejamos capazes de solucionar o problema, até, porque, em complemento, o carácter aditivo da mesma é mais poderoso do que a cocaína mais pura. Dá prazer, provoca dependência e alimenta muitas e muitas estruturas...

Unknown disse...

Bom dia, gostei muito do texto acima, a questao é "temos que ter para ser ou temos que ser para ter?". esse documentario sobre o Affluenza é muito legal,da para fazer uma reflexao.
http://www.youtube.com/watch?v=KFZz6ICzpjI
João Victor Porto