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sábado, 27 de janeiro de 2007

Mumbai (Bombaim)


O hotel, imponente, ficava mesmo em frente à Baía, com a Porta da Índia do lado esquerdo. Os barcos alinhados em grandes grupos esperavam a sua vez de ir buscar ou levar as multidões que se juntam a cada momento.
Mesmo no andar alto onde estava, chegava o ruído da rua, um bulício inquietante que dá a sensação de estar sempre a acontecer qualquer coisa de extraordinário. Mas não, é aquele o ritmo fervilhante da cidade gigantesca onde tudo cabe e tudo transborda, como se as coisas e as pessoas chocassem sem se ver umas às outras. Talvez seja esta a forma de coexistirem naquele movimento permanente.
O trânsito quase grotesco da Índia atinge aqui as raias da paranóia. No meio da balbúrdia ensurdecedora as pessoas saltam, correm, desviam-se por um triz ou seguem com indiferença mole como se o perigo de morte fosse uma ilusão de óptica. Enquanto estive uns largos minutos a ganhar coragem para a atravessar uma rua estreita perguntei-me mil vezes como é que eles fazem para sair ilesos…
Nos passeios encontra-se de tudo, incluindo barbeiros ao ar livre, mercadores de água e de velharias, pessoas a dormir, cordas com roupa, enfim, o que se lembrarem. Contorna-se e segue-se em frente, se conseguirmos romper a multidão e afastar as nuvens de pedintes..
Bombaim, agora Mumbai, capital do estado de Maharashtra, é a cidade mais populosa da Índia, com 13 milhões de habitantes e 25 milhões na área metropolitana. É o centro financeiro, comercial e cultural do País por isso apenas posso dizer que “passei” por lá, à justa para perceber como existe um mundo impossível.
Ao atravessar a cidade, ao longo do rio empastado de lixo e prisioneiro de milhões de tugúrios peçonhentos, que formam uma imensa chaga negra que não se sabe onde começa nem onde acaba, foi preciso tapar o nariz porque o cheiro é nauseabundo. Uns quarteirões mais à frente, há arranha-céus, parques silenciosos, templos e monumentos fabulosos, avenidas largas e limpas onde as lojas têm as melhores griffe do mercado.
Em Mumbai conheci Issouf, um rapazinho de 8 anos, ar limpo na sua magreza, uns olhos enormes e inteligentes. Meteu conversa como se nos conhecesse, explicou que falava 7 línguas, que não vai à escola porque não tem dinheiro e que vive nas ruas. Quando quis dar-lhe umas rupias, respondeu aflito: “Não, não sou um pedinte. Eu vendo flores”. Abriu um saquito de plástico que trazia, tirou uma pulseira de pétalas brancas, com o cheiro forte do nardo, e pôs-ma à volta do pulso. Insisti em pagar-lhe, ficou ofendido. “Não posso receber o teu dinheiro. Agora somos amigos.” E estendeu a mão, selando a amizade. Tive saudades quando o vi sumir-se na multidão, para ir ver a festa que se organizava no largo. “É a festa anual de Bombaim”, disse, a acenar.

3 comentários:

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
A sua descrição dava um quadro fidedigno da cidade de Bombaim e das grandes cidades indianas e das suas gentes. Não seria preciso mais. Estou a ver o diálogo com o miúdo. Tocante e extraordinário!...

Bartolomeu disse...

Extraordinário constatar o poder de uma pulseira de pétalas, oferecida por um par de olhos vivos.
Estou certo que nunca irá esquecer-se dessa amizade, selada com um aperto de mão.

Suzana Toscano disse...

Foi um bom momento...e a pulseira era linda!Foi pena não poder guardá-la como recordação.