Comprei o livro de Jaques Ruffié, Naissance de la médecine prédictive, no Luxemburgo, em 1993, onde, durante alguns anos, fui regularmente. Aproveitava sempre o final da tarde para frequentar boas livrarias adquirindo obras de ensaístas franceses.
O assunto abordado por Ruffié despertou-me particular atenção pelas implicações em termos de medicina preventiva resultante do potencial emergente de uma futura descodificação do genoma humano que, entretanto, já é uma realidade. O ensaísta focava a importância em conhecer eventuais riscos de contrair certas doenças motivadas, desencadeadas ou favorecidas por determinado perfil genético. Ao conhecer as “tendências” o portador poderia optar por estilos de vida que contrariassem o “fatalismo” dos genes ou então submeter-se-ia a medidas de rastreio precoce e frequentes de forma a evitar situações mais graves. Além do impacto em termos de saúde pública as vantagens económicas desta abordagem seriam muito grandes para a sociedade. Mas como não bela sem senão, Ruffié não deixou de focar o mau uso que se podia fazer na área laboral, nas seguradoras, além da angústia por sabermos ser portadores de algo que nos limitaria ou nos eliminaria precocemente no futuro.
Hoje já é possível saber qual o risco de podermos vir a sofrer algumas doenças. É simples, embora um pouco dispendioso. Os testes disponíveis focam as doenças cardiovasculares, cancro da mama e do ovário, cancro da próstata, tomboses, hipertensão, problemas metabólicos e obesidade, reacção a certos medicamentos, homocisteinemia, problemas hormonais e doença de Alzheimer.
Os benefícios decorrentes deste conhecimento parecem ser uma realidade para muitos. No entanto, a opção conhecer o risco de doença de Alzheimer é meramente opcional. São muito poucos os que querem conhecer se correm ou não o risco de contrair tão grave doença. Afinal quem quer conhecer o pior?
É muito provável que nas próximas gerações a implementação de testes deste tipo se vulgarize e seja acompanhada de modificações inimagináveis a todos os níveis. Muitas serão perigosas, sem qualquer espécie de dúvida.
Quando abordo este tema costumo dizer que recuso saber o que me “espera”. Medo? Claro! Viver numa angústia permanente e ser “obrigado” a “condicionamentos” forçados não joga bem com a minha maneira de ser.
Tudo bem! Agora imaginem receber um telefonema de uma prima direita dizendo que sofre de duas doenças genéticas, e que os filhos são portadores de um gene mutado. Teve de comunicar aos familiares a existência destes problemas. Fiquei de boca aberta. Só me faltava esta. Fui inteirar-me do assunto. Depois de ter feito a sua exposição, concluí que uma das doenças é de origem italiana e por esse motivo deveria estar excluído. Quanto à outra, de origem céltica ou nórdica, expliquei-lhe que uma pessoa em dez tem essa mutação e uma em 220 sofre da doença. Na prática o tratamento adequado irá permitir-lhe ter uma vida normal e uma esperança de vida idêntica aos demais. Advertiu-me muito carinhosamente que deveria fazer os testes assim como os meus filhos. Agradeci-lhe, naturalmente. Até posso ter, também, uma mutação de um dos dois genes. Dos dois é pouco provável, porque senão já deveria ter manifestações da doença. Mas c´os diabos, eu já tinha dito que não queria saber nada sobre o meu genoma e vem logo uma familiar a dizer que estou sob suspeita...
O assunto abordado por Ruffié despertou-me particular atenção pelas implicações em termos de medicina preventiva resultante do potencial emergente de uma futura descodificação do genoma humano que, entretanto, já é uma realidade. O ensaísta focava a importância em conhecer eventuais riscos de contrair certas doenças motivadas, desencadeadas ou favorecidas por determinado perfil genético. Ao conhecer as “tendências” o portador poderia optar por estilos de vida que contrariassem o “fatalismo” dos genes ou então submeter-se-ia a medidas de rastreio precoce e frequentes de forma a evitar situações mais graves. Além do impacto em termos de saúde pública as vantagens económicas desta abordagem seriam muito grandes para a sociedade. Mas como não bela sem senão, Ruffié não deixou de focar o mau uso que se podia fazer na área laboral, nas seguradoras, além da angústia por sabermos ser portadores de algo que nos limitaria ou nos eliminaria precocemente no futuro.
Hoje já é possível saber qual o risco de podermos vir a sofrer algumas doenças. É simples, embora um pouco dispendioso. Os testes disponíveis focam as doenças cardiovasculares, cancro da mama e do ovário, cancro da próstata, tomboses, hipertensão, problemas metabólicos e obesidade, reacção a certos medicamentos, homocisteinemia, problemas hormonais e doença de Alzheimer.
Os benefícios decorrentes deste conhecimento parecem ser uma realidade para muitos. No entanto, a opção conhecer o risco de doença de Alzheimer é meramente opcional. São muito poucos os que querem conhecer se correm ou não o risco de contrair tão grave doença. Afinal quem quer conhecer o pior?
É muito provável que nas próximas gerações a implementação de testes deste tipo se vulgarize e seja acompanhada de modificações inimagináveis a todos os níveis. Muitas serão perigosas, sem qualquer espécie de dúvida.
Quando abordo este tema costumo dizer que recuso saber o que me “espera”. Medo? Claro! Viver numa angústia permanente e ser “obrigado” a “condicionamentos” forçados não joga bem com a minha maneira de ser.
Tudo bem! Agora imaginem receber um telefonema de uma prima direita dizendo que sofre de duas doenças genéticas, e que os filhos são portadores de um gene mutado. Teve de comunicar aos familiares a existência destes problemas. Fiquei de boca aberta. Só me faltava esta. Fui inteirar-me do assunto. Depois de ter feito a sua exposição, concluí que uma das doenças é de origem italiana e por esse motivo deveria estar excluído. Quanto à outra, de origem céltica ou nórdica, expliquei-lhe que uma pessoa em dez tem essa mutação e uma em 220 sofre da doença. Na prática o tratamento adequado irá permitir-lhe ter uma vida normal e uma esperança de vida idêntica aos demais. Advertiu-me muito carinhosamente que deveria fazer os testes assim como os meus filhos. Agradeci-lhe, naturalmente. Até posso ter, também, uma mutação de um dos dois genes. Dos dois é pouco provável, porque senão já deveria ter manifestações da doença. Mas c´os diabos, eu já tinha dito que não queria saber nada sobre o meu genoma e vem logo uma familiar a dizer que estou sob suspeita...
4 comentários:
Eu, felizmente, sofro de uma mutação genética que faz com que os meus familiares não se cheguem ao pé de mim com essas conversas...
Eu cá tenho um dilema: se por um lado não quero "antecipar" o futuro, por outro lado preocupa-me o não saber se esse futuro vai ser de sofrimento. Aterroriza-me pensar em sofrimento. Por isto, gostaria de ser eu a decidir do meu futuro...
De: Cecília Meireles
o poema Pássaro
Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.
Caro Dr. Massano Cardoso... toda a genética sofre mutações, desde que o "ser" viva o tempo necessário para que ocorram.
Ainda bem que assim é, para ser sincero, aflige-me a hipotese de um dia, para aqueles cujo genoma se apresenta "resistente" às vicissitudes da genética, ter obrigatóriamente de viver, suportado por tomas diárias de medicamentos, sem a satisfatória mobilidade e capacidade autónoma.
Talvez por isso se fale cada vez mais de eutanásia e essa "tenebrosa" anja da morte, seja cada vez mais a alternativa que ganha adeptos.
Fica assim em causa o princípio médico da manutenção da vida.
Caro Professor Massano Cardoso
Acho curioso um médico não querer conhecer o seu genoma. Deve ser por ter muito mais consciência do que isso significa.
Ás vezes a ignorância é o melhor remédio!
No seu texto, levanta um dilema da vida extremamente sensível.
Não havendo cura para a doença de Alzheimer, uma doença tão assustadora, tão degradante, não sei se é "humano" que quem dela vai padecer saiba o que a espera.
Mas já em relação a doenças diagnosticadas e previsíveis de se declararem, penso que saber é bom porque existem tratamentos médicos de prevenção e cura.
Enviar um comentário