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domingo, 11 de novembro de 2007

Arroz, pombos e sida...

"Give us this day...our daily bread"
(Kris Litman
)

O arroz constitui a base alimentar de uma percentagem muito elevadíssima de seres humanos.
O seu papel é tão relevante que uma das tradições mais antigas, lançamento de arroz nos casamentos, com origem no Oriente, simbolizando fertilidade, saúde, riqueza e felicidade, ainda continua nos nossos dias. Mas provavelmente tem os seus dias contados. Há pouco tempo o município de Veneza aventou a hipótese de proibir lançar arroz no decurso das cerimónias. Os pombos multiplicam-se a um ritmo impressionante sujando e deteriorando os monumentos. A sua esperteza é tal que assim que vêem aglomerações junto das igrejas já “sabem” que vão ter uma lauta refeição aguardando com muita paciência pelo aparecimento dos noivos!
Os responsáveis da autarquia já adicionaram substâncias com efeitos anticoncepcionais mas sem grande impacto no controlo da população que continua a crescer a bom ritmo. Fiquei, igualmente, surpreendido com os cálculos dos custos efectuados pelas autoridades para remover os detritos das estátuas e áreas públicas, dez mil euros por pombo!
Se Veneza pretende proibir o lançamento de arroz nas cerimónias o município de Cadiz acabou de o fazer no passado mês de Julho. A coima para quem não obedeça é de 300 euros sendo os argumentos subjacentes à proibição os mesmos de Veneza acrescido das quedas motivadas pelo piso “arrozado”.
Num mundo em que a fome é uma realidade muito dolorosa e em constante crescimento é de lamentar o mau uso que se faz com este cereal. Poderão dizer que são apenas algumas centenas de gramas e por isso irrelevante. Talvez seja na nossa perspectiva ocidental, mas a leitura de um artigo sobre a fome a pobreza e a sida associada à imagem de uma fotografia obrigou-me a reflectir um pouco mais sobre o assunto.
Na África o problema da fome, pobreza e a falta de saúde é um drama.
O artigo em questão demonstra a existência de uma associação entre insuficiência alimentar e comportamento sexual de risco nas mulheres do Botswana e da Suazilândia, países em que um em cada três cidadãos está contaminado. As razões não são difíceis de compreender. A luta contra a sida passa pelo arroz contido naquelas mãos, a quantidade média ingerida por uma pessoa que viva nas zonas de fome...
Se de facto o arroz for símbolo da fertilidade, da riqueza e da saúde então “lancem-no” nos locais apropriados, não, forçosamente, sob a forma directa, mas, sobretudo, através do combate à pobreza permitindo a auto-suficiência alimentar.
Melhor sorte têm os pombos!

3 comentários:

Anónimo disse...

É verdade, meu caro Professor. Se pararmos um pouco para pensar nos nossos hábitos chegamos à conclusão de que desperdiçamos o que poderia, sem esforço algum, matar a fome a milhões.
Um mundo que sempre foi de injustiça e é de profunda injustiça e desiguladade, mesmo agora que, com a globalização e a revolução nas comunicações, não existe a desculpa de não sabermos o que se passa em outras paragens.

Pinho Cardão disse...

É bom chamar a atenção para estas coisas. Sem nos esquecermos, todavia, que a maior parte desse arroz não chegaria nunca a matar a fome a ninguém, pois iria enriquecer ainda mais certos líderes precisamente dos países onde há mais miséria.
E sem nos esquecermos dessa nefanda política agrícola comum que paga para não produzir. Mais valia que pagasse o mesmo, mas produzir e doar, com severos mecanismos de controle, se é que eles são possíveis.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Se o problema se confinasse apenas aos pombos já não seria mau!
Porque não substituir o arroz por flores? Uma solução em tudo bem mais bonita!
Um dos principais problemas da PAC é o excesso de produção. A PAC voltada para a quantidade produzida e subsidiando forte e prioritariamente as produções que ocupam menos mão de obra deu um contributo, entre outros, para a criação de excedentes crescentes na produção. Dão-se subsídios para fomentar a produção e simultaneamente subsidia-se a retirada de excedentes agrícolas como acontece com os cereais, com aproveitamentos "comerciais", pelo meio, que fomentam mais uma área de negócio.
Portugal tem concorrido a programas comunitários de colocação dos excedentes agrícolas, de que é um excelente exemplo de boa administração o Banco Alimentar. Por aqui, temos a certeza que o arroz chega a quem precisa...